Ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça, o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) afirmou à Folha que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) gera condições para novos casos de corrupção.
“O governo quer relaxar a Lei das Estatais, que foi um avanço de 2016, uma reação àquele loteamento exacerbado que foi constatado na Lava Jato”, disse.
Na campanha eleitoral, Moro reatou com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —a quem em 2020 acusou de tentar interferir na Polícia Federal. Agora, o ex-ministro tenta evitar vínculos com o bolsonarismo.
“Não tenho relação próxima. Eu aderi [a ele] ali na campanha, como uma atuação muito pontual. Eu não voltei a fazer parte do grupo político do Bolsonaro”, declarou. O hoje senador assessorou o então candidato a presidente em debates no segundo turno.
Na entrevista, Moro também saiu em defesa do juiz Marcelo Bretas, responsável pela Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, que nesta terça-feira (28) foi afastado do cargo pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Quais são os planos do sr. na política? Pretende concorrer ao governo do Paraná ou à Presidência? Isso é muito especulativo. O foco é o mandato do Senado. Tenho uma bandeira histórica que é o combate da corrupção. A corrupção torna o setor público ineficiente e, além disso, acaba enfraquecendo a democracia. Então, é muito além de um sítio, muito além de um tríplex, muito além de desvios da Petrobras. A corrupção é um problema central das democracias modernas e precisa ter vozes no Parlamento que defendam pautas para combatê-la. Por exemplo, a volta da prisão na segunda instância.
O sr. pediu para desarquivar o projeto de prisão em segunda instância. Quando o Senado deve discutir isso? Esse projeto foi importante porque já tinha sido aprovado na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] e depois foi arquivado. Em vez de começar do zero, nós preferimos desarquivar. Agora penso que tenho que esperar o melhor momento político e analisar o cenário. Tem graves casos de injustiça, de pessoas que foram condenadas por crimes às vezes até violentos, e que acabam não sendo punidas porque os processos não chegam ao fim.
Qual seria o melhor momento político? Em alguma crise de corrupção no governo, por exemplo? Essas crises de corrupção, pelo jeito, são previsíveis, né? Porque esse governo está fazendo a mesma coisa que fez no passado, que é um loteamento completo de cargos públicos, com aumento da estrutura burocrática. Então, esses casos, infelizmente, e com relaxamento dos controles, devem surgir nos próximos anos. Mas, na verdade, o momento político apropriado é quando nós entendermos que o convencimento dos pares [senadores] foi atingido.
O sr. acredita que casos de corrupção irão surgir neste governo? É uma questão de condições. As condições estão presentes ou ausentes? Por exemplo, o governo quer relaxar a Lei das Estatais, que foi um avanço de 2016, uma reação àquele loteamento exacerbado que foi constatado na Lava Jato. Agora o governo está fazendo um movimento contrário, porque quer distribuir cargos das estatais para ganhar apoio político. Muitas vezes isso acaba menosprezando o aspecto técnico. Então você vai gerando as condições para que retornem os casos de corrupção.
Uma estatal que tem denúncias de corrupção, inclusive no governo Bolsonaro, é a Codevasf, que deve continuar sob comando de indicados do seu partido, a União Brasil. Qual sua avaliação sobre a participação da sigla? Sou contra o loteamento político de cargos públicos. Claro que você tem que ter um núcleo de cargos políticos. Por exemplo, o de ministro. Mas quanto mais perfil técnico, melhor. Quando fui ministro da Justiça, em relação à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal, orientei que as indicações de todas as superintendências tinham que ser técnicas.
Agora, o que a gente vê nas notícias é que a demora para nomeação dos superintendentes da Polícia Rodoviária decorre desses acertos políticos. Não sei se é verdade, mas começar a lotear os cargos de superintendentes de órgãos de polícia é um modelo que não dá certo.
O sr. acredita que haverá interferência na PF nesse governo? Responder isso seria especulativo.
E no governo Bolsonaro? Eu deixei o governo por conta disso.
E depois que o sr. deixou? Eu não tive um acompanhamento preciso em relação a isso, mas, quando deixei o governo, eu deixei muito claro as razões da discordância. Eu, na verdade, fiz o apoio ao Bolsonaro no segundo turno [da eleição] por conta da oposição ao Lula. Em nenhum momento eu me retratei daquilo que eu disse.
O sr. se considera bolsonarista? Eu não rotulo as pessoas, assim como não me rotulo. Eu fui um candidato no Paraná que não teve apoio nem de Lula nem de Bolsonaro. Eu fui a terceira via no Paraná e tenho minhas bandeiras próprias. Então eu não me defino em relação a Lula nem a Bolsonaro.
O sr. acredita que a terceira via vai se viabilizar nos próximos anos? Não sei se terceira via é a melhor expressão, mas eu acho que o Brasil não pode ser simplificado entre dois times: Bolsonaro e Lula. Eu acho que existe um conjunto não só de cidadãos, mas de políticos, que querem ver o país prosperar, mas sem esses rótulos.
Mas qual sua relação hoje com Bolsonaro e com as pessoas do núcleo dele? Eu não tenho relação próxima. Eu aderi ali na campanha, como uma atuação muito pontual. Eu não voltei a fazer parte do grupo político do Bolsonaro.
O PL do Paraná tenta cassar seu mandato. Como fica a relação com os aliados do ex-presidente? Isso é uma ação temerária, que foi proposta por dois maus perdedores. Nós temos absoluta segurança quanto à correção do que foi feito na nossa campanha eleitoral. Lamento essa iniciativa, mas a relação com a bancada do PL no Senado transcende essa divergência.
Aliados de Bolsonaro defendem que o ex-presidente volte ao Brasil e coordene a oposição. O sr. concorda?Essa é uma decisão que cabe a ele. Eu faço minha oposição de maneira independente. Nós temos um grupo aqui que está disposto a fazer oposição a esse governo e acredito que esse grupo vai ser crescente.
A União Brasil e o PP negociam uma federação. Se isso acontecer, o sr. continua no partido? Nós temos que esperar os desdobramentos desses fatos. Na União Brasil hoje existe uma boa parcela de parlamentares e filiados que não se sentem representados pelo governo Lula e querem fazer oposição. E essa posição tem sido respeitada pela cúpula do partido.
O que o sr. acha que vai acontecer com a Lava Jato? Há risco de novas derrotas? Nós precisamos recriar as condições na legislação para o combate à corrupção. Eu defendo também o fim do foro privilegiado, a autonomia dos órgãos de controle. Sem isso, é muito difícil retomar o combate à corrupção, seja lá em Curitiba ou em qualquer outro lugar.
O CNJ julga nesta terça-feira o juiz Marcelo Bretas [a decisão de afastamento do juiz ocorreu após a entrevista]. Na sua avaliação, há risco de ele ser punido? Ele fez um bom trabalho no Rio de Janeiro, desmontou o império de corrupção do [ex-governador] Sérgio Cabral. Por conta disso, são muitos interesses contrariados. Pelo que eu vi, não encontrei nada sólido que justifique o afastamento do juiz. Acho que os fatos têm que ser apurados, mas o afastamento me parece uma medida exagerada.
Há diferenças do caso de Bretas com os contatos que o sr. tinha com procuradores? Meus contatos com procuradores não têm nada de ilícito. Nunca teve nada disso. A gente combateu a corrupção. A gente assumiu riscos. A gente colocou pessoas poderosas na cadeia. E a gente quer retomar essa luta. Então tenho muito orgulho do trabalho que foi feito na Operação Lava Jato. Não tenho nada para lamentar ou me arrepender.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, afirma que a lavagem cerebral da Lava Jato culminou na resistência das Forças Armadas a Lula. O sr. vê essa relação? Não. O que existe é que os militares tradicionalmente têm uma visão negativa em relação à corrupção. E, do outro lado, o que existiu nos governos do PT são vários escândalos de corrupção, como o mensalão e o petrolão, que até hoje ninguém fez um mea-culpa dentro do governo do PT. Ou não houve corrupção no governo do PT? Ou a Petrobras não foi roubada, não foi saqueada? Esses são os pontos que eles têm que se preocupar.
Qual deve ser o encaminhamento em relação aos presos pelos atos golpistas de 8 de janeiro? O ministro Alexandre [de Moraes, do STF] decidiu questões difíceis em situações extremas. Passado aquele momento emergencial, acho que as responsabilidades têm que ser individualizadas. Então, quem invadiu e depredou é uma situação. Quem se manifestava é uma situação completamente diferente. Então é importante que as responsabilidades, sim, sejam apuradas, mas feita a diferenciação devida.
O sr. acha que esses casos devem ser julgados pelo STF ou em primeira instância? É uma questão que cabe ao Supremo.
E sobre o envolvimento do ex-presidente Bolsonaro? Qual teria sido a participação dele? Não cabe a mim essa avaliação.
O sr. diz que não quer que o combate à corrupção seja sua única bandeira e tem se envolvido com pautas do agronegócio. O sr. se vê como integrante da bancada ruralista? O Brasil tem problemas na economia, mas, se tem um setor que tem competitividade, inclusive internacional, é o agronegócio. Nós temos que valorizar essa parcela da nossa economia. Atualmente, a principal preocupação é ligada ao discurso equivocado do governo federal. Os agricultores foram chamados de fascistas pelo presidente. Eu não me sinto representante do agro propriamente dito, mas defenderei os interesses do agro porque coincidem com os interesses do país.
SERGIO MORO, 50
Hoje filiado à União Brasil, foi juiz na Operação Lava Jato e condenou Lula em primeira instância no processo que depois levou o agora presidente à prisão. Abriu mão da magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública no governo Bolsonaro e deixou a pasta após 16 meses. Tentou se viabilizar como candidato à Presidência da República na eleição de 2022, mas acabou eleito para o Senado pelo Paraná.