Não é “prudente” nem “democrático” que um presidente queira ter amigos no Supremo Tribunal Federal (STF). A afirmação foi feita segundo Bernardo Mello Franco, do O Globo, por Lula, em debate no segundo turno da eleição presidencial.
“Tentar mexer na Suprema Corte para botar amigo, companheiro ou partidário é um atraso. É um retrocesso que a República brasileira já conhece muito bem”, disse o então candidato do PT. “Eu sou contra”, reforçou.
Sete meses depois, o presidente indicou seu advogado particular a uma cadeira no STF. Em março, ele havia deixado claro que a relação com Cristiano Zanin ia muito além do campo profissional. “É meu amigo, é meu companheiro”, informou, em entrevista à BandNews.
A contradição com o discurso de campanha não é o único problema da escolha. Ao indicar Zanin, Lula sinaliza que pretende ter um escudeiro no Supremo. Nos últimos anos, o ungido o defendeu nas esferas criminal, cível e eleitoral.
Na visão do presidente, o advogado foi o responsável por anular suas condenações e livrá-lo da cadeia — embora isso tenha decorrido menos da oratória do causídico e mais da desmoralização da Lava-Jato
No Senado, a indicação de Zanin dará palanque fácil aos bolsonaristas para atacar o governo. A começar pelo ex-juiz Sergio Moro, que poderá falar à vontade na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça. A nomeação deve passar com folga, mas o presidente terá que enfrentar mais um foco de desgaste.
A escolha não foi unânime nem na base lulista. Aliados do presidente questionam a opção por um jurisconsulto sem credenciais progressistas. Na advocacia, Zanin se especializou em prestar serviços à elite política e empresarial. Não se sabe o que ele pensa sobre a situação dos trabalhadores, dos sem-terra, dos povos indígenas.
A indicação ainda frustrou os grupos que cobram mais diversidade de gênero e raça nas instâncias de poder. Lula nomeou um número recorde de mulheres para o ministério, mas perdeu a chance de aumentar a representação feminina na cúpula do Judiciário. Não há negros na Corte desde 2014, quando Joaquim Barbosa antecipou a aposentadoria. Depois disso, o Supremo recebeu mais quatro homens brancos. Zanin será o quinto seguido.
Nenhum presidente indicaria um inimigo ao STF. Fernando Collor chegou a nomear um primo, e Jair Bolsonaro escolheu um jurista “terrivelmente evangélico” com quem dizia tomar tubaína. A questão é que Lula não foi eleito para imitar os antecessores que tanto criticou.
O argumento de que o presidente se sentiu traído em indicações passadas também não é defensável. Um ministro do Supremo deve julgar de acordo com a Constituição, e não com os interesses de quem o nomeou.
As consequências da escolha de Lula irão muito além do mandato presidencial. Aprovado pelo Senado, Zanin ficará na Corte até o fim de 2050. Se a saúde ajudar, o petista terá 95 anos de idade.