Vitória do ministro da Economia traz apenas breve alívio a argentinos. Sergio Massa vencerá ultradireitista Javier Milei no segundo turno? E como presidente, será capaz de resolver os problemas argentinos? Já pelas 21h do domingo (22) começaram a ser divulgados os primeiros resultados de boca de urna das eleições gerais da Argentina, cercadas por temor e preocupação pelo futuro. A vitória de Sergio Massa, candidato da peronista União pela Pátria (UP), contrariava todos os prognósticos, já que, enquanto ministro da Economia, ele é corresponsável pela atual derrocada econômica.
No segundo turno, em 19 de novembro, Massa enfrentará Javier Milei, libertário de ultradireita do A Liberdade Avança (LLA), já que nenhum dos dois obteve 40% dos votos. “Justamente por ser um triunfo inesperado, Massa sai fortalecido desse resultado, que o favorece amplamente”, comenta Pablo Semán, do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet) e docente da Universidade de San Martín.
Paradoxalmente, a maioria do eleitorado argentino, que sofre com a crise econômica, elegeu o ministro da Economia que fracassou em geri-la. Semán tenta explicar o fenômeno: “Massa encarna, ao mesmo tempo, mudança e continuidade, além de moderação diante da desmesura de Milei. O povo não o vê como um candidato da União pela Pátria, nem necessariamente como um kirchnerista, nem vê Cristina Kirchner nele.”
Por sua vez, Milei alega ter derrotado “a máfia” no poder; e a terceira colocada do pleito, Patricia Bullrich, do Juntos pela Mudança (JxC), rejeita qualquer colaboração com o kirchnerismo.
“Com um governo complicado, uma economia totalmente desfalcada, uma inflação galopante e o dólar nas nuvens, é realmente um milagre Sergio Massa ter conseguido não só entrar para o segundo turno, mas ser o mais bem posicionado, com a possibilidade de somar os votos da esquerda e do centro”, assinala Jaime Rosenberg, jornalista político credenciado na Casa Rosada do jornal La Nación. Porém não é possível fazer prognósticos certeiros sobre quem sairá vencedor em novembro, já que “não se trata de matemática pura”.
De “mudança ou continuidade” a “medida ou desmedida”
A aparição de Javier Milei no cenário político suscitou temores em muitos argentinos, não só por suas propostas extremas – como fechar o Banco Central e converter a educação num sistema de vouchers – mas também por anunciar que cortaria relações com a China e o Brasil, os dois principais parceiros comerciais da Argentina. Muitos receavam que sua eventual vitória resultasse numa corrida cambial e outra crise como a de 2001, agravada pelo isolamento internacional do país.
Em seu discurso após os resultados de segunda-feira, “Massa deixou claro que presidentes de diversas partes do mundo lhe ligaram, e que ele lhes assegurou que a Argentina seguirá um caminho previsível”. “É um dirigente muito próximo aos Estados Unidos e ao mundo empresarial, onde o vêm como de centro-direita”, explica Rosenberg.
O antropólogo e sociólogo Semán consultou 420 seguidores de A Liberdade Avança sobre quais eram seus medos no nível político: 12% disseram temer o próprio Milei e suas propostas extremas. “Creio que nos argentinos há uma vontade de mudança muito forte que, em parte, se expressou através de Milei, mas ele era um mau instrumento para essa vontade.”
Ainda assim, o cenário político se alterou na Argentina: a partir de dezembro a ultradireita se tornará a terceira maior força, com 39 assentos na Câmara dos Deputados e oito no Senado. De todo modo, se as cifras do escrutínio se confirmarem, o peronismo continuará detendo a maioria dos deputados e senadores.
Embora também considere impossível predizer quem vencerá o segundo turno, Semán crê que, “para Massa, será fácil somar o que necessita a fim de ganhar, mesmo que seja muito”. “Já para Milei, é o contrário: apostava ganhar no primeiro turno, e chegará ao segundo após uma derrota. As primárias foram uma discussão sobre mudança ou continuidade, mas como Milei se transformou no protagonista do primeiro turno, a discussão passou a ser ‘medida ou desmedida’.”
Massa precisa agradar a gregos e troianos
Na qualidade de “candidato anfíbio”, Massa tem um perfil apto tanto para os peronistas quanto os não peronistas, comenta Semán. E em seu discurso pós-resultados dirigiu-se aos votantes de esquerda, da candidata Myriam Bregman, e de centro, de Juan Schiaretti, estendendo pontes, prometendo “tranquilidade” e “segurança” e, naturalmente, apelando por seus votos no segundo turno. Até mesmo os eleitores de Bullrich menos contentes com Milei poderão contribuir para uma vitória do adversário.
Se o ministro vencer o segundo turno, poderia ser o fim do cisma, da profunda polarização política da Argentina? “Creio que Massa está tentando que o conflito deixe de ser ‘peronismo versus antiperonismo’”, avalia Semán. “E Milei facilita a tarefa para ele, porque é um candidato extremista, que divide, e isso afasta muitos.”
Rosenberg frisa que Massa tem um histórico de relações com os EUA, com o Ocidente, o qual colocaria em prática na qualidade de presidente. Portanto seu governo não seria como o de Alberto Fernández, mais próximo à Venezuela, Nicarágua e Cuba. Pablo Semán complementa: “Massa tem mais experiência no diálogo com as elites – que são, afinal, quem tem interesses muito concretos depositados nas relações internacionais.”
Nesse ínterim, o dólar paralelo (“blue”) está cotado em 1.300 pesos argentinos. O jornalista Jaime Rosenberg prevê: “Creio que o dólar do mercado negro baixará um pouco, sobretudo porque desaparece, de certo modo, a incerteza financeira que representava uma vitória de Milei no primeiro turno – embora vão vir ajustes importantes.” De qualquer modo, “seguirão as ajudas aos setores mais necessitados, como até agora”.
Contudo, que medidas concretas Sergio Massa deveria tomar, chegando à presidência, para que se acalmem os mercados e a inflação baixe? “Essa é uma grande pergunta. É necessário pôr em marcha um plano de estabilização, de saneamento da economia, fundamental para se sair do espiral inflacionário e retomar uma trilha mais previsível. As medidas de fundo serão um desafio para o próximo governo, a partir de 10 de dezembro.”