Em pelo menos três discursos após a eleição o presidente Lula alfinetou o mercado. Chamou de contraditória algumas reações na Bolsa e no dólar diante de seus movimentos, disse que a Faria Lima precisaria de paciência e reforçou que pobre seguirá no investimento — doa a quem doer. Mas se com os donos do capital especulativo a conversa segue torta, com os empresários da indústria, de serviços e do agronegócio o tom é outro. A equipe de Lula tem tentado se aproximar dos donos do capital físico porque sabe que eles serão essenciais na retomada da economia. Mas não tem sido tarefa fácil. A matéria é da revista IstoÉ.
Durante a campanha eleitoral essa comunicação ficou defasada e a reclamação dos empresários é que ainda não há clareza sobre os planos do governo para estimular os empregos e o papel da cadeia produtiva nessa retomada. Entre as respostas esperadas estão questões que envolvem o crédito facilitado por bancos públicos, desonerações, parcerias e medidas de fomento e pesquisa. Para tratar disso o governo deve anunciar nos primeiros 30 dias de atuação uma agenda permanente de diálogo, interação e construção de políticas públicas com representantes da cadeia produtiva.
E essa tentativa de aproximação começa na figura do vice-presidente Geraldo Alckmin, que tem mais trânsito na indústria e no agronegócio. A articulação também terá a participação de Alexandre Padilha. “O governo Lula sempre foi um governo de muito diálogo, e o presidente está convencido de que isso é fundamental para reerguer o País”, disse Padilha, que foi ministro das Relações Institucionais no primeiro governo Dilma Rousseff. O caminho para essa aproximação seria a recriação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. O Conselhão, como era conhecido nas gestões petistas, era ligado à antiga Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República, mas agora pode ser ampliado para ter participação regional e de empresários de todos os portes. “Essa frente é capaz de dar celeridade nas respostas necessárias para a economia andar”, disse.
Políticas públicas
E o balcão de negociação em Brasília fica mesmo no reformado Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços. A expectativa é que as políticas de fomento, incentivo à pesquisa e tecnologia e programas de capacitação sejam elaboradas na Pasta. Luiz Longo, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirma que, diferentemente das gestões anteriores, o governo Lula III precisa elevar a isonomia na distribuição de benesses. “É preciso que
o MDIC atenda a reivindicação do grande empresário, mas também atue para ajudar os pequenos”, disse. Segundo ele houve desde o segundo governo Dilma um crescente descaso com o pequeno empresário. “Lembro-me da frase do Paulo Guedes [na famosa reunião ministerial de abril de 2020 que teve os vídeos vazados] sobre deixar ‘as pequenininhas quebrarem’. Isso é um absurdo”, disse.
Do ponto de vista de representatividade, as pequenas são gigantes. Segundo o Sebrae, 72% dos empregos gerados no Brasil no primeiro semestre deste ano vieram de empresas micro, pequenas e médias. No acumulado do ano as mais de 18,8 milhões de operações desses portes somarão 30% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o presidente do Sebrae, Carlos Melles, o incentivo a esse perfil de negócio deveria ser prioritário. “Não é exagero afirmar que as micro e pequenas empresas voltaram a ser a locomotiva que puxa a economia brasileira.” Segundo ele, a capacidade de reação desse perfil de empreendedor é fascinante. “É rápida e revertida em geração de empregos, de renda e pagamento de tributos. É bom para todo mundo.”
E para isso, diz Melles, o acesso ao crédito é bastante relevante. “Ele precisa ser direcionado e incentivado, com menos burocracia, simplificando a garantia e a documentação.” No fim das contas, os planos de Lula para o empresário podem ainda não estar claros, mas os planos dos empresários para o terceiro mandato do petista parecem já estar bastante delineados.