— Se todo artista cobrasse mudanças para sua quebrada, as coisas estariam melhores — diz Wesley Barbosa de Souza, 30 anos, o MC Cebezinho. Expoente do chamado “funk consciente”, o artista, que tem mais de 8,5 milhões de ouvintes no Spotify, roda o país com suas canções que falam sobre o cotidiano de quem cresceu na periferia da Zona Leste de São Paulo. As informações são de Guilherme Queiroz e Nicolas Iory, do jornal, O Globo.
Apesar do sucesso, nos últimos meses Cebezinho tem dedicado parte das publicações nas redes sociais não à música, mas a cobrar da prefeitura obras de urbanização da Vila Yolanda, a comunidade onde cresceu, a 30 quilômetros do centro da cidade. O bairro tem diversas ruas de terra batida, mas nos últimos meses ganhou obras de infraestrutura básica após a pressão do MC, que tem mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.
— Cheguei aqui em 1998, com quatro anos — conta Cebezinho, que lembra de andar pelas ruas com sacolas plásticas amarradas aos pés, para não sujar de barro o calçado que usava para ir para a escola. Hoje, ele emprega 13 pessoas, todos amigos que cresceram com ele naquela quebrada.
Em 2022, uma forte chuva causou transtornos na Vila Yolanda. Foi a primeira vez que MC filmou uma enchente nas redes sociais, revoltado com as condições do bairro. No ano passado, depois de mais enchentes e muito lamaçal, Cebezinho voltou a cobrar a prefeitura, mas de forma mais direta, marcando o prefeito Ricardo Nunes (MDB) nas postagens do Instagram.
— Pouco tempo depois, me chamaram para uma reunião com o subprefeito de Cidade Tiradentes e o Ricardo Nunes por telefone, que disse que as obras iriam acontecer — conta o MC.
As máquinas vieram em setembro. Segundo a prefeitura, o investimento na região é de cerca de R$ 41 milhões e a previsão de término é até dezembro.
Não é por acaso que o MC entrou logo no radar de prioridades da gestão Nunes. O impacto de publicações feitas nas redes sociais é um dos focos de atenção da prefeitura. Pré-candidato à reeleição, Nunes recebeu recentemente três relatórios contratados junto a uma agência de comunicação, que rastrearam ao longo de seis meses queixas comuns dos internautas e mapearam influenciadores digitais com potencial de contribuir com a melhora da imagem do emedebista.
Foi identificado, por exemplo, que a população relaciona o fato de a cidade ter atualmente diversas obras em andamento com a proximidade do período eleitoral, e que são muitas as reclamações por conta da liberação da vacina contra a dengue só para crianças e adolescentes em São Paulo.
“Grande parte das pessoas acredita que a prefeitura deveria acelerar os grupos e aplicar em toda a população, já que a cidade vem vivendo um surto de dengue”, lê-se no documento.
A receita sugerida para reduzir as críticas são parcerias pagas com influenciadores digitais ou sites especializados. Para cada área de atuação da prefeitura, foram selecionados criadores de conteúdo classificados em cinco categorias: dos “nanoinfluenciadores”, que têm até 10 mil seguidores, aos “megainfluenciadores”, que somam mais de 1 milhão de fãs.
No tema da saúde, a agência recomendou à prefeitura firmar uma parceria com o Portal Drauzio, mantido pelo médico oncologista e escritor Drauzio Varella. A proposta seria criar vídeos sobre a vacinação contra a dengue destacando que o imunizante “é seguro, eficaz e proporciona proteção contra formas graves da doença, contribuindo para a prevenção de internações e óbitos”.
A equipe que mantém o portal disse ao O Globo, que não houve nenhum contato da prefeitura. Em nota, a Secretaria de Comunicação da administração municipal informou que “é de sua atribuição o monitoramento das redes sociais”, mas que até o momento não contratou nenhum influenciador a com base nos relatórios que recebeu.
Não é apenas em São Paulo que os políticos estão de olho na visibilidade de jovens que são referências em suas comunidades. O influenciador Raphael Vicente, 24 anos, do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, tem 1 milhão de seguidores no Instagram e conta que já foi procurado por parlamentares fluminenses para participar de agendas políticas, mas diz que não topou nenhum convite. Vicente ganhou popularidade na pandemia, quando produzia vídeos de humor ao lado da família e já foi repostado até por Beyoncé, com um dos seus conteúdos de dança.
— Não faz sentido ter chegado aonde cheguei, com todo o apoio que tive das pessoas da Maré, para depois virar as costas para a comunidade — conta ele, que faz campanhas publicitárias para dezenas de marcas, de streaming a vestuário.
Ao centro e agachado, Raphael Vicente, em uma das gravações no Complexo da Maré — Foto: Reprodução Instagram
Ao centro e agachado, Raphael Vicente, em uma das gravações no Complexo da Maré — Foto: Reprodução Instagram
O conteúdo de Vicente trata quase sempre de temas leves, que mostram a rotina da família e da comunidade, combinados com humor e dança. Mas, quando julga necessário, não faltam cobranças ao poder público, como as denúncias de abusos durante operações policiais que chegam a durar uma semana e impactam de forma dura a vida dos moradores que vivem na Maré.
Vicente é visto pelo poder público como uma das vozes a serem escutadas sobre o território. Em outubro do ano passado, por exemplo, estava entre os convidados para um encontro organizado pela Secretaria-Geral da Presidência, que ouviu denúncias de violações de direitos humanos na região. Ele também é requisitado pela Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, para ajudar na divulgação das campanhas de vacinação e em 2021 foi escolhido para ser a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid-19 na região.
— Fico feliz de ser um porta-voz. Acontece bastante de me pedirem para divulgar comércios locais, o que faço sem custo — diz ele.
Como fez na eleição presidencial, quando apoiou o presidente Lula (PT), Vicente deve divulgar em quem irá votar para a eleição à prefeitura do Rio.
— Estou estudando, no momento, para quem vou dar apoio — conta.
— Se antes a gente tinha os líderes de bairro, hoje nós temos os influenciadores, que também atuam com o poder público. Imagine chegar em casa e ver um local todo esburacado e ter uma voz poderosa para falar sobre isso — acrescenta Rafael Bergamo, 44 anos, CEO da agência de marketing político Gobuzz, que trabalha neste ano com candidaturas mais ligadas à direita. — Acompanhar os influenciadores é essencial para ter uma gestão pública mais eficiente — ele diz.
— Não tem como os influenciadores não fazerem parte do planejamento (de uma campanha política). Nós fazemos mapeamento de lideranças de bairro e associações, mas também incluímos os influenciadores digitais que, muitas vezes, atuam em bairros, com ONGs locais e com a comunidade. Mesmo se for um um perfil de humor, dança, mas compartilhar os mesmos valores que o candidato, é um caminho para entrar em contato e começar uma parceria — avalia o publicitário Bernard Ferreira, sócio da agência Fresta Política, que trabalha com candidaturas mais ligadas à esquerda.
Outra personalidade que tem voz junto ao poder público é o skatista e ativista Davison Fortunato, de 31 anos. Ele cresceu em Suzano, na região metropolitana de São Paulo, e é o irmão mais velho do skatista profissional Gabriel Fortunato, de 26 anos.
Com 120 mil seguidores no Instagram, Fortunato começou aos 17 anos a cobrar da prefeitura local melhorias na infraestrutura para o esporte em Suzano, bem antes do sucesso como porta-voz e idealizador de campeonatos e eventos do mundo do skate.
Hoje, apoiado por marcas como Banco do Brasil e Lacoste, cuida da carreira do irmão e oferece consultoria para atletas como Felipe Gustavo, skatista selecionado para as Olimpíadas em Paris e o paratleta e skatista Felipe Nunes. Fortunato também firma parcerias com o poder público para revitalizar e oferecer atividades gratuitas em pistas de skate de Suzano. Ele já atuou na reforma de três espaços voltados para o esporte na cidade.
— Antes esses lugares estavam abandonados. Hoje sou recebido pelo prefeito e pelos secretários, estamos sempre em diálogo. Também devo apoiar um candidato a vereador para a eleição deste ano — finaliza Fortunato, que é também presidente da Associação Suzanense de Skate.