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sábado 6 de agosto de 2022 às 12:40h

‘Maioria do agronegócio tem posição democrata’, afirma ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio

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Empresário e ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito diz que, apesar de poucas entidades do setor terem aderido aos movimentos em favor da democracia, a maioria dos representantes defende esse regime político. “A grande maioria do agro tem posição democrata, clara, sustentável, mas que nem sempre encontra ressonância em lideranças que têm visão diferenciada”, diz Brito, que presidiu a Abag entre 2019 e 2021 e hoje é CEO da CBKK, empresa com foco em investimentos com impactos socioeconômicos e ambientais. Ele integra o conselho da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e é coordenador técnico da Fundação Dom Cabral.

Em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast, Brito defendeu que as associações do setor sejam apartidárias e que conversem com candidatos de todas as tendências políticas. Sob sua gestão, no ano passado, a Abag entidade liderou um manifesto próprio do agronegócio em defesa do estado democrático de direito e da harmonia entre os Poderes.

Brito refuta os argumentos de que a polarização do País, e do próprio setor, e o momento político e partidário do País justificariam a não adesão do agro ao movimento pró-democracia. “Se guardar nos casulos porque há polarização hoje é a mesma coisa que se alienar ao processo”, afirmou. Ele considera uma falsa verdade o entendimento de parte do setor de que o agro cresce independentemente de governo. “Não existe setor que cresce sozinho sem processo de regularização”, observou.

Na avaliação dele, o posicionamento da sociedade a favor da democracia é importante para atração de investimentos ao País, em momento que o Brasil se coloca “naturalmente” como “sério candidato” a recursos que seriam canalizados para países, como China e Rússia. “A base do desenvolvimento das nossas empresas e do nosso desenvolvimento como sociedade, está calcada na democracia”, argumentou.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O senhor assina o manifesto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) pela democracia e em respeito às eleições. O que o motivou?

Sou do princípio que a democracia é a base do funcionamento que leva ao desenvolvimento econômico, social e ambiental. Não adianta você ter a melhor ciência, a melhor gestão, se você não tem um processo democrático para distribuir e compartilhar isso. Esse é o princípio básico de cidadania. Por isso apoio o movimento. Acho que realmente existe um risco. Na posição de cidadão, não vi como não participar de tal movimento.

Há uma resistência do agronegócio em assinar tanto o manifesto da USP quanto a carta articulada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), em defesa da democracia, enquanto há adesão por parte do setor financeiro e da indústria. Na sua avaliação, o que justifica essa resistência?

Não entendo o porquê. Acho que vão se arrepender no futuro de não ter aderido aos manifestos. Não estamos falando de ser contrário a este ou a aquele candidato, ou de ser amigo ou inimigo deste ou daquele partido. Esse é um movimento apartidário que busca fixar termos que são base da constituição brasileira. Quando existe um processo desse no ar e você se mantém fora, é porque você se vê completamente refém de estruturas governamentais. Mostra uma certa imaturidade do setor porque o Brasil pretende se inserir no mundo, ao mesmo tempo que ainda existe essa pseudo dependência de relações governamentais. Essa dependência extrapola qualquer nível do mínimo padrão de ESG que se espera de uma empresa ou de uma associação que representa as empresas. Me pergunto como empresas que têm ESG, que significa responsabilidade com social, ambiental e com governança, podem ser contra a um movimento pró-democracia.

Para não aderir aos manifestos, entidades e empresários do agro citam a polarização, a dois meses das eleições, e um eventual viés partidário. O que pensa a respeito?

Não acho que tem viés partidário nenhum. É só ver a composição dos signatários. Há gente de todo espectro político, econômico e acadêmico. Acho que há uma grande preocupação de quem assinou o manifesto de um posicionamento do Brasil em relação ao mundo na sua inserção ao mundo como um País absorvedor de investimentos e que precisa estar preparado nessa nova configuração geopolítica mundial. Precisamos passar para o mundo a imagem que somos um país democrático, que respeita a Constituição, que respeita os seus processos vinculados ao Executivo, Legislativo e Judiciário. Isso se encontra no processo democrático eleitoral brasileiro. Não é uma questão partidária. A preocupação é essa: que País que queremos no futuro e se constrói dessa forma. Se guardar nos seus casulos porque há polarização hoje é a mesma coisa que se alienar ao processo.

O senhor integra a Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, que divulgou um documento próprio reiterando a importância do processo eleitoral e defendendo o estado democrático de direito. A entidade entendeu ser necessário se posicionar defendendo estes temas? Como surgiu o movimento?

A Coalizão é um lugar que se discute e se diverge sem criar inimigos. A visão da Coalizão é do papel de construção de futuro. Você conhece algum país de extrema esquerda ou de extrema direita no mundo bem sucedido, onde a população é bem atendida e onde as coisas acontecem cordialmente? Os países de grande sucesso no mundo estão dentro do espectro de centro expandido. A Coalizão não enxerga esse processo como político. A Coalizão vê que a necessidade da estruturação climática e social dentro das novas realidades que as condições climáticas trazem para o mundo – principalmente para a produção de alimentos, de energia e para conservação florestal – são dependentes de um processo democrático sólido. A Coalizão não fala quem é seu candidato ou quem ela quer que seja presidente. Queremos que a democracia seja respeitada e quem ganhar a eleição leva. A Coalizão estará pronta a contribuir com o Brasil independentemente de quem seja o presidente da República, assim como fizemos nos governos Dilma, Temer e Bolsonaro. E vamos continuar fazendo nos governos que vierem adiante. A divergência sadia e honesta é condição básica do processo democrático.

No ano passado, a Abag, uma das maiores representações do agro no País, junto com outras associações setoriais, liderou um manifesto próprio do agronegócio que defendia o estado democrático de direito, a harmonia entre os poderes em meio à crise institucional e criticava a partidarização nociva. Neste ano, as entidades não se posicionarão sobre o assunto, alegando interesse político na questão e que o cenário difere de setembro do ano passado, quando, segundo ela, havia maior risco de rompimento. O cenário realmente é diferente do ano passado?

O cenário é o mesmo, mas o posicionamento das associações muda a critério de suas diretorias. Hoje, a Abag tem diretoria nova que entendeu ser por bem não se posicionar. Eu respeito a posição deles. Por ser democrata, respeito a posição de todo mundo. Naquele momento, fizemos medição de temperatura e pressão do que fazer. Eles devem ter feito a mesma coisa para tomar decisão. Respeito a decisão e não vejo nenhum problema nisso. Cada um tem direito de tomar sua decisão. Hoje, respondo pela minha pessoa física, pela empresa que sou sócio, e, assim, assinei. Mas essa é a minha visão e como não estou lá não cabe a mim dar pitaco.

O agro é um setor tão articulado em causas próprias seja por meio de entidades privadas ou seja por meio de bancada parlamentar. Falta interesse de articulação em causas maiores em prol da sociedade, como a defesa da democracia?

O agro representa muita coisa para ser chamado somente de agro. A grande maioria do agro tem posição democrata, clara e sustentável, mas que nem sempre encontra ressonância em certas lideranças que têm visão diferenciada. Vivemos um processo de grande convulsão social, causada pela mudança geracional. Temos gente nova chegando com visão completamente diferente. Considero exagero dizer que o agro é isso ou aquilo. A gente setoriza outros setores, mas queremos incluir o agro em uma coisa só como se fosse possível. Acho que é banalidade que não deveria existir mais porque não dá a caracterização necessária que o bom agro deseja e deveria ser enxergado no Brasil.

Se a grande maioria do agro tem essa posição democrata, clara e sustentável e não encontra ressonância nas lideranças do setor, há então um problema de lideranças do agro que não refletem o que a maioria deseja?

O Brasil vive um problema de lideranças. Sabemos disso e discutimos isso. Hoje, todos fóruns brasileiros discutem a falta de liderança, seja política, seja empresarial. Há falta de novas lideranças que talvez foram apagadas no decorrer do tempo até pela própria estruturação do crescimento econômico brasileiro. Mas existe uma nova geração chegando e mudando.

Neste ano, o fato de algumas lideranças receberem candidatos à Presidência da República de esquerda gerou cisões internas em algumas entidades. Essa polarização do setor, que ocorre no País, atrapalha a discussão de questões maiores ao País?

O presidente de uma associação, seja de qual for o setor, que não puder sentar com todos os candidatos para discutir visões de futuro no seu setor, terá dificuldade em exercer o seu trabalho. Se você não sabe quem vai ganhar, fechar posição com alguém e se ganhar candidato que é diferente aquele que você gostava você não defende mais as posições do seu setor ou não tenta mais levar seu setor à frente? Associações devem ser apartidárias e devem ter a possibilidade de conversar com todos os candidatos na busca do melhor quadro e da melhor definição possível de desenvolvimento daquele setor e das empresas que você representa. Fora da associação cada membro pode ter a posição que quiser. Uma associação existe para representação política e não para ser representação partidária. Mas para ser representação política, você precisa ter acesso a todos.

Mas essa polarização atual atrapalha as discussões internas das associações tanto para o próprio setor quanto maiores para o País?

Essa polarização atrapalha até a convivência familiar.

Há um entendimento de parte do setor que o agro cresce independentemente de governo. Isso isenta o setor de se posicionar nestas questões pertinentes ao desenvolvimento do País?

Isso é uma falsa verdade que não encontra consistência no futuro. Não existe setor nenhum que cresce sozinho à mercê de si próprio, sem os processos de regularização e interações horizontais com outras verticais da economia – como indústria e serviço. O agro não vai crescer eternamente se outros setores da economia continuarem se degradando, com a indústria e serviço perdendo espaço, porque a própria sustentação do agro será limitada. O agro não cresce sozinho se os acordos multilaterais não forem construídos e eles são construídos pelos governos. Estamos em um mundo que o mercado globalizado diminui e o administrado aumenta – aqueles dos acordos multilaterais entre os governos. Não necessariamente você vende seu produto porque é de melhor qualidade ou mais barato, às vezes você vende porque existe acordo para comercialização. Afirmar que não precisamos de governo e crescemos somente por nossa conta é desentendimento do processo de relações comerciais que são a base das relações internacionais.

O não posicionamento a favor da democracia não prejudica ainda mais a imagem abalada do agronegócio brasileiro no exterior e até mesmo no próprio País?

Acho que não prejudica porque esse é um processo interno. O mundo lá fora não quer saber se a posição do Brasil será centro-direita ou centro-esquerda. O mundo quer saber se o Brasil é um país que respeitará a democracia, respeitará os contratos, as regras e os contratos internacionais, respeitará os acordos nos quais é signatário, se o país é um porto seguro para receber investimentos. É isso que interessa para o mundo lá fora e não essa briga doméstica, que interessa apenas ao eleitor brasileiro. Nunca concordei com a narrativa de que a imagem do agro é ruim no exterior, porque não existe a imagem do agro, da indústria ou do serviço. O que existe é a imagem do País. É o “made in Brazil” que interessa lá fora. Existe imagem ruim do Brasil e essa deve ser a nossa preocupação. A assinatura por democracia é um ato pré competitivo porque demonstra um apoio brasileiro a algo que é um benefício para todos. É isso que transparece a imagem.

O setor perde ao não se manifestar nestas questões fundamentais ao País, como a democracia?

Acredito que sim. Você gostaria de mudar para a Coreia do Norte ou para a Rússia? São países que não são democráticos. Quem gostaria de estar num país desses fazendo investimento? A base do desenvolvimento das nossas empresas e do nosso desenvolvimento como sociedade, está calcada na democracia.

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