Não é verdade que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, já tenha sido advogado do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). A alegação está conforme o jornal Folha de S. Paulo em uma postagem do Twitter que compartilha trechos em vídeo de uma entrevista concedida por Fachin em 2014, um ano antes de ser nomeado para o Supremo. Ainda que tivesse sido advogado do movimento social, isso não seria impeditivo para assumir uma cadeira na Corte.
A entrevista, como verificado pelo Projeto Comprova, foi concedida para o projeto “Depoimentos para a História”, da entidade civil DHPaz (Sociedade de Direitos Humanos para a Paz), que fazia um retrospecto do período da ditadura militar. Apesar de, na conversa, falar que esteve envolvido com a luta pela reforma agrária no Brasil e de já ter ocupado o cargo de procurador-geral do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), Fachin afirmou à reportagem que nunca foi advogado do MST.
Em currículo entregue por Fachin ao Senado Federal em 2015, no âmbito de sua nomeação ao STF, também não existe qualquer menção a trabalhos realizados com o movimento social. Além disso, na sabatina realizada por parlamentares na ocasião, ele foi questionado sobre a entidade ligada aos sem-terra, como mostram reportagens. A resposta foi de que ele defende manifestações de movimentos sociais desde que estejam dentro da lei. Entretanto, não houve questões relacionadas à suposta atuação como advogado da organização.
O MST também confirmou que Fachin em nenhum momento foi advogado da instituição. A organização garantiu que não existe relação entre o ministro e o movimento, e que ele nunca participou de nenhuma atividade dos trabalhadores sem-terra.
Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
A origem do vídeo
O vídeo compartilhado na postagem é verdadeiro e não sofreu edições capazes de alterar o sentido das declarações do ministro. No entanto, o tuíte não traz o contexto da fala. Ali, Fachin mencionava sua atuação diante de um regime autoritário e não de um sistema democrático. Foram feitos apenas cortes no vídeo da entrevista completa, que tem pouco mais de 1 hora e 12 minutos.
A entrevista foi concedida por Edson Fachin ao projeto “Depoimentos para a História – a resistência à ditadura militar no Paraná”, organizado pela DHPaz, entidade sem fins lucrativos de Curitiba, Paraná. Fachin foi um dos 172 entrevistados pela entidade para o projeto.
O vídeo da entrevista de Fachin foi publicado no dia 16 de abril de 2014 (portanto, antes de sua nomeação ao STF, em 2015), no canal do YouTube da DHPAZ. Em contato com a página do DHPAZ no Facebook, a entidade afirmou ao Comprova que a entrevista com Fachin ocorreu no dia 15 de janeiro de 2014.
Todas as entrevistas do projeto fazem parte do livro homônimo “Depoimentos para a História – a resistência à ditadura militar no Paraná”, lançado em junho de 2014. A obra é de autoria de Antônio Narciso Pires de Oliveira, Fábio Bacila Sahd e Silvia Calciolari.
De acordo com divulgação publicada pelo site do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindjor), o projeto foi coordenado pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná e realizado em parceria com o Projeto Marcas da Memória da Comissão Nacional da Anistia do Ministério da Justiça. O nome dessas entidades também aparece na abertura e encerramento de cada vídeo da série de entrevistas.
No depoimento, Fachin comenta passagens de sua biografia, como sua infância, seu ingresso no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná e sua posterior atuação como advogado. Fachin também aborda o contexto da ditadura militar (1964-1985) no Paraná e sua participação nos movimentos pela redemocratização do país e nas discussões que buscavam influenciar a elaboração da Constituição de 1988.
Entrevista
Parte das afirmações de Fachin na entrevista é utilizada pelo autor da postagem para atacar o ministro e o sistema eleitoral. Na legenda do post, após insinuar que Fachin já teria sido advogado do MST, está escrito que “com essa ficha corrida percebemos a moral que o STF e o TSE têm”.
O vídeo inicia com a voz da pessoa que está entrevistando Fachin falando sobre o momento de maior enfrentamento à ditadura militar, fazendo referências a comícios e atos de rua. Fachin a interrompe, dizendo “algumas pichações também” e menciona que precisa ter cuidado para não expor alguns de seus “crimes” durante o período, embora a maioria deles “já estejam prescritos”.
Em seguida Fachin comenta algumas passagens de sua biografia, citando, entre outras coisas, que seu professor de Língua Portuguesa e Literatura, “um homem progressista, ligado ao Partido Comunista e aos movimentos de esquerda”, foi fundamental para a sua formação por “mostrar que o mundo não era só o mundo que a gente via”.
Ao falar sobre sua entrada na universidade e seu posterior trabalho como advogado, Fachin diz que acabou se “ligando à questão da terra e à luta pela reforma agrária”. Ele também diz que este foi o segmento do qual mais participou durante o movimento da Constituinte de 1988.
Por fim, no último trecho usado na postagem, Fachin fala que, em 1978, escreveu um trabalho sobre partidos políticos no qual sua conclusão foi que “o único partido que poderia ser chamado por esse nome era o Partido dos Trabalhadores, que tinha um programa de transformação do Brasil”.
MST
Apesar de, no vídeo, o ministro Edson Fachin mencionar que esteve ligado à luta pela reforma agrária, ele afirmou, após questionamento da reportagem ao TSE, que nunca foi advogado do MST.
Via assessoria do TSE, Fachin também tratou da entrevista concedida ao projeto da DHPaz, da qual trechos foram extraídos e compartilhados na postagem aqui investigada. “O vídeo retira frases do contexto e captura trechos de uma conversa praticamente informal em programa sobre a memória do movimento estudantil paranaense”, pontuou em mensagem por aplicativo.
O ministro observou que a entrevista era uma rememoração do movimento estudantil durante os ‘anos de chumbo’, nos quais, lembrou Fachin, era crime pensar e se manifestar pela liberdade, e também da vida universitária, então marcada pela censura e pela proibição de funcionamento de diretórios estudantis.
“Tanto como estudante quanto como professor e acadêmico, Luiz Edson Fachin nunca foi filiado ao partido político referido no trecho descontextualizado nem teve militância política, mas sim no movimento estudantil pela volta da democracia. Mesmo com as trucagens feitas no vídeo, o próprio teor real da fala, mesmo montada, demonstra, apesar da evidente má-fé na distorção, a história de quem, a seu tempo e a seu modo, mais de vinte anos antes de ingressar na magistratura, sempre defendeu a democracia.”