O primeiro módulo do curso de capacitação ‘Gênero, Feminismos e Masculinidades’ apresentou na última sexta-feira (15) no Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público estadual (Ceaf), a experiência do projeto “E agora, José? Pelo Fim da Violência Contra a Mulher”, desenvolvido sob a coordenação do psicólogo e professor Flávio Urra, na cidade de Santo André, em São Paulo.
A aula inaugural contou ainda com uma palestra do psicólogo e pesquisador Diogo Souza Silva, que integra a Rede de Assistência Social, atuando com medidas socioeducativas. O curso é parte do ‘Projeto Homens que Queremos Ser’, do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (Caodh), com o apoio do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem) e da Central de Assessoramento Técnico Interdisciplinar (Cati) e capacitará 60 profissionais que atuam ou pretendem atuar com homens autores de violência doméstica, baseado na perspectiva feminista.
Na abertura do curso, que será composto por 12 módulos semanais, a coordenadora do Caodh, promotora de Justiça Márcia Teixeira, destacou a importância de trabalhar com o homem agressor diante do crescente número de casos de violência contra as mulheres. “Para além dos números, a gravidade da violência, muitas vezes acompanhada de fúria, demanda uma postura proativa para evitar a reincidência e a banalização desses crimes”, apontou a promotora, que explicou que o feminismo precisa ser entendido como uma luta pela igualdade de gêneros.
“A luta não é contra os homens, mas contra uma ideologia sexista, machista, conservadora e tensionante, que está cada vez mais visível na sociedade contemporânea”, salientou ela, que destacou ainda a oportunidade que é formar esses profissionais para atuar junto aos homens agressores. “Pretendemos que, ao final do curso, os formados elaborem projetos conosco que possam ser apresentados aos gestores estaduais e municipais, bem como a organizações não governamentais, para desenvolver parcerias que possam multiplicar essa atividade. Nós, na coordenação do Caodh, buscaremos uma aproximação com os prefeitos para intermediar esses contatos”, concluiu Márcia Teixeira.
O psicólogo Flávio Urra, coordenador do grupo ‘E Agora José? Pelo Fim da Violência contra a Mulher’, afirmou que, ao longo do seu trabalho, detectou que a maior parte dos homens agressores desconhece a temática de gênero e até mesmo as leis que garantem os direitos das mulheres. “No primeiro encontro que fazemos com eles, lemos a Lei Maria da Penha e a maioria fica surpresa”, disse.
O professor falou ainda que, a partir dessa percepção, o programa busca questionar os papéis sociais de gênero que legitimam as desigualdades sociais e a violência contra as mulheres. “Nossa sociedade se baseia em modelos orientados por uma visão patriarcal, que valoriza os aspectos ligados ao masculino e inferioriza os aspectos femininos”, destacou, afirmando que é preciso envolver o homem na discussão do feminismo para desconstruir uma hierarquia machista de valores, onde o masculino ocupa o lugar de dominador. “Esses homens aprenderam a ser assim numa sociedade estruturalmente machista”, acrescentou, apontando que o trabalho junto ao agressor é apenas parte de um trabalho maior, que deve promover uma mudança cultural na sociedade. “Uma cultura que desvaloriza e oprime as mulheres acaba por legitimar e banalizar a violência doméstica de gênero”, concluiu.
O psicólogo Diogo Souza Silva, que integra a Rede de Assistência Social, afirmou que para pensar as medidas socioeducativas é preciso ir além das questões da masculinidade. “Implica pensar gênero de um modo geral, estrutural, pensar racismo e também pensar questões de LGBT-fobia”. Diogo ressaltou que a maioria dos jovens que cumprem medidas socioeducativas hoje são negros, do gênero masculino, e inseridos numa realidade de desigualdades. “É um ambiente onde componentes de racismo, sexismo e classismo fazem com que uma série de violências sejam cometidas”, afirmou, acrescentando que discutir masculinidades é fundamental para o atendimento desses agressores. “Todas as formas de opressão num sistema de dominação estão vinculadas e precisam ser levadas em conta se queremos reverter esse quadro”. Na sua fala, o pesquisador considerou a relação entre masculinidades negras e saúde do homem e dos homens trans. “Essa discussão precisa ser racializada. É preciso pensar como intelectuais majoritariamente negras, de um feminismo negro ou interseccional, têm produzido ideias e modos de pensar as questões das masculinidades e, principalmente, de como a masculinidade hegemônica forma brancos e negros e como a violência opera sobre essas pessoas”, concluiu o professor.