O presidente Lula da Silva (PT) terá que intensificar a articulação política no Legislativo para minimizar, na volta do recesso, um problema que atrapalhou planos do governo no primeiro ano de mandato: a derrubada de vetos pelo Congresso. Parlamentares já debatem novas derrotas em temas que, se concretizados, podem engessar mais o poder do Executivo sobre o Orçamento, modificar a gestão de recursos em programas-chave da gestão petista e mexer na avaliação de agrotóxicos, assunto que provoca divisões no governo e é fonte de atritos com a bancada ruralista.
Dos 30 vetos de Lula analisados pelos congressistas no primeiro ano do seu terceiro mandato, 16 (53%) segundo levantamento de Camila Turtelli, do O Globo, foram rejeitados total ou parcialmente. Um índice acima do registrado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro ano, quando 45 vetos de sua autoria foram analisados, e 15 (33%) tiveram ao menos partes deles rejeitados. O retorno dos parlamentares está marcado para 5 de fevereiro.
Um dos vetos na mira do Congresso é ao dispositivo que torna obrigatório o empenho das emendas parlamentares obrigatórias até o dia 30 de junho. Esta é a primeira etapa do pagamento dos recursos, quando o dinheiro é reservado no Orçamento. A medida foi incluída na Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO), aprovada em dezembro. Lula, porém, vetou o item no dia 2 de janeiro, sob argumento que a medida poderia “aumentar a rigidez na gestão orçamentária e financeira e dificultar a gestão das finanças públicas”.
Disputa pelo orçamento
O argumento dos que defendem o calendário, o que inclui integrantes da oposição, Centrão e até governistas, por sua vez, é o de gerar mais previsibilidade para os investimentos nos municípios. A medida foi articulada por congressistas, que desejam irrigar os cofres de prefeituras aliadas com verba pública antes das campanhas eleitorais.
Apesar de ainda não trancar a pauta do Congresso, parlamentares pressionam para que esse item seja um dos primeiros a ser votado, já que têm pressa devido ao ano eleitoral.
— Só se o Congresso tiver vocação para autoflagelação que irá manter esse veto — disse o deputado Danilo Forte (União-CE), relator da LDO.
Outro item vetado na LDO que sofre pressão para ser restabelecido é uma lista de projetos que ficariam a salvo de contingenciamentos obrigatório de gastos em caso de risco de descumprimento da meta fiscal. O veto foi uma recomendação dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. As pastas argumentam que o dispositivo contraria o interesse público, porque poderia dificultar a gestão orçamentária e a busca por zerar o déficit primário neste ano. Nessa lista está, por exemplo, o seguro rural, o que acrescenta a força da bancada ruralista na pressão para derrubar o item.
Também encontra resistência no Congresso o veto à previsão de reserva de, no mínimo, 30% de recursos de programas de moradia, como o “Minha Casa, Minha Vida”, para cidades com até 50 mil habitantes. Parlamentares têm interesse em reverter essa decisão, principalmente devido ao ano eleitoral — mais de 80% das cidades do país estão nessa faixa populacional.
A bancada ruralista também articula a derrubada dos vetos ao projeto de lei que altera o processo de autorização para agrotóxicos no país. Lula barrou o trecho que centralizava no Ministério da Agricultura a coordenação de reanálises de riscos e alterações nos produtos já registrados, o que excluía a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR) considerou a decisão um “desrespeito com o Parlamento”.
— O tema tramitou por mais de 20 anos, teve aprovação quase unânime no Senado, e o presidente vetou os principais trechos. Temos uma batalha árdua para fazer funcionar esse sistema que quer modernizar, desburocratizar e fazer com que tenhamos acesso a moléculas mais modernas e produtos melhores para o agro brasileiro — afirmou Lupion.
O presidente também vetou 28 trechos da Lei Orgânica das Polícias Militares aprovada no ano passado pelo Congresso, por gerar encargos financeiros à União e aos estados sem a previsão de fonte orçamentária, como pensão para o cônjuge ou dependente quando o militar for preso provisoriamente ou em cumprimento de pena. O projeto foi aprovado no Senado com o texto do líder do PT na Casa, senador Fabiano Contarato (ES).
Há atualmente 25 vetos à espera de deliberação na pauta do Congresso, e 12 deles estão “trancando a pauta”, ou seja, o prazo já esticado exige prioridade nas votações e, na maioria deles, o governo ainda não chegou a um acordo com o parlamento sobre seus desfechos.
Nesta lista estão os vetos à Lei Geral do Esporte, como o que barrou a criação da Autoridade Nacional para Prevenção e Combate à Violência e à Discriminação no Esporte (Anesporte). Na época, o Ministério do Esporte era comandado ainda por Ana Moser, e alegou que o veto foi decidido pela Casa Civil, por uma questão jurídica de que “normas de iniciativa de parlamentar (do Senado ou da Câmara) não podem criar órgãos na estrutura do Poder Executivo”.
Já entre os vetos mais antigos, o governo tentará chegar a um acordo com os congressistas sobre a manutenção da vedação ao despacho gratuito de bagagem nas viagens aéreas. Em junho de 2022, Bolsonaro decidiu vetar a volta do transporte gratuito da bagagem nos voos domésticos e internacionais.
Atualmente, bagagens de 23 quilos em voos nacionais e 32 quilos nos voos internacionais são cobradas à parte, com um valor adicional ao da passagem. Cada empresa estabelece o critério de cobrança e as dimensões das malas.
Lei de Segurança Nacional
O Ministério de Portos e Aeroportos quer manter o veto de Bolsonaro. O entendimento é de que a bagagem gratuita encarece o preço das passagens e faz com que as pessoas que não usam a franquia paguem por isso de forma desnecessária. No Congresso, no entanto, há uma ala que pede a derrubada do veto.
Por outro lado, o governo quer derrubar vetos de Bolsonaro feitos em 2021 à revogação da Lei de Segurança Nacional, também ainda na pauta do Congresso. Entre os pontos rejeitados pelo ex-presidente está a criminalização de fake news eleitorais, e a criação do crime de atentado ao direito de manifestação.
— Queríamos resolver essa questão da Lei de Segurança Nacional. Já está há muito tempo parada, é preciso ter uma solução — afirmou o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), um dos vice-líderes do governo no Congresso.
Há também na lista de vetos considerados de baixo risco pela equipe do governo os que foram feitos à Medida Provisória que reestruturou a Esplanada dos Ministérios, ainda na fila de votação. Entre os dispositivos, Lula barrou a ida da gestão de recursos hídricos do Ministério do Meio Ambiente para o da Integração e do Desenvolvimento Regional. Segundo líderes partidários, há acordo para que isso seja mantido.
Principais vetos que podem ser derrubados
- Calendário de emendas: Lula vetou trecho da LDO que obriga o governo a empenhar emendas parlamentares até 30 de junho. Deputados e senadores defendem que o calendário gera mais previsibilidade para os municípios. Já o Planalto argumenta que a medida pode “dificultar a gestão das finanças”.
- Minha casa, minha vida: Outro veto à LDO que também encontra resistência no Congresso é a previsão de reserva de, no mínimo, 30% de recursos de programas de moradia, como o Minha Casa, Minha Vida, para cidades com até 50 mil habitantes. Parlamentares têm interesse em reverter essa decisão, principalmente devido ao ano eleitoral.
- PL dos agrotóxicos: A bancada ruralista articula a derrubada dos vetos feitos por Lula ao projeto de lei que altera o processo de autorização para agrotóxicos no país. Lula vetou trechos que centralizavam no Ministério da Agricultura a coordenação de reanálises de riscos e alterações nos produtos já registrados, excluindo a Anvisa e o Ibama.
- Lei orgânica das PMs: O presidente vetou 28 trechos da Lei das Polícias Militares, entre eles o que trata da participação de policiais em manifestações políticas e o que vinculava ouvidorias aos comandantes-gerais. As normas são regulamentadas pelos governos estaduais, mas a legislação serve como diretriz.
Vetos já derrubados em 2023
- Desoneração da folha: Foi derrubado o veto do presidente Lula ao projeto de lei que prorrogou até 2027 a desoneração da folha de pagamento dos 17 setores da economia que mais empregam no país.
- Marco de garantias: Congresso derrubou vetos do presidente à lei que estabelece novas regras para uso de bens como garantia de empréstimos.
- Marco temporal: Com a derrubada do veto de Lula, passou a valer a tese que estabelece que povos indígenas só têm direito à demarcação de terras que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.