Uma manifestação contundente de um delegado sobre as mensagens hackeadas da Lava Jato abriu seguno o jornal Folha de S. Paulo, a primeira crise da nova gestão da Polícia Federal com o setor mais sensível do órgão, que investiga pessoas com foro especial.
O embate está no contexto da movimentação política e jurídica que busca usar os diálogos vazados para punir integrantes da força-tarefa da operação de Curitiba e em meio às recentes mudanças de comando da PF no governo Jair Bolsonaro.
O delegado que comanda a área de investigações contra políticos e seu superior, o coordenador-geral de combate à corrupção, foram trocados na semana passada logo após o episódio que envolveu as mensagens da Lava Jato.
Pessoas ouvidas pela Folha relatam mal-estar pela forma como as mudanças ocorreram e o clima de desconfiança gerado entre os investigadores.
As trocas foram feitas pelo novo diretor de investigação e combate ao crime organizado (Dicor), Luís Flávio Zampronha. Ele tirou os delegados Thiago Delabary da coordenação-geral e Felipe Leal do Sinq (Serviço de Inquéritos Especiais), responsável pelos casos que envolvem políticos e demais pessoas com foro especial.
O problema começou após o jornal O Globo revelar um ofício encaminhado por Leal em resposta a um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre as mensagens hackeadas.
No documento, que acompanha um laudo pericial, o delegado afirma essencialmente três coisas: 1) não ser possível confirmar a autenticidade do material, 2) haver indícios de que os hackers agiram com dolo para adulterar mensagens —fazendo referência a um entendimento do Ministério Público, 3) configurar crime de abuso de autoridade qualquer investigação que seja feita com base nos diálogos, por terem sido obtidos de maneira ilícita.
Trocando em miúdos, a PF se manifestou contra a utilização das mensagens para investigar qualquer coisa, mais especificamente, no caso, a força-tarefa da Lava Jato, que entrou na mira desde que o conteúdo do Telegram se tornou público após ser obtido pelo The Intercept Brasil.
O ofício também tenta mostrar que em nenhum momento houve posição diferente sobre isso, ainda que possa ter existido esse entendimento no Supremo.
Embora assinado por um delegado, o papel passou por outras instâncias da polícia, incluindo o ex-diretor da área, Cézar Souza. Foi chamado internamente de um posicionamento institucional.
Mas o ofício não foi bem visto pela nova gestão da PF. Antes de virar diretor de corrupção, Zampronha foi o responsável pela Spoofing, que investigou os hackers.
Em nenhum momento ele entrou nessas questões ao longo da condução do inquérito. Internamente, sempre disse compartilhar do entendimento de que o material angariado na investigação mostra que as mensagens são verdadeiras, embora não sirvam como prova judicial por terem sido roubadas.
Depois que soube do documento, Zampronha se reuniu com Leal. Avisou que haveria a troca, que precisaria de pessoas de confiança no Sinq. Nas conversas, o diretor reclamou do ofício, disse que o documento era demasiadamente opinativo e que não havia necessidade de a PF entrar nessa briga.
Além disso, Zampronha se queixou dizendo que Leal deveria ter apenas encaminhado o laudo técnico sobre a autenticidade ou não das mensagens, sem juízo de valor.
O assunto é ainda mais delicado porque mexeu indiretamente com figuras poderosas como o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), e o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins.
Ambos não gostaram da manifestação de Leal. Eles acham que o delegado da PF não poderia ter dado opinião sobre a prova ser lícita ou ilícita, prerrogativa do Judiciário. Martins abriu inquérito de ofício na corte para investigar a Lava Jato —o caso está suspenso por decisão da ministra Rosa Weber.