Ministros do governo Lula (PT) usaram aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira) pelo menos 82 vezes para fazer trajetos (de ida e volta) de Brasília para as cidades onde mantêm domicílio às vésperas de fins de semana e feriados.
Alguns deles marcam agendas nos últimos dias da semana nesses locais. E acabam retornando apenas às segundas.
Fernando Haddad (Fazenda), Luiz Marinho (Trabalho) e Nísia Trindade (Saúde), por exemplo, tornaram rotina o despacho às sextas-feiras nas cidades onde moram, diz Renato Machado, Marianna Holanda e Matheus Teixeira da Folha de S. Paulo.
Ministros de Estado têm direito a usar as aeronaves da FAB, mas desde que esses deslocamentos preencham alguns requisitos.
O mais recente decreto que regulamenta o assunto, editado em 2020 pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), restringiu as solicitações para viagens por motivo de emergência médica, segurança ou viagem a serviço.
No atual governo, ministros passaram a marcar agendas em suas cidades às sextas, justificando assim os trajetos nos aviões oficiais. Esses compromissos incluem palestras em universidades, reuniões com políticos aliados, inauguração de obras estaduais, cerimônias de posse de entidades de classe e profissionais e encontros com empresários.
O especialista em direito administrativo Fernando Carvalho Dantas alerta que a análise das agendas é o ponto central para determinar se há desvio no uso do bem público. Ele acrescenta que as viagens em aeronaves da FAB precisam de um “propósito, compromissos que sejam atinentes ao cargo”.
Já o professor André Rosilho, de direito administrativo da FGV-SP, evitou falar de casos concretos, mas ressaltou a importância de ficar atento para eventuais “compromissos fabricados”.
“Em princípio, não tem ilegalidade manifesta, mas é importante observar comportamento a longo prazo. Talvez precise observar se os compromissos são de fato indispensáveis ou apenas fabricados por conveniência”, afirmou.
O professor de direito administrativo do IDP Antonio Rodrigo Machado defende que o Estado deva levar em consideração os deslocamentos de ministros para suas regiões, tendo em vista o sacrifício pessoal deles, mas que isso não significa que deva arcar com os custos “de maneira desarrazoada e sem limites”.
“A utilização de duplicidade de voos da FAB durante o final de semana, com um avião para ir e outro para voltar, pode indicar um gasto de dinheiro público que não coaduna com os princípios constitucionais da Administração Pública […]. Se a agenda foi montada para a garantia dessa prerrogativa o caso é ainda mais sensível porque poderia estar definido o desvio de finalidade”, afirma.
“Avião da FAB deve ser exceção utilizada somente quando situações de segurança assim exigirem ou quando houver benefício para a agenda pública da autoridade”, completa.
Haddad é o que mais usa as aeronaves da FAB para viajar de Brasília para São Paulo em períodos que englobam o final de semana. Foram 23 trajetos nesses dias, entre janeiro e a primeira semana de maio.
O ministro passou a manter o hábito de despachar às sextas na capital paulista, em escritórios da Fazenda. Por isso, costuma embarcar na noite de quinta e retornar na segunda-feira seguinte a Brasília.
“Considerando que o centro financeiro e econômico de maior importância da América Latina localiza-se em São Paulo, muitos compromissos oficiais são agendados naquela cidade. Vale mencionar que todos os compromissos oficiais, inclusive os agendados fora da capital, constam da agenda pública do ministro”, informou o ministério.
Os compromissos envolvem reuniões com representantes da indústria química e do aço, com integrantes do mercado financeiro, com presidentes de bancos, encontro com acadêmicos da USP, entre outros.
Na sexta-feira, 3 de março, o ministro viajou à tarde para a capital paulista, onde manteve encontro organizado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores). Passou o fim de semana na cidade e retornou em novo voo da FAB para Brasília na segunda.
Representantes da CUT frequentemente vão à capital federal. Apenas nesse ano, já participaram de eventos no Planalto, tiveram reunião com Lula no Alvorada e foram recebidos pelo ministro Luiz Marinho.
Por outro lado, por estar fora, Haddad precisou recorrer a uma teleconferência no dia 5 deste mês com seu colega de Esplanada Carlos Fávaro (Agricultura) para tratar de recursos para o Plano Safra.
Outro ministro que usa voos da FAB para ir à região de seu domicílio nos fins de semana é Luiz Marinho, que é de São Bernardo do Campo (SP). Ele viajou 13 vezes entre Brasília e São Paulo desde janeiro.
Na Grande São Paulo, ele já visitou às vésperas de fins de semana a superintendência regional do trabalho, teve reunião com representante dos call centers, encontro com entidades dos borracheiros e da federação dos químicos da CUT.
No dia 24 de março, o ministro viajou a São Paulo em um avião da FAB, retornando na segunda. No entanto, não consta nenhum evento em sua agenda.
A assessoria do ministério afirma que o sistema do governo sofreu instabilidade e, por isso, registrou apenas parcialmente a agenda de Marinho naquele dia. Alega que ele teve encontro com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.
Em outra viagem sem agenda divulgada e perto de fim de semana, entre os dias 13 e 16 de janeiro, a pasta argumenta que o uso do avião da FAB se deu por motivo de segurança, “tendo em vista os atos do dia 8 de janeiro, na praça dos Três Poderes, em Brasília”.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, por sua vez, utilizou aviões da FAB pelo menos 11 vezes para viagens entre Brasília e o Rio de Janeiro, em períodos próximos aos fins de semana.
Nísia também dedica a sexta-feira para compromissos oficiais na cidade onde tem domicílio. Comparece a eventos na Fiocruz, entidade que presidiu entre 2017 e 2022, seminários em universidades e hospitais, sessões da Assembleia Legislativa local, reunião com a bancada do PT, além de eventos da área da saúde.
O ministério informou em nota que cumpre rigorosamente o decreto que disciplina o uso de aviões da FAB. Acrescenta que os voos de Nísia “são referentes a agendas oficiais para tratar de temas relacionados ao seu trabalho frente à pasta com foco no fortalecimento do SUS (Sistema Único de Saúde)”.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, passou sete fins de semana em São Luís, indo e voltando a Brasília em voos da Aeronáutica.
Foram 16 trajetos entre as duas cidades. Na maior parte dos casos, Dino não teve agendas oficiais, ao contrário de seus colegas. Um dos poucos compromissos que teve foi uma reunião com o governador Carlos Orleans Brandão Junior (PSB), seu aliado político.
O Ministério da Justiça citou motivos de segurança para o uso das aeronaves, “em face das constantes ameaças e agressões sofridas pelo Exmo. Sr. Ministro, o que ensejou reforço de escolta policial e determinação de segurança máxima”. A pasta argumenta que as ameaças e agressões estão registradas e em apuração em órgãos policiais.
O Palácio do Planalto foi procurado para comentar o assunto, mas informou que deixaria que os próprios ministros explicassem o uso das aeronaves da FAB.