Pelo menos 353 juízes receberam mais de R$ 100 mil em pelo menos um mês ao longo de 2022.
As informações estão no portal mantido pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) com os pagamentos feitos aos 17,9 mil juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores do Judiciário.
Nem todos os tribunais, entretanto, mandam informações ao conselho, e há casos em que a última atualização de dados ocorreu em abril de 2021.
Juízes estão entre os servidores públicos com os maiores salários no funcionalismo, uma vez que a remuneração é vinculada ao vencimento de ministros do Supremo Tribunal Federal, hoje em R$ 39,2 mil. O salário dos integrantes do STF é o teto da administração pública.
Apesar disso, não é incomum magistrados receberem acima desse limite. Isso porque uma série de valores não são considerados no cálculo do teto. Entre eles, segundo a assessoria do CNJ, estão verbas relativas às férias e gratificações, como a natalina ou por exercício cumulativo de cargos, e jetons (remuneração por participação em conselhos), entre outras.
Os três juízes que, no Brasil, receberam os maiores contracheques embolsaram, de uma única vez, valores que vão de R$ 432 mil a mais de R$ 700 mil.
Os demais 350, segundo o levantamento da Folha, receberam, em ao menos um mês, valores entre R$ 100,04 mil e R$ 279 mil.
Neste ano, o magistrado que mais recebeu de uma vez só foi a ministra do TST (Tribunal Superior do Trabalho) Morgana de Almeida Richa. Foram quase R$ 733 mil no contracheque referente ao mês de abril. O valor foi pago pelo seu tribunal de origem, o TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 9ª Região, que corresponde ao Paraná.
A assessoria de imprensa do TST afirmou que isso ocorreu porque, para assumir o cargo de ministra do Tribunal Superior do Trabalho, em dezembro de 2021, Morgana foi exonerada do TRT-PR, “auferindo em 2022 as parcelas decorrentes de lei, inclusive a indenização de vários períodos de férias que não foram usufruídos durante o período trabalhado no tribunal regional”.
Em 2022, o tribunal que mais aparece com juízes recebendo acima de R$ 100 mil em um único pagamento é o TJ-GO (Tribunal de Justiça de Goiás). Na lista dos dez maiores contracheques, três são de juízes do TJ goiano: Sebastião José da Silva, João Divino Sousa e Stefane Machado. Eles receberam entre R$ 193 mil e R$ 210 mil somente em maio deste ano.
De acordo com o TJ-GO, vários fatores levaram aos pagamentos acima de R$ 100 mil.
“São subsídios, gratificação de acúmulo de unidades, auxílios legais, 13º salário, indenização de dez dias de férias, adicional constitucional de um terço de férias, abono de permanência e direitos ou créditos reconhecidos judicialmente em razão de pagamento salarial de período anterior realizado a menor [quando há uma decisão dizendo que o salário não foi pago completamente no passado]”, listou o tribunal, ao ser questionado sobre os valores desembolsados aos três juízes.
No caso de Sebastião José da Silva entra também valores do acerto financeiro após a sua aposentadoria. “Assim, o valor da remuneração dos magistrados deste Tribunal de Justiça conta com total respaldo constitucional e legal”, concluiu a assessoria de imprensa da corte.
O desligamento de magistrados em razão de aposentadoria é uma das razões levantadas pelos tribunais para justificar contracheques que superam R$ 400 mil.
O segundo lugar na lista entre os juízes no Brasil que mais receberam neste ano é o ex-desembargador Francisco Ermel, que deixou o TRT da 9ª Região em março e recebeu R$ 547 mil em “verbas correspondentes a seu desligamento definitivo, conforme determina a lei”, informou a assessoria de imprensa do tribunal. “O maior montante diz respeito a férias acumuladas e não usufruídas”, acrescentou.
A terceira na lista nacional é a ex-desembargadora do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) Sandra de Santis, com R$ 432 mil recebidos de uma vez só. Nesse caso, informou a assessoria do tribunal, as verbas corresponderam ao “acerto de contas realizado por ocasião da aposentadoria” de Santis.
Os contracheques de magistrados são divididos em quatro categorias pelo CNJ. Os subsídios correspondem ao salário mensal. Há os direitos pessoais, que englobam itens como abono permanência (incentivo a quem tem tempo de aposentadoria, mas segue trabalhando) e restituições de cobranças indevidas.
As indenizações, por sua vez, incluem diversos auxílios, como o de alimentação e o de saúde. Já os direitos eventuais englobam valores referentes a férias, 13º salário e eventual jetom. Esses valores não entram no cálculo do teto salarial, assim como a ajuda de custo para mudança ou transporte, entre outras.
Em todos os 353 casos em que o valor recebido em algum mês superou R$ 100 mil, a maior parte da soma é registrada pelo CNJ como valores eventuais, que não contam para o teto constitucional —no caso juíza do TST, que teve o maior contracheque do país, todo o valor está nessa rubrica.
“Nos últimos quatro anos de magistratura, [Morgana de Almeida Richa] exerceu, em sequência, dois cargos na administração do tribunal (1ª vice-presidente e 2ª vice-presidente), ficando impedida por quatro anos de gozar as férias a que teria direito”, disse o TST.
Mesmo com os altos salários, a categoria luta para que o Congresso aprove um projeto concedendo um reajuste automático a cada cinco anos, o que é conhecido como quinquênio. A proposta é aumentar o salário mensal em 5% a cada cinco anos, com um máximo de sete aumentos ao longo da carreira.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está pessoalmente empenhado na aprovação do quinquênio. Em maio, o parlamentar disse que a proposta “corrige injustiças” e que “é razoável” um aumento nos vencimentos por tempo de serviço.
O CNJ defende sua aprovação. De acordo com o presidente do STF, Luiz Fux, que também preside o CNJ, o projeto é uma oportunidade de reestruturação da carreira.
“Esta proposta, entre outros pontos, evitará que um juiz recém-empossado, por exemplo, receba o mesmo salário de um juiz com mais de 30 anos de exercício na magistratura”, disse, em nota, o CNJ.
“Além disso, a aprovação está condicionada à extinção de auxílios pagos pelos tribunais, também chamados de ‘penduricalhos’, com a proposta que limita ganhos acima do teto constitucional.”
A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) também defende a aprovação da proposta, que, segundo a entidade, recompõe perdas inflacionárias que não foram repostas. Além disso, prossegue a associação, a medida também torna mais interessante a carreira de juiz, permitindo que a categoria rivalize com outros segmentos públicos e privados na atração de pessoal qualificado.