O Ministério da Justiça confirmou nesta última terça-feira (27), em mensagem à Folha de S.Paulo, que foram assinadas as portarias de exoneração de dois chefes de setor que têm papel destacado na Funai (Fundação Nacional do Índio) em temas de interesse do núcleo do governo e a bancada ruralista no Congresso: a coordenação de licenciamento ambiental de grandes obras e a voltada para a demarcação de terras indígenas.
Segundo o ministério, “as portarias de exoneração foram assinadas e encaminhadas ao Diário Oficial para publicação”, o que deve ocorrer nesta quarta-feira (28). Os pedidos foram encaminhados ao MJ pelo presidente da Funai, Wallace Moreira Bastos, como antecipou “O Estado de S. Paulo”.
A exoneração de Janete Albuquerque de Carvalho, responsável pela área de licenciamento na Funai, era considerada um pedido antigo da diretora de Proteção Territorial, Azelene Inácio Kaingang, que assumiu o cargo durante o governo de Michel Temer. Azelene e seu marido defendem a exploração econômica de terras indígenas pelo agronegócio.
Há duas semanas, o casal foi fotografado ao lado de dois futuros ministros do governo Bolsonaro, Tereza Cristina (Agricultura), coordenadora da bancada ruralista no Congresso Nacional, e o general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), em meio a um plano da equipe de transição de Bolsonaro de retirada da Funai do guarda-chuva do Ministério da Justiça, onde está há mais de 30 anos. Ainda não se sabe o destino do órgão.
Filha de um dos mais conhecidos indigenistas na história da Funai, José Porfírio Fontenele Carvalho (1946-2017), especializado na etnia waimiri-atroari e alvo da ditadura militar (1964-1985), Janete, mestre em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília), era considerada uma pedra no sapato dos interesses do Palácio do Planalto e do ministro Moreira Franco (Minas e Energia) em torno da obra de construção de uma linha de energia elétrica de alta tensão, estimada em mais de R$ 2 bilhões, que pretende atravessar a terra indígena waimiri-atroari, entre os estados do Amazonas e de Roraima.
Como os índios não deram um consentimento para a obra, o governo federal ameaçou usar o argumento de que se trata de uma obra “de relevante interesse da política de defesa nacional”, o que permitiria iniciar a obra mesmo sem a concordância dos indígenas. O projeto continua em andamento no governo.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público Federal investiga por que a Eletronorte, que tem um programa em parceria com os indígenas, ameaçou cortar a compensação financeira por obras realizadas na década de 80.
No último dia 23, indígenas de diversas etnias da região de Altamira (PA) divulgaram uma nota pública de repúdio contra os boatos que já circulavam sobre a exoneração de Janete. Os índios informaram que ela trabalhou no processo de licenciamento da hidrelétrica Belo Monte, no Pará, e de outros grandes projetos na região do Médio Xingu.
“A servidora está sendo afastada por grupos que se opõem ao seu posicionamento técnico, os quais estão ligados aos empreendimentos mencionados, que envolvem a exploração madeireira, fundiária, minerária e de agronegócio. […] Consideramos que ela está sofrendo retaliação pela sua atuação técnica e exigimos sua permanência na função”, diz a carta assinada pelos índios.
O segundo a ser exonerado pela Funai é o coordenador-geral de identificação e delimitação de terras indígenas, Gustavo Hamilton de Souza Menezes, doutor em antropologia pela UnB (Universidade de Brasília), pelo qual passavam todos os processos em andamento no país. Antes e durante a campanha eleitoral, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), afirmou que não haverá novas demarcações de terras indígenas no país durante o seu governo.
Indagados pela reportagem sobre o motivo das duas exonerações, tanto o Ministério da Justiça quanto a Funai não haviam se manifestado até as 20h30.