A equipe econômica espera concluir e enviar até março ao Senado acordos de renegociação de US$ 668,7 milhões – o equivalente a R$ 3,4 bilhões – em dívidas de outros países com o Brasil. Conforme informações obtidas pelo Estadão/Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) com o ministério da Fazenda, o valor representa um quinto do total de US$ 3,1 bilhões, sendo US$ 2,1 bilhões em atraso, das dívidas soberanas nas quais o Brasil é credor.
A pasta a não dá detalhes das condições negociadas, mas adianta que o tratamento a cada país devedor varia de caso a caso, considerando o cenário macroeconômico. Os acordos podem incluir a suspensão temporária ou diferimento de obrigações e/ou a redução do valor presente da dívida.
Os processos mais avançados, nos quais há minutas de acordos bilaterais, são referentes às dívidas de sete países: Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Congo e Senegal. Deste grupo, o Brasil é credor de US$ 441,6 milhões, sendo que mais da metade (US$ 251,8 milhões) está com os pagamentos atrasados. A expectativa é que esses acordos sejam encaminhados ao Senado até o fim deste ano.
Em paralelo, existe uma negociação em curso com Gana, cuja dívida com o Brasil é de US$ 227,1 milhões, porém com um montante em atraso menor: US$ 11,9 milhões. Com Gana, ainda não foi acertada uma minuta da reestruturação dos valores devidos, de modo que o governo só deve concluir o processo no primeiro trimestre de 2025.
As negociações são feitas com base em parâmetros definidos pelo Clube de Paris, um grupo informal de países credores criado para renegociar as dívidas de nações em dificuldades financeiras. Nas reuniões que preside neste ano no G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, o Brasil defende um pacto global de renegociação das dívidas dos países mais pobres para permitir que eles possam investir em projetos sociais e de mitigação dos riscos das mudanças climáticas.
Ao todo, 13 países devem ao Brasil. As maiores dívidas, que somam US$ 2,36 bilhões, dos quais US$ 1,79 bilhão estão em atraso, são de Cuba e Venezuela. No momento, o Brasil discute uma conciliação dos valores devidos com os dois países.
A retomada do diálogo bilateral sobre a dívida de Cuba – um total de US$ 1,1 bilhão, com mais da metade (US$ 570 milhões) atrasada – aconteceu em fevereiro, em reunião coordenada pelo ministério da Fazenda com autoridades da ilha.
Já a dívida da Venezuela, cuja inadimplência passa de US$ 1,2 bilhão, entrou em pauta durante a passagem do presidente Nicolás Maduro pelo Brasil, em maio do ano passado, para a cúpula de líderes da América do Sul. O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, disse na época que a Venezuela poderia quitar sua dívida com energia elétrica e petróleo.
As dívidas soberanas vêm de financiamentos das exportações de produtos e de obras no exterior executadas por construtoras brasileiras. Ainda que o financiamento do BNDES fosse a empresas, em alguns casos a dívida de exportadores brasileiros foi assumida pelo país importador. Nos casos de inadimplência, a cobertura foi feita pelo Tesouro.
A partir do momento em que o acordo de renegociação é assinado pelos governos, com aprovação no Senado, os pagamentos normalmente são retomados em 60 dias. Esses recursos entram no orçamento, porém, como operações de dívidas são classificadas como financeiras, não podem ser contabilizados na meta do governo de zerar o déficit das contas primárias.
No entanto, caso aconteçam, os pagamentos dessas dívidas ajudarão a reforçar as reservas internacionais, atenuando as necessidades de financiamento do Tesouro em dólar.
Enquanto renegocia com outros países, o governo busca no Congresso a autorização para o BNDES voltar a financiar obras e serviços no exterior. Nesse sentido, um projeto de lei encaminhado pelo Executivo aguarda o despacho do presidente da Câmara, Arthur Lira.
Apesar de polêmica pelos casos de inadimplência e de corrupção apontados pela operação Lava Jato, esse tipo de operação tem apoio no setor produtivo. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), financiamento de obras e serviços em outros países é uma prática comum entre os grandes exportadores mundiais.
Ex-diretor do departamento responsável por estudos e políticas macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e hoje economista-chefe da Leme Consultores, José Ronaldo Souza Júnior observa que o financiamento de serviços no exterior precisa seguir critérios técnicos rígidos e ser transparente para que tenha efeitos realmente positivos. Em outras palavras, não deve se guiar por escolhas políticas, em especial num país com poucos recursos disponíveis para investimento como o Brasil.
“É normal que haja contestação em relação aos critérios de escolha para o uso de recursos tão escassos para financiamento. Isso é tema especialmente controvertido para um país como o Brasil, que tem baixa taxa de poupança”, comenta Souza Júnior.