Depois de permitir generais mandando recados ao STF durante o julgamento do ex-presidente Lula e deixando claro seu favoritismo na eleição que sagrou Jair Bolsonaro presidente, os militares agora parecem estar arrependidos de terem ajudado a eleger o atual mandatário. Mesmo assim, eles continuam confiantes nas suas boas escolhas eleitorais, e dispostos a apoiar Sergio Moro em 2022.
Segundo o colunista Marcelo Godoy, do Estadão, o nome de Moro, um ex-juiz que condenou o principal adversário do Governo que o nomeou ministro, é o preferido da caserna, porque simboliza o “combate à corrupção”.
Leia o artigo:
“A definição de Sérgio Moro sobre sua candidatura pelo Podemos em 2022 despertou a atenção dos militares. O ex-juiz é de quase uma unanimidade na caserna, não só por ter colocado Luiz Inácio Lula da Silva atrás das grades, mas também por simbolizar as ideias do salvacionismo da República e do combate à corrupção, que acompanham a maioria das manifestações políticas dos militares desde a criação da República.
Era 24 de abril de 2020 quando o ministro dos sonhos da caserna decidiu deixar o governo para o qual fora convidado em 2018, quando ainda ocupava a 13.ª Vara Criminal Federal, de Curitiba. Acusava o presidente Jair Bolsonaro de interferir na Polícia Federal, particularmente na superintendência carioca do órgão, responsável entre outras investigações por verificar supostos crimes eleitorais cometidos pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).
A investigação sobre a rachadinha nos gabinetes da família Bolsonaro se havia transformado então em uma briga nos tribunais, onde o filho rico do presidente tentava a todo custo parar a investigação alegando ilegalidades, para não enfrentar processos de consequências imprevisíveis. Não era então a única preocupação policial do governo. O domínio da PF seria fundamental para Bolsonaro e seus aliados diante das ações que o bolsonarismo ensaiava, investigadas nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos.
Na manhã da demissão de Moro, um general da ativa disse à coluna que estava “pessimista” em relação ao futuro do governo. Outro resolveu lembrar o gesto do então comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que, preocupado com a covid-19, dias antes estendera o cotovelo para o presidente que tentava apertar a sua mão em meio à cerimônia de posse do comandante militar do Sul, general Valério Stumpf. A cena irritou Bolsonaro, que não havia engolido o fato de um dia Pujol tê-lo chamado de “político peculiar”.
A pandemia, que estava apenas em seu começo, colecionaria entre suas vítimas um dos protagonistas daquela cerimônia no Comando Militar do Sul, o general Antonio Miotto, que entregara o cargo a Stumpf. Os militares jamais entenderam por que Bolsonaro jamais visitou um hospital para parabenizar médicos e se compadecer com os doentes e seus familiares. Em vez disso, a Nação o ouviu dizer com desdém: “Eu não sou coveiro”. Depois de mais de 600 mil mortos, o relatório da CPI da Covid tentou mostrar que Bolsonaro foi justamente o que negou ser.
Mas o tempo passou, e as crises se sucederam. O general Eduardo Pazuello se tornou ministro da Saúde, faltou oxigênio em Manaus – um colossal descaso logístico apontado por especialistas militares à coluna –, e veio o comício em que o presidente convidou o general da ativa para saudá-lo no palanque no Rio, pouco depois da demissão de Pujol e dos demais comandantes militares. A ausência de punição de Pazuello pelo ato de indisciplina poupou a cabeça do atual comandante, general Paulo Sérgio de Oliveira, mas se tornou um vitória de Pirro para o presidente. Bolsonaro ganhou a batalha, mas perdeu seu Exército.
O que antes era manifestação de uma parte dos oficiais superiores, desconfiados pelos rumos de um governo que eles majoritariamente sufragaram em 2018, transformou-se em torcida pelo surgimento de uma candidatura viável da chamada terceira via. O primeiro desejo foi que o vice-presidente, Hamilton Mourão, pudesse ocupar esse espaço. Mas a relutância de concorrer contra Bolsonaro, fez com que pouco a pouco os olhares se deslocassem para outros possíveis candidatos, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O surgimento de Moro, como um nome viável eleitoralmente e decidido a concorrer contra sua nêmesis – Lula – e seu ex-chefe – Bolsonaro –, voltou a movimentar agora as águas das casernas. “O que eu não quero é a polarização entre Bolsonaro e Lula, que não vai ajudar em nada o Brasil. Olho para as outras candidaturas válidas e, dessas, se o Moro confirmar a sua presença na disputa, vou nessa. Vou apoiá-lo. Se o Moro se candidatar eu vou apoiar. De todas as opções, neste momento, estou com o Moro”, afirmou o general Santos Cruz à coluna.
Nenhum segredo. Há muito ele e outros militares nutrem relações e simpatias pelos magistrados que de alguma forma tiveram seus nomes ligados às decisões da Lava Jato. Esse é o caso também do desembargador Thompson Flores, que presidiu o Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4) entre 2017 e 2019, tempo em que o tribunal julgava os processos de Lula. Se dependesse de Mourão e outros, Flores seria ministro da Justiça ou ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), como fora o seu avô, Carlos Thompson Flores.
Assim, Santos Cruz deixa claro que, em um segundo turno, apoiará qualquer candidatura que rompa a “polarização”. O ex-companheiro de ministério de Moro verbaliza ainda apenas o que outros generais já disseram: torcem por Moro ou por algum outro candidato da terceira via. Esse é o caso também do general Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal em 2018. Assim também pensa a maioria dos generais e coronéis da ativa ouvidos pela coluna. Moro, no entanto, representa para todos a possibilidade de pôr um “sonho” nos trilhos: o trem descarrilado dos militares quer provar que sua carga só não salvou o País pela condução desastrosa do maquinista Jair Bolsonaro”.