Segundo a colunista Eliane Cantanhêde, do Estadão, o bolsonarismo afunda no Brasil, mas emerge na Argentina em crise. A vitória do economista de extrema direita Javier Milei nas prévias que definiram os candidatos presidenciais assusta o governo Lula, ameaça o Mercosul e o acordo comercial com a Europa e gera o temor de uma nova guinada à direita na América do Sul. Milei é o homem errado, no lugar errado, na hora errada.
Já chamado de “Bolsonaro da Argentina”, ele entra como favorito na disputa pela presidência ao defender ideias como a privatização da educação e da saúde e com um bordão que exprime o oportunismo de candidatos de extrema direita por aí, que foi relevante, inclusive, para a chegada ao poder de Jair Bolsonaro, capitão insubordinado e péssimo parlamentar, no principal país da região: “um chute na bunda dos políticos”, atiça Milei.
Um fiapo de esperança de que ele seja derrotado surge da reação do mercado na Argentina ao resultado das prévias de domingo: o peso despencou mais ainda e o Banco Central jogou os juros para 118%. Ou seja, a hipótese Milei amplifica o fracasso retumbante dos sucessivos governos da Argentina, em especial do atual, do esquerdista Alberto Fernandes. A crise aguda no país é política, econômica, social. É isso que embala a extrema direita de Milei, mas ele, em vez de projetar melhoras, acena com mais desgraça.
A América do Sul tem hoje presidentes de esquerda no Brasil, Chile e até na Colômbia e Peru, tradicionalmente de direita e principais aliados dos EUA. Do outro lado, estão o convulsionado Equador, o (quase) sempre direitista Paraguai e o Uruguai, que andou na contramão de Peru e Colômbia, da esquerda para a direita (moderna, diga-se). A Venezuela? É uma ditadura, não conta.
Com a estabilidade no Uruguai e os solavancos da nova esquerda, principalmente no Chile, antigo oásis, uma vitória de Milei afundaria a Argentina de vez e poderia arrastar os vizinhos para uma direita tosca, agressiva, com horror a pobres, obcecada por armas e de viés golpista – como uma que nós conhecemos bem.
Lula, hoje no Paraguai para a posse do liberal Santiago Peña, precisa de paz e desenvolvimento aqui e na região para um lugar ao sol no mundo. Com Milei, assassinato na eleição do Equador, turbulências no Chile e “broncas” de Lacalle Pou, por causa da Venezuela, e de Gabriel Boric, contra o petróleo, fica difícil.
Se há algum aspecto bom no risco de Javier Milei virar presidente, é que o Brasil pode negar, com argumentos de sobra, os pedidos de ajuda, empréstimos e garantias da Argentina. Com Fernandes seria um escândalo, e com o autodeclarado “anarcocapitalista” Milei?