Desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil, médicos, enfermeiros e outros profissionais da área de Saúde têm sido os responsáveis por integrar a “linha de frente” do combate ao novo vírus. Porém, existe um grupo que atua no setor de inteligência da guerra que é de vital importância para o resultado positivos: os cientistas e pesquisadores.
Por este motivo, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) montou a chamada Rede Vírus , que reúne especialistas de diversas áreas para buscar soluções para o enfrentamento ao novo coronavírus (Sars-Cov-2).
Dentre eles, um grupo do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais ( CNPEM ), localizado na cidade de Campinas-SP, está pesquisando uma forma de produzir um “coquetel anti-Covid-19” com remédios já aprovados no país para atacar o vírus e oferecer opções ao uso da cloroquina.
“A missão do CNPEM é propor o reposicionamento de remédios para uso o mais imediato possível nos pacientes da Covid-19 . Então, estamos usando todo o nosso arsenal científico, todas as equipes e toda a infraestrutura para encontrar o quanto antes os medicamentos que já estão disponíveis e que podem ser aplicados para o tratamento. Queremos chegar o mais rápido possível nos pacientes, e no caso de viroses, é dificil combater com um único fármaco. Geralmente, é preciso um ‘ coquetel ‘ que ataque o vírus ao mesmo tempo”, explica Daniela Trivella, coordenadora científica do LNBIO/CNPEM.
Segundo ela, os fármacos utilizados nos testes não podem ser revelados para evitar problemas como o verificado com a cloroquina e a hidroxicloroquina, que “desapareceram” das farmácias após a divulgação de que poderiam auxiliar no tratamento do novo coronavírus (Sars-Cov-2).
“Temos que tomar cuidado para que as pessoas não se antecipem e queiram fazer o tratamento por conta própria, o que é muito perigoso. Primeiro, nós precisamos provar que eles funcionam e garantir a disposição para quem realmente precisa”.
Alerta
Ela complementa apontando um informe da Sociedade Brasileira de Fármacia que listou os problemas do uso descontrolado dos medicamentos e os efeitos colaterais que podem causar.
“A hidroxicloroquina é aprovada para o tratamento de malária, sendo que o mecanismo de ação dela não é completamente compreendido. Então, é mais risco ainda porque ela pode induzir resistência e ter efeitos colaterais . Além disso, vale ressaltar que os estudos utilizaram uma combinação com outros medicamentos, como antibióticos. Então, é preciso tomar cuidado com ela”, afirma Daniela.
Mas o que é “reposicionamento de fármacos”?
Como a própria pesquisadora explica, o processo de reposicionamento consiste na aplicação de medicamentos já aprovados para um determinado uso em uma outra doença, neste caso o novo coronavírus ( Sars-Cod-2 ), após uma grande carga de testes para garantir que o uso será benéfico aos pacientes.
“A ideia é usar medicamentos que já conhecemos a atuação no corpo humano e que foram aprovados para doenças diferentes. Essa estratégia tem muitas vantagens porque é feita com um remédio que já passou por diversos testes em animais e humanos e que demoram anos para serem concluídos. Então, se partimos de um que já tem essas informações disponíveis, o uso em pacientes é muito mais rápido”, afirma.
Apesar de facilitar o combate ao vírus, o processo de reposicionamento não é dos mais simples. Isto porque, no Brasil , existem mais de 2 mil fármacos aprovados e seria impossível testar todos eles. A solução encontrada pelo grupo foi realizar um filtro com a ajuda de um computador, para reduzir as opções.
Triagem virtual e muitos testes
“A triagem feita pelo computador é a abordagem mais rápida, que utiliza informações estruturais sobre o vírus e suas proteínas. Com os dados disponíveis, que estão vindo do mundo inteiro em uma grande rede colaborativa, a gente tenta encaixar esses 2 mil fármacos disponíveis nos sítios ativos relevantes dessas proteínas”, diz a pesquisadora.
Ela utiliza a analogia “chave-fechadura” para explicar o que são os sítios ativos: “o vírus tem várias fechaduras, que são importantes para realizar as reações químicas e a interação com o seu material genético e as proteínas da célula humana. A ativação e função dessas fechaduras são essenciais para o ciclo de vida do vírus. Então, o que um medicamento antiviral faz é bloquear essas fechaduras, com ‘ chaves falsas’. Se a gente consegue isso, inibe as funções dessas proteínas e quebra o ciclo de vida do vírus”.