O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, em seu primeiro discurso na China, o combate à pobreza e as reformas de organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional e afirmou que o Brasil “está de volta” ao cenário internacional após uma “inexplicável” ausência. Mas o presidente foi além, registra Altamiro Silva Junior, do Estadão, questionando o motivo pelo qual os países precisam do dólar para lastrear seus negócios.
“Toda noite me pergunto por que todos os países estão obrigados a fazer o seu comércio lastreado no dólar. Por que não podemos fazer nosso comércio lastreado na nossa moeda? Por que não temos o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda, depois que desapareceu o ouro como paridade”, questionou o presidente na cerimônia de posse de Dilma Rousseff para comandar o Novo Banco de Desenvolvimento, também chamado de Banco dos Brics – sigla formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Lula disse que o Banco dos Brics “tem um grande potencial transformador”, pois “liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais”.
Além dos quatro novos membros que ganhou no passado recente – Bangladesh, Egito, Emirados Árabes Unidos e Uruguai –, Lula disse que “vários outros” estão em vias de adesão. “E estou certo de que a chegada da presidenta Dilma contribuirá para esse processo”, afirmou.
O fato de uma mulher comandar “um banco global de tamanha envergadura” já é por si só “um fato extraordinário”, disse Lula. “Mas a importância histórica deste momento vai mais além”, emendou, falando que a ex-presidente do Brasil, que assume seu primeiro cargo público desde que sofreu um impeachment em 2016, pertence a uma geração que nos anos 70 lutou para “colocar em prática o sonho de um mundo melhor – e pagaram caro, muitos deles com a própria vida”.
“As necessidades de financiamento não atendidas dos países em desenvolvimento eram e continuam enormes”, disse Lula, defendendo “reformas efetivas” das instituições financeiras tradicionais, como uma forma de aumentar os volumes e as modalidades de empréstimos.
Ao falar das reformas nos organismos multilaterais, Lula citou a Organização das Nações Unidas (ONU), além do FMI, Banco Mundial e cobrou que os países emergentes utilizem “de maneira criativa” o G-20, o grupo dos países mais ricos do mundo, com “o objetivo de reforçar os temas prioritários para o mundo em desenvolvimento na agenda internacional”. Em 2024, o Brasil será o presidente do G20.
Ainda sobre o Novo Banco de Desenvolvimento, Lula disse que a instituição tem “um grande potencial transformador” pois liberta os países emergentes “da submissão às instituições financeiras tradicionais, que pretendem nos governar, sem que tenham mandato para isso.”
No Brasil, os recursos do Banco dos Brics financiam projetos de infraestrutura, programas de apoio à renda, mobilidade sustentável, adaptação à mudança climática, saneamento básico e energias renováveis, mencionou Lula em seu discurso.
Sete anos depois
Dilma voltou a ocupar um cargo público sete anos depois de ter sido afastada da Presidência em contexto político de perda de governabilidade do Executivo. A ex-presidente teve o impeachment aprovado pela Câmara e pelo Senado em um processo legal tendo como justificativa crime de responsabilidade pela prática das chamadas “pedaladas fiscais” (atrasos de pagamentos a bancos públicos) e pela edição de decretos de abertura de crédito sem a autorização do Congresso. Na esteira da turbulência política, a gestão Dilma no Planalto resultou numa grave crise econômica, com queda no PIB e desemprego em alta.
Sabatinada pelas autoridades estrangeiras e eleita mês passado para comandar a instituição, Dilma foi candidata única, escolhida por Lula. O mandato dela vai até julho de 2025. Ela substituiu o diplomata e economista Marcos Troyjo, que era da equipe de Paulo Guedes. A ex-presidente deve ganhar cerca de US$ 500 mil (R$ 2,5 milhões) por ano à frente da instituição, equivalente ao valor pago pelo Banco Mundial.
O banco dos Brics foi criado após reunião de cúpula dos chefes de Estado, realizada em Fortaleza, em 2014, durante o mandato de Dilma como presidente. Uma das intenções era ampliar fontes de empréstimos e fazer um contraponto ao sistema financeiro e instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Atualmente, a carteira de investimentos é da ordem de US$ 33 bilhões.