A Advocacia-Geral da União (AGU) mudou a interpretação de uma regra interna em 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT), o que viabilizou à época a promoção de Jorge Messias, hoje titular da pasta.
Naquele ano, conforme reportagem de Matheus Teixeira, da Folha de S. Paulo, Messias era secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação e ingressou com um recurso administrativo, que acabou sendo aceito pela AGU.
No julgamento interno, foi alterado o entendimento sobre a norma que define quais servidores merecem ser promovidos ao topo da carreira da AGU. Isso resultou na ascensão de Messias à categoria especial e lhe garantiu um acréscimo salarial.
A mudança foi aprovada por 4 a 3. Dos quatro votos favoráveis a Messias, um foi de Fernando Albuquerque Faria, então advogado-geral da União substituto, e outro de André Dantas, na ocasião consultor-geral da União substituto e, atualmente, titular da Consultoria-Geral, por indicação de Messias.
Uma resolução de 2008 determinava que funcionários que não desempenhavam função no próprio órgão não poderiam ganhar 25 pontos na disputa pela promoção interna por merecimento.
“Não farão jus aos pontos do caput os membros que, no período integral da avaliação, não estejam em exercício em órgão da Advocacia-Geral da União”, previa a norma.
Sem a pontuação, Messias não figurou entre os advogados públicos que seriam promovidos. Ele, porém, apresentou recurso ao Conselho Superior da AGU, que acolheu seus argumentos. O colegiado definiu que o fato de ele ter, à época, um cargo no alto escalão do governo garantia os 25 pontos que pleiteava.
Com isso, a disputa pela promoção teve um novo resultado e Messias garantiu a ascensão ao topo da carreira do órgão.
A maioria seguiu o parecer da Consultoria-Geral da União, que afirmou que a natureza do cargo exercido por Messias era o suficiente para reconhecer o merecimento da pontuação.
Dos três votos contrários à promoção, um foi de Omar Sobrinho, representante da carreira de procurador da Fazenda Nacional, a mesma de Messias.
“A interpretação sugerida nulifica o próprio dispositivo em sua razão de ser, que é homenagear quem desenvolve suas atividades em órgão da AGU. Essa interpretação sugerida revoga a lei, pois anula a própria regulamentação. Além disso, cria-se uma discriminação entre quem está cedido para ocupação de cargos comissionados até certo grau e privilegia quem ocupa cargos comissionados a partir de certo grau de importância”, afirmou na época.
Atualmente, os advogados da União que estão na categoria especial têm salário de R$ 27,3 mil, enquanto a categoria inferior recebe R$ 24,1 mil.
Por meio da assessoria, Messias afirmou que a retirada dos 25 pontos havia o prejudicado e disse que o parecer favorável à sua promoção “baseou-se na constatação de que a regra administrativa aplicada pela Comissão de Promoção, além de desarrazoada, implicava prejuízo à AGU”.
Ele diz que o colegiado ficou “convencido do equívoco da norma”. “Destaca-se que, após essa decisão, houve, à época, modificação na Resolução 11/2008 nos termos propostos nas razões do recurso interposto pelo procurador Jorge Messias, e, como mencionado, confirmado pelo Conselho Superior da AGU”.
Além disso, afirma que “buscou, por intermédio da via adequada (administrativa), a reparação de um direito cujos efeitos concretos se projetaram para além de sua esfera individual, corrigindo uma orientação administrativa que era prejudicial às carreiras da AGU”.
Mesmo antes da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições do ano passado, Messias já era apontado como favorito para ser indicado à chefia da Advocacia-Geral da União.
Ele ganhou a confiança do PT por ter exercido um dos principais cargos no governo Dilma, o de subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, antes de ter ido para o MEC. A função é responsável por analisar a constitucionalidade e a legalidade dos atos que são levados para assinatura do chefe do Executivo.
Messias também foi nos últimos anos assessor do senador Jaques Wagner (PT-BA), um dos políticos mais influentes dentro do PT.
Fora a relação com o partido, Messias foi o mais votado na lista sêxtupla formada pelo Fórum Nacional da Advocacia Pública Federal (Forvm) que foi encaminhada a Lula com sugestões de nomes para comandar o órgão.
A AGU, que representa judicialmente a União, se tornou central nos últimos governos, com os presidentes frequentemente recorrendo ao advogado-geral da União para resolver entraves das suas gestões no STF (Supremo Tribunal Federal).
A posse do ministro como chefe da AGU foi prestigiada e contou com discurso, inclusive, de Dilma e do ministro Gilmar Mendes, do Supremo. A ex-presidente disse que Messias a “ajudou a acertar”, também o chamou de amigo e afirmou que havia “respeito mútuo” entre os dois.
Todo presidente costuma escolher com muita atenção o chefe da AGU. Prova disso é que ao menos três ministros da pasta conseguiram fazer do cargo um trampolim para voos mais altos.
O primeiro foi Gilmar Mendes, que era advogado-geral da União do então presidente Fernando Henrique Cardoso e, depois, foi indicado para uma cadeira no STF.
Depois, foi a vez de Dias Toffoli, que era chefe da AGU de Lula em 2009, quando o petista o escolheu para uma vaga no Supremo.
André Mendonça, que comandava o órgão na gestão de Jair Bolsonaro (PL), também saiu do posto direto para assumir um assento na cúpula do Judiciário.