Se pesquisas indicam que o eleitor brasileiro não se sente representado pelos políticos e defende renovação, as grandes doações eleitorais na campanha deste ano não apontam para o mesmo sentido.
Na disputa por uma vaga no Congresso, a maior parte dos repasses acima de R$ 100 mil está indo para as mãos de quem já tem mandato.
Das 131 contribuições de pessoas físicas direcionadas a candidatos à Câmara ou ao Senado que ultrapassam R$ 100 mil, 82 foram para donos de mandatos na atual legislatura, mostra levantamento feito pela reportagem.
No total, esses políticos receberam R$ 12,9 milhões em doações acima de R$ 100 mil. O dado diz respeito aos lançamentos feitos pelo TSE até este domingo (16). Os grandes repasses aos candidatos sem mandato somam R$ 8,4 milhões.
Entre os novatos, o valor poderia ser ainda menor, não fosse a doação de R$ 2 milhões feita pelo avô de Gabriel Kanner (PRB-SP), Nevaldo Rocha, fundador do grupo que comanda a Riachuelo, para que o neto faça campanha na disputa por uma vaga de deputado federal. O repasse é o maior feito até agora entre candidatos ao Legislativo.
Os repasses elevados feitos ao grupo dos que não têm mandato não indicam, necessariamente, uma busca pela renovação na política.
Entre os beneficiários, estão os ex-ministros, ex-prefeitos, ex-deputados e até um ex-vereador que teve o mandato cassado.
Pesquisa do Instituto Locomotiva mostra que 78% dos brasileiros afirmam que não votariam em um parlamentar que hoje exerce mandato.
Entretanto, não são apenas as doações de pessoas físicas que direcionam o jogo eleitoral para que a renovação política seja baixa.
Após a proibição das doações de empresas, deputados e senadores ampliaram o financiamento público direto das campanhas instituindo um fundo de R$ 1,7 bilhão que é distribuído aos candidatos a critério das cúpulas partidárias. E elas têm privilegiado políticos já com mandato.
Em uma segunda linha, barraram propostas que buscavam impor limite unificado a doações de pessoas físicas ou ao autofinanciamento.
A regra eleitoral estabelece que os candidatos podem usar recursos próprios para financiar até o limite de gastos imposto ao cargo que concorre.
Na opinião do sociólogo e analista político Antonio Testa, da Universidade de Brasília, o sistema eleitoral brasileiro evoluiu de forma a criar dificuldades à renovação.
Para ele, esse cenário ficou mais evidente com a criação do fundo eleitoral, que é distribuído de acordo com a vontade dos caciques dos partidos, a autorização do autofinanciamento e a permissão de doações em valores elevados.
O limite das contribuições é de 10% dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição. Como não há um valor que determine um teto, pessoas com elevados rendimentos conseguem fazer doações expressivas.”As regras eleitorais ajudam muito quem tem mandato. É um jogo muito desigual”, disse.