Eram pouco mais de 20h do dia 18 de setembro de 2019, uma quarta-feira ordinária na Câmara federal, quando o então deputado e hoje ministro de Relações Institucionais, o médico Alexandre Padilha (PT-SP), foi chamado às pressas segundo Gabriel Sabóia , do O Globo, para socorrer uma assessora na liderança do PT. Ela passou mal ao descobrir que era um dos 48 servidores do gabinete que iriam dividir o prêmio da Mega-Sena de R$ 120.085.143,97, o terceiro maior da história até então, que havia acabado de ser sorteado. Hoje, três anos e meio depois, a maioria dos felizardos continua dando expediente no mesmo lugar. Alguns deles conversaram com O Globo, na condição de anonimato.
Dos participantes do bolão, 47 jogaram R$ 50 e embolsaram cerca de R$ 2,5 milhões. Apenas um deles comprou duas cotas e levou aproximadamente R$ 5 milhões. Desde então, o grupo passou a ser conhecido por deputados e funcionários de outros gabinetes como “os abastados”, e quase todos ainda tentam não ser identificados. Com o passar do tempo, no entanto, a missão tornou-se cada mais difícil.
Um dos vencedores diz já ter ouvido boatos sobre o próprio destino enquanto almoçava.
— Na mesa ao lado, especulavam o que os vencedores haviam feito da vida. Uma das pessoas que conversava disse ter tido a informação de que todos tinham abandonado o emprego, já que apenas um idiota seguiria trabalhando. Eu ouvi calado e voltei a trabalhar, já que não sou idiota — brinca, ao lembrar.
Com a bolada em mãos, ele e outros colegas passaram a estudar finanças para saber a melhor forma de aplicar o dinheiro.
— Não é um montante para largar tudo e parar de trabalhar. Sigo dando duro, mas tenho menos preocupações com os boletos no final do mês — reconhece o mesmo assessor.
Alguns, porém, pediram demissão. Um deles se mudou para o Nordeste. Outro, que segue trabalhando na liderança do PT, doou a maior parte do prêmio, como prometeu no momento em que entrou no rateio.
O fato é que a vida dos premiados nunca mais foi a mesma, como conta uma vencedora.
— A minha rotina pouco se alterou, já a dos meus netos… Eles mudaram de escola e, com os rendimentos do prêmio, consegui até pagar uma viagem ao exterior para a minha neta quando ela completou 15 anos — revela.
Ela conta que os parlamentares, sobretudo os que já estavam na Câmara na legislatura passada, não esquecem o episódio:
— Os deputados até hoje brincam com a gente, dizem que o mês está acabando e pedem dinheiro emprestado.
Os bolões eram um hábito entre os servidores da liderança petista, principalmente quando os prêmios se acumulavam. Um funcionário coletava R$ 10 dos colegas e ia pessoalmente à casa lotérica fazer a aposta. Diante dos R$ 120 milhões previstos para serem pagos naquele sorteio, os participantes decidiram aumentar o investimento para R$ 50, cada. Com o aumento da cota, houve quem não topasse participar da “fezinha” daquela semana e tivesse que se contentar em ver os amigos faturando alto dias depois.
Um ganhador jura que há um aspecto negativo em ganhar na Mega-Sena: as piadinhas.
— Basta dizer onde trabalho e vem uma chuva de questionamentos. Às vezes, provocam e perguntam se me tornei contrário à taxação das grandes fortunas (pauta defendida pelo PT) — diz.
Provocação entre deputados
Na noite do sorteio que transformou os servidores em milionários, bastou que o resultado da Mega-Sena se tornasse conhecido, para que o assunto ganhasse o plenário e virasse o tema principal das conversas entre os deputados. Kim Kataguiri (União-SP) foi ao microfone e provocou:
— Eu quero aqui parabenizá-los e agradecer pelo PT ficar um mês sem liderança, sem obstruir o plenário. Vai ser uma maravilha agora a votação. E eu quero ver se o pessoal vai socializar esse dinheiro aí ou se vai ficar só na liderança do PT.
Em tom jocoso, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), respondeu:
— Você tem que ser liberal em tudo, não pode querer o dinheiro dos outros, não, meu amigo.