Os planos para o retorno da humanidade à Lua pela primeira vez desde 1972 vão passar por seu primeiro grande teste em 29 de agosto, com o lançamento da missão Artemis 1 da Nasa, a agência espacial americana. O voo sem tripulação vai orbitar nosso satélite natural.
É a primeira de uma série de missões destinadas a pisar no solo lunar até 2025 ou 2026.
Pela primeira vez, uma mulher e uma pessoa negra devem se juntar ao clube de 12 homens brancos que já realizaram o feito.
Aos 84 anos, o professor John Logsdon espera testemunhar mais um momento histórico.
Em 1969, anos antes de se tornar um especialista espacial de renome internacional, o físico americano conseguiu se credenciar para o lançamento da Apollo 11. A espaçonave colocou os primeiros humanos na Lua: Neil Armstrong (1930-2012) e Buzz Aldrin.
“Tive acesso ao prédio de pré-lançamento, e vi os astronautas passarem por mim antes de embarcarem em um veículo que os levou à plataforma de lançamento”, conta Logsdon à BBC.
“Agora espero viver mais, para poder ver isso de novo.”
Essa caminhada na Lua vai parecer bem diferente, graças à pressão da Nasa pela diversidade de gênero e raça.
Pioneiros de gênero e raça
As mulheres têm um lugar garantido no módulo de pouso lunar. Elas representam metade dos 18 astronautas selecionados para o programa Artemis. Várias missões estão planejadas.
Um nome apontado pela mídia como favorito para a Artemis 3 é o de Stephanie Wilson, de 55 anos. Ela é uma veterana de três missões do ônibus espacial — e a segunda mulher negra a ir ao espaço.
“É uma prova maravilhosa do progresso que as mulheres fizeram”, disse Wilson ao site de notícias científicas Space.com em 2020.
“Claro que estou animada por ser incluída no grupo e ansiosa por quem quer que seja a primeira mulher, e as mulheres que vão seguir como parte do programa Artemis para continuar nossos estudos da Lua”.
Pessoas de cor
Metade da equipe americana é formada por pessoas de cor.
Em novembro de 2021, apenas 75 das 600 pessoas que haviam ido ao espaço eram mulheres, segundo a Nasa.
Especialmente nos EUA, as candidatas do sexo feminino a astronautas enfrentaram o sexismo institucional.
A Nasa recrutou seus primeiros astronautas dentre pilotos de testes militares na década de 1960, quando as mulheres não tinham permissão para pilotar jatos militares.
Em contrapartida, a União Soviética enviou Valentina Tereshkova — uma ex-trabalhadora têxtil e paraquedista amadora — ao espaço em 1963.
Vinte anos depois, os EUA enviaram sua primeira mulher ao espaço — Sally Ride, no ônibus espacial Challenger.
“É fácil lembrar o quão desigual era o campo para as mulheres que queriam ser astronautas há apenas uma geração”, diz Margaret Weitekamp, presidente do Departamento de História Espacial do Museu Nacional do Ar e do Espaço dos EUA.
“As desigualdades ainda estão lá, mas o sistema está se abrindo.”
Infográfico mostra foguete SLS
Tem ainda o desequilíbrio racial: apenas 14 dos 330 americanos que a Nasa enviou ao espaço eram negros — e outros 14 eram asiático-americanos.
Enquanto isso, os soviéticos enviaram a primeira pessoa de cor ao espaço em 1980: o cosmonauta cubano Arnaldo Tamayo Mendez.
‘Precisamos ser justos’
A agência espacial sabe que algo deve ser feito.
“Precisamos ser justos e ter equidade na forma como as pessoas são representadas no programa”, admitiu Kenneth Bowersox, vice-administrador da Diretoria de Missões de Operações Espaciais da Nasa, em entrevista coletiva em 2021.
Base lunar
Logsdon diz que a promoção da diversidade é mais do que um exercício de relações públicas. O retorno da Nasa à Lua é mais ambicioso do que simplesmente colocar humanos na superfície lunar pela primeira vez desde a Apollo 17 em 1972.
O programa Artemis visa transformar nosso satélite natural na base para uma missão humana a Marte na década de 2030.
“A Artemis tem o objetivo de preparar o terreno para a futura exploração espacial. Existem astronautas mulheres e de grupos minoritários perfeitamente competentes por aí, e precisamos de toda ajuda possível para que estes objetivos sejam alcançados”, diz ele.
“O programa Apollo era da alçada de homens brancos. Não pode mais ser este o caso, especialmente quando temos o uso de dinheiro público.”
Por que está demorando tanto para voltar à Lua?
Entre 1960 e 1973, os EUA gastaram US$ 25,8 bilhões na Apollo — ou quase US$ 300 bilhões hoje, quando o valor é reajustado pela inflação. Qualquer presidente americano precisa de um bom motivo para liberar essas quantias.
A Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética forneceu o motivo. Ela foi parar no espaço em 1957, quando Moscou lançou o Sputnik, o primeiro satélite artificial do mundo.
“A competição da Guerra Fria é a razão pela qual os EUA fizeram a Apollo e por que havia tanta urgência em gastar uma enorme quantia de dinheiro para chegar à Lua o mais rápido possível”, explica Logsdon.
Na década de 1970, a guerra do Vietnã atraiu a atenção da opinião pública junto a um declínio do interesse em missões lunares. Isso foi retratado no filme Apollo 13 – Do Desastre ao Triunfo, quando a transmissão ao vivo dos astronautas do espaço — feita antes do notório acidente — não foi exibida em nenhuma grande rede de TV.
“Infelizmente, depois da Apollo 11, os voos para a Lua se tornaram chatos. Ninguém queria que suas novelas ou programas de auditório fossem interrompidos para assistir a outro par de heróis saltando sobre a superfície lunar”, escreveu o comentarista espacial americano Mark Whittington em 2020.
Nixon cancela Apollo
O presidente Richard Nixon cancelou então o programa Apollo e ordenou que a Nasa desenvolvesse o ônibus espacial. Por décadas, as prioridades da Nasa mudaram, passando da exploração humana para operações na órbita baixa da Terra, como a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
Isso também significou aposentar o poderoso Saturno V, que até hoje é o único foguete comprovadamente potente o suficiente para levar os humanos tão longe — a Nasa espera naturalmente que seu Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês) seja a nova solução.
A mudança aconteceu em dezembro de 2017, quando o então presidente Donald Trump revelou planos para retornar à Lua.
“Desta vez, não vamos apenas fincar nossa bandeira e deixar nossas pegadas”, disse Trump.
A Artemis não vai ser barata — o orçamento oficial é de US$ 93 bilhões, mas cientistas como a astrofísica britânica Jennifer Millard acreditam que os benefícios superam os custos.
Embora as missões Apollo tenham realizado alguns experimentos científicos importantes, foi preciso esperar até a Apollo 17, quando o geólogo americano Harrison Hagan Schmitt pisou na Lua.
“Sim, alguma ciência foi feita nas missões Apollo, mas desta vez vai ser muito mais ampla, com projetos que vão tentar extrair água e minerais da Lua, por exemplo”, diz ela.
Leslie Cobb, que lidera a equipe que desenvolveu o novo foguete lunar, explica melhor.
“Também podemos aprender a viver e trabalhar em outra superfície fora da Terra. Mal começamos a explorar e aprender sobre a Lua”, disse ela à rede de TV americana NBC.
Uma questão de STEM
Atualmente, a Nasa tem um processo de seleção de astronautas muito mais simples — e teoricamente mais justo: o único critério é que os candidatos devem ser cidadãos dos EUA e ter mestrado nas áreas STEM (acrônimo em inglês para ciências, tecnologia, engenharia e matemática.
“Como as pessoas dizem, é ver para crer, e a questão da representação é crucial”, explica Millard.
“As missões Apollo inspiraram gerações a entrar nos campos da astronomia e exploração espacial. A Artemis agora pode fazer isso para as gerações futuras”, acrescenta.
As estatísticas mais recentes da ONU mostram que em 2017 apenas 35% dos estudantes das áreas STEM eram mulheres.
“Parte da missão Artemis é mais do que ciência e exploração. Está tentando inspirar as melhores mentes a entrar na astronomia e no espaço, e isso começa com aumentar esses números.”
De acordo com o relatório de diversidade de 2022 da Nasa, apenas 35% da força de trabalho da agência é feminina.
Mas há mulheres em posições de poder considerável: a diretora de lançamento da Artemis 1, Charlie Blackwell-Thompson, é a primeira mulher a ocupar este posto de missão. Sharon Cobb lidera, por sua vez, a equipe que desenvolveu o foguete SLS.
A raça também importa neste debate. Em 1969, negros americanos protestaram contra o uso de bilhões de dólares de fundos públicos para enviar um homem à Lua. O espírito foi capturado por Whitey on the Moon, famoso poema do músico Gil Scott-Heron um ano depois.
Naquela época, de acordo com o censo dos EUA, os afro-americanos eram três vezes mais propensos do que os brancos a viver na pobreza.
Embora essa desigualdade tenha diminuído nas décadas seguintes, isso não se refletiu no número de estudantes americanos que se formaram nas áreas de STEM: um estudo do Pew Research Institute mostrou que, em 2018, os estudantes negros obtiveram apenas 7% dos diplomas de graduação em STEM.
De acordo com estatísticas da própria Nasa, os afro-americanos representam atualmente 12% da força de trabalho da agência — e 30% são não-brancos.
Em uma entrevista ao site de notícias Space.com em 2020, o ex-astronauta Charles Bolden Jr, que entre 2009 e 2017 também foi o primeiro chefe afro-americano da Nasa, disse que ainda há muito a ser feito em termos de diversidade na agência.
Um dos exemplos que ele usou foi que levou duas décadas para o primeiro astronauta negro, Victor Glover, visitar a Estação Espacial Internacional.
“Não temos representação suficiente no escritório dos astronautas, para mulheres e minorias”, disse Bolden.
Há uma expectativa extra para os próximos meses, quando espera-se que a Nasa anuncie os astronautas da Artemis 2, missão na órbita lunar prevista para 2024.
Primeiro, no entanto, todos nós precisamos esperar pela Artemis 1 — e seu voo de teste crucial.