A presença do ex-juiz Sérgio Moro na comitiva que o presidente Jair Bolsonaro (PL) levou ao estúdio da Band no primeiro debate presidencial do 2º turno marcou o retorno da Operação Lava Jato no cenário eleitoral. O movimento de reconciliação do ex-juiz com Bolsonaro deu ao presidente e candidato à reeleição mais munição contra o rival petista, mas também desencadeou insatisfação entre juízes e procuradores.
Desta vez, as críticas não ficaram restritas a alas garantistas e antigos opositores da Lava Jato, como se viu no passado. Nem aos apoiadores de Lula e do PT. Trata-se de uma onda de autocrítica entre membros da magistratura e do Ministério Público Federal que apoiaram a operação, e até mesmo atuaram em casos a ela conexos. Antigos colegas de Moro e Deltan Dallagnol passaram a defender quarentena para integrantes das carreiras jurídicas.
Representantes do Ministério Público ouvidos pela reportagem questionam a robustez das provas colhidas pelas investigações de desvios na Petrobras e outros esquemas, que resultaram na devolução de bilhões de reais por delatores e empresas. A preocupação é com os efeitos que as opções políticas de Moro e Dallagnol, eleito a deputado federal, podem ter nos autos de processos que deixaram para trás. A Lava Jato enfrenta uma série de anulações impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O receio desse grupo é que esta atuação política dê margem para questionamentos dos investigados.
Anselmo Cordeiro Lopes, ex-coordenador da extinta força-tarefa Greenfield, que mirou escândalos de corrupção e desvios em fundos de pensão e na Caixa Econômica, foi o último procurador a sustentar uma denúncia criminal contra Lula. Ela está na Operação Zelotes, em que o petista e seu filho são acusados de tráfico de influência e lavagem de dinheiro na operação de caças suecos. A ação está suspensa, e os outros dois procuradores que assinaram a denúncia foram declarados suspeitos pelo STF. Embora suspensa, a ação não foi arquivada e permanece pendente de julgamento.
Anselmo evita falar sobre os autos de seus processos, mas, em entrevista ao Estadão, avaliou que o uso eleitoral das investigações é “inapropriado” e que a “falta de imparcialidade de Moro” acabou com a Lava Jato. “Quando Moro jogou a imagem de imparcialidade às favas, a credibilidade da Lava Jato e das instituições federais de combate à corrupção ruiu de forma irreversível – o dano ao legado da Lava Jato é permanente”, disse.
O procurador vai além: defende inclusive um pedido de desculpas da Justiça e do MPF. “Eu, se representasse a instituição, pediria desculpas sim, não só a Lula, mas principalmente à população brasileira, em razão da influência política indevida gerada”.
Anselmo ressalta que esta não é uma crítica generalizada ao MPF em sua atuação, que envolveu braços da Lava Jato em outros estados. Mas, sim, apenas aos agentes que fizeram uso político das investigações. “Mesmo em Curitiba, a grande maioria dos colegas agiu com profissionalismo. Mesmo Deltan e Moro agiram de forma correta com muitos outros réus e investigados”, ressalta Anselmo, que ainda diz que erros pontuais não podem apagar os “créditos de um trabalho coletivo”.
GAECOS
Segundo relatos colhidos pela reportagem, paira no Ministério Público Federal (MPF), em especial, o descontentamento com o apoio aberto de Moro a Bolsonaro. As forças-tarefa da Operação Greenfield, conduzida por Anselmo, assim como a Lava Jato, foram extintas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado pelo presidente no fim de 2020. No lugar destes grupos, foram criados Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaecos) do MPF, que não têm a mesma estrutura de servidores e procuradores, nem conferem aos seus integrantes atribuição exclusiva para conduzir grandes investigações.
Subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen integrou o Conselho Superior do MPF e se posicionou firmemente contra o fim das forças-tarefas da Lava Jato. Também atuou em casos relacionados à operação no Rio de Janeiro.
Ao Estadão, diante deste cenário de politização, ela disse ser favorável à criação de uma quarentena eleitoral para juízes, procuradores e policiais. A tese é defendida por outros membros da PGR. “Veja bem, você não pode nem advogar perante os órgãos que você atuou. E eu posso concorrer e posso ir ao Executivo? Existe uma questão para a advocacia, por que isso não pode ser estendido? Eu acho que isso é uma questão importante.”