Os anteprojetos de leis que vão regulamentar a reforma tributária sobre o consumo devem ficar prontos entre o fim de março e o início de abril, de acordo com o cronograma inicial traçado pelo secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy. As propostas serão desenhadas segundo Jéssica Sant’Ana e Beatriz Olivon, do Valor, pela comissão de sistematização e pelos 19 grupos técnicos criados pela União com Estados e municípios. Depois de prontas, serão encaminhadas para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e para o presidente Lula da Silva (PT), a quem caberá a palavra final e o envio dos textos ao Congresso Nacional.
Em entrevista ao Valor, Appy contou que o desejo do ministro e dos parlamentares é que os projetos de lei cheguem o quanto antes ao Parlamento, devido ao processo eleitoral. A meta é aprovar os textos ainda neste ano. “Tem uma convergência entre Executivo e Legislativo em busca de completar esse processo no menor prazo possível”, disse o secretário.
Por isso, a comissão e o grupos de trabalho terão 60 dias, a contar da reunião de instalação, para concluir os anteprojetos e até mais cinco dias para enviar os textos ao ministro. A instalação da comissão pode ocorrer já na próxima semana, pois a expectativa é fechar a lista de participantes dos colegiados até sexta-feira (19).
O governo criou na sexta-feira (12) o chamado “Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo” (PAT-RTC). Esse programa é formado por 19 grupos técnicos, que vão trabalhar nos pontos da reforma tributária que precisam ser regulamentados, e pela comissão de sistematização, que ficará responsável por avaliar e consolidar o trabalho dos grupos e por fechar as propostas finais dos anteprojetos de lei. Os grupos e a comissão terão participação paritária da União, dos Estados e dos municípios. Haverá, ainda, uma comissão de qualificação e de consultoria jurídica que prestarão suporte técnico.
Appy será o coordenador de todo esse programa. Ele afirma que o objetivo é que se tenha, ao final, textos mais consensuados os possíveis. “Quanto mais consenso tiver nesse trabalho, mais legítimo se torna o projeto na tramitação no Congresso. O Congresso é soberano, pode decidir o que quiser, mas, se esse trabalho [nos grupos e na comissão] for bem-sucedido na construção de consenso, você legitima o texto que está sendo enviado para o Congresso Nacional.”
Ele também afirmou que permanece a ideia de apresentar ao Congresso três projetos de lei para regulamentar a reforma tributária do consumo, mas ressaltou que a decisão final caberá à comissão de sistematização, de acordo com o andamento dos grupos de trabalho, e à área política do governo, que avaliará a melhor estratégia de tramitação. “Tem uma dimensão que é técnica, mas tem uma dimensão que é política também”, explicou.
“Quanto mais consenso, mais legítimo se torna o projeto na tramitação”
Inevitavelmente, haverá um projeto de lei complementar principal, que trará toda a regulamentação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados e dos municípios, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), da União. Essa mesma lei tratará dos regimes especiais e específicos, do “cashback” e do regime de transição. A fórmula de cálculo da alíquota de referência também deve estar nessa lei complementar principal, mas é possível deixar somente os critérios bem definidos e a fórmula para ato infralegal, disse Appy. Tudo ainda será debatido pelos grupos.
O plano inicial também prevê um projeto de lei complementar sobre o Comitê Gestor do IBS e outro para o Imposto Seletivo. Há a percepção que o texto sobre o Comitê Gestor possa ser aprovado mais rápido, se houver consenso com Estados e municípios. Já o Imposto Seletivo, como é um tributo diferente da CBS e do IBS, tecnicamente seria melhor tê-lo numa lei em separado. “Mas não impede de colocar na lei principal [da regulamentação da CBS e do IBS]”, ponderou Appy.
Ele também disse que ainda não está definido se a regulamentação dos fundos regionais criados pela reforma entrará numa dessas três leis complementares previstas ou em outra à parte. Já a contribuição que poderá ser instituída por alguns Estados estará na lei complementar principal.
O secretário acredita que os maiores embates se darão no projeto de lei complementar principal, porque o texto tratará do interesse dos setores e das alíquotas de referência. Ele afirmou que as questões federativas, em geral, já foram pacificadas na emenda constitucional, por isso o desafio será maior em conciliar os interesses privados com a necessidade de calibragem da alíquota padrão.
“As questões federativas já foram definidas na emenda constitucional. Nas questões setoriais, certamente, vai ter pressão lá [no Congresso] e aqui [nos grupos de trabalho]”, afirmou Appy. “Por exemplo, tem a delimitação clara de quem vai ter alíquota reduzida, quais serão os itens da cesta básica com alíquota zero, certamente tudo isso é foco de discussão. E nos regimes específicos como vai ser desenhada [a regra]”, complementou.
Ele disse que a manutenção da carga tributária como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) está garantida, porque é uma diretriz prevista na emenda constitucional. Mas ponderou que, dependendo de como forem regulamentados os regimes específicos e de como for feita a delimitação dos bens e serviços que terão alíquota reduzida, a alíquota padrão para os demais setores será afetada. “Essa é uma preocupação que continua e eu acredito que é importante que essas questões sejam discutidas de forma muito transparente tanto dentro do nosso trabalho como na discussão do Congresso”, defendeu.
O secretário também afirmou que o ideal é que as leis complementares sejam aprovadas neste ano, para não correr risco de haver atraso na transição entre o regime tributário antigo e o novo. “O ideal é que, de fato, seja aprovado este ano, porque isso daria mais segurança de que o trabalho da regulamentação infralegal vai ser feito adequadamente e a tempo”, disse. O prazo limite para aprovação seria até meados de 2025.
Ele explicou que, após as leis complementares, haverá todo o trabalho infralegal a ser feito até começar a transição dos tributos. “É um desafio grande a lei complementar, mas é um desafio grande também a regulamentação infralegal.” Essa parte infralegal vai envolver o regulamento mais operacional dos tributos, o detalhamento do modelo de cobrança, o sistema informatizado, entre outros temas.