Apesar da recusa do presidente Jair Bolsonaro (PL) em cumprir determinação de depor presencialmente à Polícia Federal nesta sexta (28), o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes tem segundo a Folha de S. Paulo, pouca margem de manobra para aplicar sanções contra ele.
Segundo integrantes do governo, o presidente mantém a disposição de não prestar depoimento, mesmo após Moraes recusar o recurso da AGU (Advocacia Geral da União).
Integrantes do Supremo avaliam que Moraes não precisava ter determinado hora e local para o presidente depor, de um dia para outro, sendo que não havia, em tese, a obrigatoriedade de o presidente depor.
Existe no governo o sentimento de que ele quer medir forças com o mandatário, mas agora está ficando com poucas saídas.
Uma delas, considerada drástica por técnicos e especialistas, é abrir uma apuração de ofício para saber se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao descumprir ordem judicial.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) ficaria com a responsabilidade de conduzir essa apuração.
Porém, o mais comum, de acordo com o entendimento atual do Supremo, é que não haja medidas contra o presidente por ter se recusado a depor em um inquérito no qual é investigado.
O Supremo chegou a iniciar um julgamento no ano passado a respeito da possibilidade de o presidente depor por escrito e não presencialmente.
A análise do caso foi suspensa, porém, uma mudança de posicionamento da AGU, que inicialmente havia concordado com a possibilidade de o presidente ser interrogado no inquérito.
Por isso Alexandre de Moraes determinou o depoimento presencial.
“A defesa expressamente concordou com a sua oitiva [de Bolsonaro] e solicitou, por intermédio de petição, protocolada em 10/12/2021, a concessão de prazo adicional de sessenta dias para a sua realização, em razão de compromissos firmados em sua agenda presidencial”, afirmou o ministro, em despacho.
“Determinei a prorrogação do prazo para a realização da sua oitiva, concedendo mais 45 dias, com
termo final em 28/01/2022”, acrescentou.
Horas antes do vencimento do prazo, às 22h46, a AGU mudou de posição e informou que Bolsonaro não compareceria ao interrogatório.
Advogados que atuam na área criminal afirmam que o direito ao silêncio é uma garantia do investigado, que pode não ir ao interrogatório, e essa visão tem sido seguida pelo STF.
“Eu não vejo como, no atual entendimento do Supremo, atrelar qualquer tipo de consequência ao não comparecimento dele”, afirma Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP.
Para Mayra Mallofre Carrillo, especialista em direito penal econômico, o não comparecimento “deve ser entendido como o exercício do direito ao silêncio, indicando que as investigações devem prosseguir sem as declarações do investigado, uma vez que ele não é obrigado a prestá-las”.
“Qualquer tentativa de forçar esse comparecimento, no meu modo de ver, configuraria abuso de autoridade da parte do ministro [do STF]”, afirma.
O criminalista Leonardo Magalhães Avelar também diz que o presidente tem direito ao silêncio, como investigado, mas acrescenta que há uma determinação do STF e “em tese, em caso de descumprimento de referida ordem, seria possível aventar a prática de crime de responsabilidade do presidente da República”.
Bolsonaro é alvo de apuração por suspeita de vazamento de dados sigilosos de investigação da Polícia Federal. O inquérito busca saber como ele teve acesso a apuração sobre ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral.
O presidente usou essa informação para levantar a tese de fraude na eleição de 2018 em entrevista no dia 4 de agosto do ano passado.
A possibilidade de condução coercitiva também é vista como improvável, já que o próprio Supremo julgou de forma contrária a esse tipo de medida.
O próprio Alexandre de Moraes diz isso na decisão que determinou o depoimento de Bolsonaro.
“[No Brasil, é vetada] a possibilidade de condução coercitiva, no caso de recusa injustificada de comparecimento por parte do investigado; em que pese meu posicionamento em contrário, manifestado no julgamento”, afirmou.