Proposta é que partidos se comprometam a não concentrar verba em poucas candidaturas
Na tentativa de prevenir irregularidades e evitar a concentração do fundo partidário nas eleições municipais deste ano, o Ministério Público Eleitoral em São Paulo busca convencer os partidos a assinar uma carta de intenções em que se comprometam a manter “boas práticas” durante a campanha.
Entre as discutidas, conforme reportagem do jornal Folha de SP, está a proposta para que as legendas garantam que irão distribuir melhor o fundo entre os seus candidatos, lançar candidaturas femininas reais e competitivas, combater o caixa dois e contratar empresas fornecedoras que assegurem sua efetiva prestação de serviços.
A discussão foi anterior à crise do novo coronavírus e depende que o fundão não seja usado para combater os efeitos da pandemia, como sugeriu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A carta de intenções será apresentada aos dirigentes partidários em São Paulo em um evento sem data marcada.
Em reunião prévia com o Ministério Público Eleitoral, integrantes de ao menos 14 partidos compareceram para discutir os termos: Podemos, DC, PL (antigo PR), Novo, PC do B, PSD, PT, PDT, Progressistas, PTB, SD, PSC, PTC e PSOL. Também participaram do encontro e fizeram sugestões de propostas para a carta a OAB e o Instituto Ethos.
Como a Folha publicou, a fiscalização de uso do fundo eleitoral, que este ano será de R$ 2 bilhões distribuídos por todo o país, preocupa autoridades para as eleições municipais deste ano.
No ano passado, reportagens da Folha revelaram a existência de desvio de recursos dessa verba pública na campanha de 2018 pelo PSL em Minas e em Pernambuco, por meio de candidaturas de laranjas.
Em São Paulo, o Ministério Público abriu um conjunto de ações pedindo a cassação de políticos eleitos em 2018, sob o argumento de que houve fraude à obrigatoriedade de cotas femininas.
A atual legislação exige que 30% das candidaturas sejam do sexo feminino e que 30% do fundo eleitoral seja destinados a candidatas mulheres. Esse fundo, custeado pelos cofres públicos, foi criado para financiar campanhas após a proibição da doação de empresas, decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.
Embora não haja mais determinações legais sobre como essa verba é distribuída internamente, em São Paulo o Ministério Público tem interpretado que a concentração em poucas candidaturas desvirtua a finalidade dessas verbas públicas e pode constituir uma fraude à lei.
Os procuradores apelidaram de “candidatas iludidas” as mulheres que lançaram candidaturas de escasso financiamento, preenchendo as cotas da legislação, em partidos cujos líderes foram largamente contemplados com os recursos públicos.
Para o chefe do Ministério Público Eleitoral em São Paulo, o procurador Sérgio Medeiros, a aplicação das verbas do fundão em uma só campanha é uma espécie de “apropriação privada de recursos públicos”.
“Se migram maciçamente os recursos para uma [candidata] e nada ou muito pouco beneficia as outras, isso nos parece um desvio. Se as verbas fossem de captação privada, seria outra discussão. Mas um fundo público tem que ter uma aplicação voltada ao interesse público, que é a inclusão das mulheres [na política].”
Ao menos duas das siglas que estiveram na reunião prévia com o Ministério Público foram alvo de ações da Procuradoria Regional Eleitoral nas eleições de 2018, o Solidariedade e o Podemos.
Uma das acusações, no entanto, já foi derrotada no TRE (Tribunal Regional Eleitoral). O caso envolvia o deputado federal Paulinho da Força, presidente e fundador da Solidariedade, e o filho dele, Alexandre Pereira da Silva, hoje deputado estadual.
A Procuradoria pedia a cassação dos dois afirmando que 9 das 14 candidaturas femininas do Solidariedade no estado em 2018 existiram apenas para cumprir a cota de gênero, sem ter poder de decisão sobre as próprias campanhas.
A acusação apontou que duas candidatas concentraram 70% dos recursos públicos destinados pelo partido em São Paulo para campanhas de mulheres. A “desproporção na distribuição dos recursos” foi um dos argumentos utilizados pelo Ministério Público no processo.
Porém os réus foram absolvidos em fevereiro. Para o juiz relator, José Horácio Halfeld, os partidos têm autonomia na distribuição dos recursos e não havia indícios suficientes de que tenha acontecido fraude às cotas.
No processo, Paulinho da Força negou acusações de fraude e afirmou que os critérios para distribuição dos recursos eram as chances de vitória na eleição, o histórico político do candidato e o tempo de filiação.
Além disso, tramita em sigilo ação proposta à Justiça Eleitoral no ano passado na qual o Podemos é acusado de privilegiar nos repasses do fundo a presidente do partido, a deputada federal Renata Abreu, em detrimento de outras mulheres. Ela é a presidente nacional da legenda.
Um dos presentes na reunião prévia feito pelo Ministério Público foi Octávio Muniz, secretário do Podemos em São Paulo, que afirma ter visto com bons olhos a proposta da carta de intenções. “A carta é basicamente para que os partidos evitem desvios de conduta, tanto financeira, como moral e eleitoral. O Podemos não compactua com isso e não vai compactuar”, afirmou.
Em nota, a deputada Renata Abreu disse que o Podemos avalia a carta, “sendo bem-vinda toda iniciativa que não extrapole o âmbito de atuação do Ministério Público”.
“A competência de legislar, conforme o ordenamento jurídico brasileiro, permanece no Poder Legislativo, tendo os partidos autonomia de organização e gestão financeira já disciplinada em lei”, afirma.
“Sobre processos que deveriam correr em segredo de Justiça, em respeito à Constituição Federal, justamente com o objetivo de impedir injusto dano à imagem de pessoas que sequer foram julgadas, cabe destacar que caso semelhante já apreciado pelo judiciário foi julgado improcedente.”
O deputado Paulinho afirmou à reportagem que o Solidariedade conversa com outros partidos para que os critérios internos de distribuição dos recursos, que precisam ser informados à Justiça Eleitoral, sejam mais uniformes. Mas diz que, ao pedir sua cassação, o Ministério Público tentou criar uma regra que não existe na lei e que as legendas possuem autonomia.