Intenção russa ao interceptar e vazar videoconferência entre altos oficiais sobre a guerra na Ucrânia seria minar a unidade política alemã, afirma chefe da Defesa. Conteúdo da conversa é, de fato, embaraçoso para Berlim. Na primeira reação oficial contra o vazamento, por emissora estatal russa, de informações sensíveis relativas à segurança da Alemanha, o ministro da Defesa Boris Pistorius acusou neste último domingo (3) Moscou de estar travando uma “guerra de informação”.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, estaria tentando “desestabilizar” o país, afirmou Pristorius à imprensa: “O objetivo é claramente minar a nossa unidade […], semear a divisão política em casa. Espero sinceramente que Putin não tenha sucesso e que permaneçamos unidos.” O incidente “é muito mais do que apenas a intercepção e divulgação de uma conversa, é parte de uma guerra de informação que Putin está travando”.
Na sexta-feira, a Margarita Simonyan, diretora da emissora estatal russa RT, divulgara na plataforma Telegram um áudio de 38 minutos em que quatro altos oficiais alemães, inclusive o chefe da Aeronáutica, tenente-general Ingo Gerhartz, debatiam a possibilidade de fornecer mísseis de longo alcance Taurus para a Ucrânia, o que seria necessário para permitir que as forças locais os utilizassem e seu possível impacto.
Embaraço para Berlim
No áudio vazado, os oficiais consideram se os mísseis Taurus, de fabricação alemã, seriam capazes de destruir uma ponte – uma aparente alusão à nova ligação entre a península da Crimeia, sob ocupação russa, e o território do país invasor, através do Estreito de Kerch. Eles debatem ainda como se poderia fornecer aos ucranianos informações sobre alvos estratégicos, sem se envolver diretamente no conflito com a Rússia.
O conteúdo dessa conversa confidencial é altamente embaraçoso para a Alemanha, que oficialmente se recusa a fornecer os mísseis a Kiev, temendo envolvimento maior naguerra na Ucrânia. Os oficiais também revelam pormenores sobre como o Reino Unido e a França estão ajudando o exército ucraniano a utilizar os mísseis de cruzeiro Storm Shadow / Scalp-EG, que ambos os países forneceram a Kiev para o combate ao invasor.
No sábado, o Ministério da Defesa alemão confirmou a autenticidade do material. Ao que tudo indica, a gravação foi feita durante uma videoconferência, a qual, segundo a revista alemã Der Spiegel, não teria se realizado através de uma linha segura, mas sim da plataforma Webex.
Em visita a Roma, o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, descreveu a questão como “muito séria”, prometendo que “agora será investigada forma muito cuidadosa, intensa e rápida”.
Por sua vez, a porta-voz do Ministério do Exterior russo, Maria Zakharova, exigiu de Berlim uma explicação “imediata”, alegando que o áudio seria prova de uma “guerra híbrida” do Ocidente contra a Rússia.
Incidente isolado ou falha estrutural de segurança?
Até agora as fontes alemãs têm evitado o termo “espionagem”. A comissária especial do Bundestag (câmara baixa do parlamento) para assuntos militares, Eva Högl, apelou para a necessidade de os altos oficiais militares passarem por treinamento intensivo sobre comunicações seguras.
O presidente do grêmio de controle do Bundestag, Konstantin von Notz, comentou ser preciso determinar “se este é um incidente isolado ou um problema estrutural de segurança”. O vice-presidente do comitê, Roderich Kiesewetter, disse crer que a Rússia vazou a interação para pressionar Berlim a não fornecer os Taurus para a Ucrânia. E antecipou: “Um número de outras conversas terá certamente sido interceptado e talvez vá ser revelado mais tarde, para beneficiar a Rússia.”
Até o momento, Scholz tem se recusado a disponibilizar os mísseis de cruzeiro para a defesa contra os russos. Poucos dias atrás, argumentou que o alcance das armas e a provável necessidade de assistência por soldados da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) eram problemáticos, podendo ser interpretados como uma participação indireta na guerra.