O líder na corrida presidencial da Argentina, Javier Milei, promete fechar o banco central do país e diz que fará todos os esforços para evitar um default da dívida soberana se vencer a eleição de outubro.
Milei, um libertário radical cuja surpreendente vitória nas primárias de domingo agitou os mercados, disse à Bloomberg News que seu ousado ajuste fiscal aumentará a reputação e o perfil de crédito da Argentina, tornando um default desnecessário. As informações são de Scott Squires, Manuela Tobias, Ignacio Olivera Doll e Walter Brandimarte, da Bloomberg.
Seu plano inclui cortar gastos em pelo menos 13% do produto interno bruto antes de meados de 2025, reduzindo drasticamente o tamanho de obras públicas, cortando o número de ministérios, removendo subsídios e restrições de capital que permitiriam às empresas realizar transações em dólares.
Mais drasticamente, ele também planeja fechar o banco central – que disse “não ter razão para existir” – e dolarizar a economia de US$ 640 bilhões.
“Farei todos os esforços para evitar um default, obviamente”, disse Milei em uma entrevista de duas horas em Buenos Aires na quarta-feira. “Se você fizer o ajuste fiscal necessário, o financiamento estará lá.”
Os ativos da Argentina afundaram depois que Milei, um outsider que poucos investidores viam como um sério candidato até agora, saiu na frente nas primárias, vistas como uma bússola para as eleições presidenciais em um país onde as pesquisas são notoriamente pouco confiáveis.
A queda dos ativos forçou o governo a desvalorizar a taxa de câmbio oficial rigidamente controlada em 18% quando os mercados abriram na segunda-feira.
Na primeira entrevista à imprensa estrangeira após a inesperada vitória, Milei detalhou seu plano de trocar o peso argentino pelo dólar como forma de reduzir a inflação, que está em 113%, e reforçou as críticas ao banco central, que chamou de “o pior lixo que existe nesta Terra”.
“Os bancos centrais se dividem em quatro categorias: os ruins, como o Federal Reserve, os muito ruins, como os da América Latina, os terrivelmente ruins, e o Banco Central da Argentina”, afirmou.
Se Milei vencer a eleição, ele planeja entregar as chaves do banco central ao economista Emilio Ocampo, seu assessor informal no programa de dolarização, para que ele possa fechá-lo. Ocampo também ajudará nas negociações com o Fundo Monetário Internacional, que tem um programa de US$ 44 bilhões com o país sul-americano. O candidato diz não ter planos de pedir mais dinheiro ao FMI.
“Um déficit fiscal é imoral”, disse Milei. “Se você viver continuamente com um déficit fiscal, ficará insolvente.”
Milei disse que já desenvolveu um plano para dolarizar a economia, uma medida que ele promete estar entre as primeiras caso vença a eleição de 22 de outubro. A Argentina seguiria o modelo de El Salvador, permitindo que as pessoas escolhessem voluntariamente entre as moedas. Uma vez convertidos dois terços da base monetária, a economia se tornaria totalmente dolarizada, disse ele.
“Se ninguém quer ter pesos na Argentina, a questão é quanto valem os pesos em termos reais? Ninguém os quer, não estamos falando de água no meio do deserto. Estamos falando de algo que ninguém quer”, disse Milei.
Ele obteve mais votos do que a coligação pró-empresarial liderada por Patrícia Bullrich e o bloco governista peronista do ministro da Economia, Sergio Massa, surpreendendo os institutos de pesquisa que esperavam um terceiro lugar.
Uma das principais preocupações dos mercados é que Milei, um outsider, pode não conseguir apoio para seus planos. Milei, de 52 anos, que não hesita em criticar os políticos que diz estarem roubando os argentinos há décadas, afirmou que convocaria referendos caso não consiga um consenso legislativo para aprovar suas medidas.
“Se eu diminuir o risco cambial e diminuir o risco de crédito, isso significa que o risco-país vai despencar. Isso significa que os títulos vão literalmente voar”, disse ele. “A verdade é que é uma operação bastante simples. Ou, se você comprar e segurar, por exemplo, os retornos em um ano seriam acima de 200%.”
Na entrevista, Milei também criticou os líderes esquerdistas da China e da América Latina que ele considera “socialistas”, disse que buscaria deixar o Mercosul e agiria rapidamente para desregulamentar os mercados de commodities.
China e Mercosul
Na entrevista após sua inesperada vitória nas primárias em 13 de agosto, o candidato outsider revelou detalhes sobre como pretende conduzir os assuntos da Argentina no cenário mundial, caso eleito. Milei quer congelar as relações com a China e retirar a segunda maior economia da América do Sul do Mercosul, propostas de política externa que são tão radicais quanto as econômicas.
“As pessoas não são livres na China, não podem fazer o que querem e, quando o fazem, são mortas”, disse ele à Bloomberg News na quarta-feira, referindo-se ao governo de Pequim. “Você faria comércio com um assassino?”
Milei abalou o establishment político da Argentina no fim de semana passado ao receber mais votos do que o bloco de oposição pró-negócios e a coalizão peronista governista, colocando-o na liderança para ser o próximo presidente do país. Sua eleição em outubro geraria ondas de choque em uma região amplamente governada por líderes de esquerda.
Em sua recusa de fazer qualquer tipo de negócio com “socialistas”, ele colocou a China comunista na mesma categoria do maior parceiro comercial da Argentina, o Brasil, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A China é o segundo maior comprador das exportações argentinas e fornece uma linha de swap crucial de US$ 18 bilhões com o banco central que está sendo usada para pagar o Fundo Monetário Internacional.
Ele descreveu suas propostas de política externa como uma “luta global contra socialistas e estatistas” e revelou que nomearia Diana Mondino, uma conselheira econômica de confiança, para ser a principal diplomata.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil não comentou imediatamente as declarações de Milei e as ligações feitas à embaixada da China em Buenos Aires não foram atendidas.
Sem envolvimento
Mais tarde, ele esclareceu que cabe ao setor privado decidir se mantém relações comerciais com a China e outros países cujos líderes ele tem um forte desgosto.
“Não tenho que me envolver, mas não vou promover laços com quem não respeita a liberdade”, disse, acrescentando que respeitaria os acordos já assinados na Argentina por empresas chinesas, que incluem um contrato para construir represas na Patagônia e um acordo para instalar uma usina nuclear.
O maior beneficiário geopolítico da ideologia de Milei seria claramente os EUA. Ele afirmou que trabalharia com qualquer presidente eleito em 2024, independentemente de suas tendências políticas, embora tenha preferência por um conservador.
No momento, Donald Trump está à frente nas pesquisas para garantir a indicação republicana, mas Milei não está especialmente interessado em ser comparado com o ex-presidente dos EUA. Questionado se gostaria que Trump voltasse à Casa Branca, ele disse cautelosamente: “Isso cabe aos americanos decidir”.
“Posso gostar mais do perfil dos republicanos do que dos democratas, mas isso não significa que não considere os EUA como nosso grande parceiro estratégico”, disse.
Enquanto isso, ele colocou Lula, Andrés Manuel López Obrador, do México, Gabriel Boric, do Chile e Gustavo Petro, da Colômbia, os líderes de esquerda das principais economias da América Latina, em guarda. Questionado sobre como seria sua relação com eles, disse: “Não tenho parceiros socialistas”. Em contrapartida, sua relação com o ex-presidente Jair Bolsonaro é “excelente.”
Milei deprecia a aliança comercial que a Argentina criou com Brasil, Paraguai e Uruguai há mais de três décadas. O grupo, cercado por divisões internas, tem lutado para implementar um acordo de livre comércio com a União Europeia fechado há quatro anos.
“O Mercosul é uma união aduaneira de má qualidade que cria distorções comerciais e prejudica seus membros”, afirmou.
Sem surpresas, Milei foi igualmente crítico ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a quem chamou de “ditador”, assim como os governos da Nicarágua, Cuba, Coreia do Norte e Rússia. A Argentina condenaria novamente a Venezuela por sua violação dos direitos humanos se for eleito presidente, disse Milei, voltando à política linha-dura que o país manteve até 2019 com o presidente Mauricio Macri.