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O ex-presidente Jair Bolsonaro e seu chefe da ajudância de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid - Foto: Adriano Machado/Reuters
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segunda-feira 10 de julho de 2023 às 19:47h

Mauro Cid: 4 perguntas que CPI deve fazer a braço direito de Bolsonaro

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O tenente-coronel do Exército Mauro Cid deve prestar depoimento na terça-feira (11) à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os ataques aos prédios dos Três Poderes em Brasília em 8 de janeiro.

Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) na Presidência da República, Cid é uma das figuras mais aguardadas – e potencialmente polarizadoras – na CPMI, conforme Vinícius Lemos, da BBC News.

Ele está preso desde 3 de maio, quando foi alvo da PF na Operação Venire, que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a covid-19 no Ministério da Saúde para beneficiar Bolsonaro – ele nega qualquer irregularidade.

Cid também é alvo de um inquérito pela Polícia Federal (PF) por suspeita de participação em uma suposta tentativa de golpe de Estado após a derrota de Bolsonaro na eleição presidencial.

A PF achou mensagens no celular de Cid que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes classificou como “tratativas para a execução de um golpe de Estado” e um documento com instruções para declaração de um estado de sítio para anular a eleição de Lula.

A defesa de Cid não respondeu às tentativas de contato da BBC News Brasil. A defesa de Bolsonaro disse que não comentaria o assunto.

O principal objetivo da CPMI, segundo governistas, é esclarecer a autoria intelectual e financeira dos atos, tema também de inquéritos da Polícia Federal, que segue investigando as eventuais negligências, falhas, omissões, erros e crimes que permitiram as invasões.

O depoimento de Cid é fundamental para isso, dizem parlamentares aliados do Planalto.

“Estaremos na busca de informações que possam ajudar nas respostas dos dois pontos centrais da CPMI: quem são os fiadores e os autores (dos atos de 8 de janeiro)”, diz a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da comissão, à BBC News Brasil.

“O Cid é militar, e a presença de militares é uma realidade (no 8 de janeiro). A tática usada para ter acesso à Praça dos Três Poderes foi militar. Avançaram em grupo, usaram água dos hidrantes para dispersar os efeitos do gás lacrimogêneo e usaram as grades de proteção como escada. Houve organização”, afirma Gama.

Já a oposição defendeu a instauração da CPMI para apurar supostas omissões do governo federal na segurança de Brasília. Esses parlamentares alegam que, neste contexto, a convocação de Cid é desnecessária, apostando que seu depoimento em nada deve acrescentar à investigação.

“O depoimento do Cid é ‘cortina de fumaça’ para desviar a apuração da omissão do governo que permitiu os lamentáveis eventos do 8 de janeiro, deixando de cumprir suas funções constitucionais e legais de prover segurança, a despeito das contundentes informações do sistema de inteligência”, afirma o senador Eduardo Girão (Novo-CE).

“Portanto, buscaremos elaborar perguntas que possam ajudar a esclarecer quem foram os verdadeiros responsáveis por aqueles fatos. Tanto quem cometeu a ação violenta, bem como quais autoridades foram omissas.”

Girão argumenta que as convocações mais importantes da CPMI são para ouvir aliados de Lula, como o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB): “Precisamos saber onde estava a força de segurança convocada pelo Ministério da Justiça”.

O Ministério da Justiça afirmou à BBC News Brasil que a segurança da Praça dos Três Poderes é, constitucionalmente, atribuição do governo do Distrito Federal e que o plano de segurança alinhado com o Planalto não foi cumprido.

Mauro Cid, porém, poderá ficar em silêncio, porque conseguiu no STF o direito de não responder aos questionamentos que possam prejudicá-lo na Justiça.

Cid recorreu ao Supremo para não ir à CPMI, alegando que foi convocado como testemunha, mas também é investigado. A ministra Cármen Lúcia determinou que ele compareça e permaneça em silêncio se quiser.

Se a CPMI identificar algum crime por meio do depoimento de Cid, deve informar isso às autoridades competentes para que elas as medidas necessárias, já que a comissão pode investigar, mas não aplica punições.

“Ela faz um relatório com o resumo do que aconteceu e encaminha para as autoridades, como o Ministério Público, para as devidas providências”, explica o advogado Marcelo Crespo, coordenador de Direito da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

Um dos pontos que os parlamentares devem abordar com Cid são justamente as mensagens de suposto teor golpista em seu celular. Ele também deve ser questionado sobre a minuta de um decreto de garantia de lei e ordem para intervir no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e reverter o resultado das eleições.

Porém, uma das principais dúvidas em torno do depoimento de Cid diz respeito não a ele exatamente, mas a seu ex-chefe direto: Jair Bolsonaro.

1. Bolsonaro sabia sobre os atos de 8 de janeiro?

Mauro Cid é oficial do Exército com mais de 20 anos de carreira. Seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, foi colega de turma de Bolsonaro na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) nos anos 1970.

Cid se preparava para assumir um posto nos Estados Unidos quando foi nomeado para ser ajudante de ordens de Bolsonaro, pouco antes da posse do ex-presidente.

Ele era considerado o braço direito do então presidente e prestava assistência direta a Bolsonaro, inclusive para assuntos pessoais.

Por isso, certamente será questionado sobre se Bolsonaro sabia sobre a organização dos atos de 8 de janeiro antes da sua concretização.

“O Cid é militar e ouvia os reclames das pessoas que defendiam o golpe. Então temos que entender que mediação ele fez e que tipo de informação levou ao Bolsonaro”, pontua a senadora Eliziane Gama.

O depoimento de Cid poderia, neste contexto, ajudar a esclarecer pontos que Gama considera importantes.

“Qual o tipo de conversa que Bolsonaro teve com pessoas que estavam incentivando os atos golpistas? E como se deram as reuniões entre eles no período mais central disso, entre novembro e dezembro?”, diz a senadora.

Gama afirma esperar que o ex-ajudante de ordens se cale em partes de seu depoimento, mas avalia que mesmo isso pode ser valioso para os objetivos da comissão.

“Há informações que ele naturalmente não vai querer dar, mas vamos seguir”, afirma a relatora da comissão.

“O depoente não tem direito ao silêncio irrestrito. Ele tem o direito de não se autoincriminar, mas pode responder aquilo que não o incrimina. Então, se ele não responder algo, já é um indicativo de que podemos nos aprofundar naquilo em que ele silencia.”

2. O que Cid fez após receber as supostas mensagens golpistas?

Segundo a revista Veja, um relatório da PF arponta que Mauro Cid travou conversas com o coronel Jean Lawand Junior, então gerente de ordens do Alto Comando do Exército (ACE), com um suposto apelo de golpe de Estado ao então presidente Jair Bolsonaro.

“Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer. Ele não pode recuar agora. Ele não tem nada a perder. Ele vai ser preso. O presidente vai ser preso. E, pior, na Papuda, cara”, afirmou Lawand Junior em um áudio a Cid, em 1º de dezembro de 2022.

Cid respondeu: “Mas o PR [Presidente da República] não pode dar uma ordem…se ele não confia no ACE”.

Em outra mensagem, em 10 de dezembro, Lawand Junior enviou outra mensagem: “Cid pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB [Exército Brasileiro] não está com ele, de Divisão pra baixo está”.

Cid respondeu: “Muita coisa acontecendo…Passo a passo”, e recebeu de volta do coronel a resposta: “Excelente”.

Na última troca de mensagens entre eles, em 21 de dezembro, Lawand Junior escreveu: “Soube agora que não vai sair nada. Decepção irmão. Entregamos o país aos bandidos”. Cid respondeu: “Infelizmente”.

Em depoimento à CPMI, no fim de junho, Lawand Junior negou que tenha incentivado um golpe.

“Em nenhum momento falei sobre golpe, atentei contra a democracia brasileira ou quis quebrar, destituir, agredir qualquer uma das instituições. Fui infeliz. Minha colocação foi muito infeliz, não tenho contato com ninguém do Alto Comando. Não deveria tê-la feito”, afirmou

O cientista social Jonas Medeiros, pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), diz que um ponto que precisa ser esclarecido no depoimento de Cid é quais medidas ele tomou após travar esses diálogos com o coronel.

“Ele tem sido econômico nas palavras e lacônico sobre o que foi tornado público até o momento”, avalia Medeiros.

Para Medeiros, Cid teria alguma responsabilidade por ter recebido propostas e clamores de projetos supostamente golpistas, mas não deve ser responsabilizado individualmente pelos atos.

“É uma situação que precisa ser explicada, porque, para que as pessoas conseguissem fazer o que fizeram, só pode ter ocorrido uma omissão das forças de segurança”, diz Medeiros.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), chegou a ser afastado por 90 dias, durante as investigações sobre os atos golpistas, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

O governo federal também fez uma intervenção temporária da segurança da capital.

Após Ibaneis retomar o cargo, ele afirmou que houve um “apagão geral” em 8 de janeiro que culminou nas invasões aos prédios.

“O que aconteceu no dia 8 de janeiro foi imprevisível”, justificou Ibaneis ao retomar o governo do DF.

O então secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, chegou a ser preso por uma suposta omissão na segurança no dia, o que ele nega.

A decisão partiu de Alexandre de Moraes, que atendeu pedido da Advocacia-geral da União. O ministro determinou sua liberação após quatro meses.

3. Cid compactuava com os supostos planos de golpe?

Um outro questionamento considerado importante por especialistas é o que Cid tem a dizer sobre as diversas conversas sobre os supostos planos de golpe de Estado e se compactuava com essa ideia.

“Ele está sendo assessorado por advogados com uma estratégia jurídica de que, se ele tinha planos golpistas, é preciso entender que a maré mudou. Ou seja, a banalização da defesa de um golpe contra a eleição não existe mais”, avalia Medeiros.

“Depois do 8 de janeiro, passou a ser possível reprimir e não permitir legitimidade pública disso que circulou.”

Para que Cid não crie possíveis provas contra si, as perguntas sobre um eventual apoio de Cid ao plano de golpe podem ficar sem respostas na CPMI, apontam especialistas.

“Uma pessoa que é ouvida como testemunha não pode calar a verdade, precisa dizer os fatos. Uma testemunha não pode optar por não falar. Está previsto no Código de Processo Penal que a testemunha é obrigada a dizer a verdade, inclusive se não disser o que sabe pode responder por falso testemunho.”, explica o advogado Marcelo Crespo.

“Mas, ao mesmo tempo, quem é investigado não é obrigado a produzir prova contra si.”

No entanto, o mesmo direito ao silêncio foi concedido ao coronel Lawand Júnior.

Apesar da permissão do STF para não responder perguntas que pudessem incriminá-lo, Lawand afirmou na comissão que estava à disposição para responder aos questionamentos dos parlamentares.

Ele afirmou na ocasião que sua intenção na troca de mensagens com Cid, ao pedir uma manifestação de Bolsonaro, seria “apaziguar o país” e evitar uma “covulsão social”.

“A sociedade brasileira, dividida em opiniões, acerca de ‘o que vai contecer?’, ‘o que vai ser agora?’, ‘como foi o pleito?’. A gente vendo aquelas pessoas, a insegurança trazida por aquilo, que podia levar a alguma convulsão social, a alguma revolta, a um problema na segurança, foi o que eu falei”, disse Lawand Júnior.

4. Quem redigiu a minuta de golpe?

O relatório da PF sobre o que foi encontrado no celular de Mauro Cid aponta que o documento com instruções para um suposto golpe de Estado foi criado em 25 de outubro de 2022.

O documento, intitulado “Forças Armadas como poder moderador”, lista entre as ações a serem tomadas a declaração de um estado de sítio, a nomeação de um interventor, o afastamento e abertura de inquéritos contra ministros do TSE e outras autoridades e a fixação de um prazo para novas eleições.

O documento aponta que as medidas poderiam ser tomadas após autorização do presidente da República.

Não há indícios, no entanto, de que o texto tenha sido encaminhado a Jair Bolsonaro, nem de conversas com esse teor entre Cid e o ex-presidente.

Uma outra minuta semelhante foi encontrada pela PF na casa do ex-ministro da Anderson Torres, que decretava estado de defesa no Brasil, possibilitando a revisão do resultado das eleições de 2022 após a vitória de Lula.

Torres disse na época que o documento foi divulgado fora do contexto para “alimentar narrativas falaciosas” contra ele. “Tenho minha consciência tranquila quanto à minha atuação como ministro”, disse.

Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, chegou a afirmar que várias minutas golpistas circulavam no entorno do ex-presidente.

“É importante estabelecer quem redigiu os documentos que vieram a público, como a minuta do golpe. Quem redigiu isso? A partir disso é possível entender melhor como a proposta desse golpe era aventada”, afirma Medeiros.

O advogado Marcelo Crespo pontua que esclarecer a autoria da minuta e o envolvimento de Cid nisso pode ter implicações sérias para o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro na apuração de uma suposta tentativa de golpe de Estado, crime que pode ser punido com até 12 anos de prisão.

“Se ele recebeu a minuta do golpe e estava articulando esse golpe, ele responde na Justiça por tentativa de golpe contra o Estado democrático de direito. Tudo depende do que ficar comprovado da conduta que ele praticou. Se ele recebeu a minuta e de alguma forma estava articulando (um golpe), ele responde por isso”, explica Crespo

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