Um dia após ser eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deu início à negociação com partidos de centro na tentativa de garantir governabilidade e desmontar o que aliados chamam de bomba fiscal para 2023.
O MDB e PSD serão procurados, bem como partidos que integram a base de Jair Bolsonaro (PL), em meio ao cenário de pressão sobre o petista, que tentará também construir um cenário de apoio no Legislativo após aliados do atual presidente terem saído fortalecidos no primeiro turno da eleição.
O presidente eleito também iniciou a montagem de uma equipe de transição que se debruçará sobre o Orçamento do ano que vem para revisão das propostas, enquanto parlamentares destacados por Lula buscam partidos que estavam fora da aliança que o elegeu para garantir aprovação de seus projetos.
A equipe deverá se dedicar à busca de fontes de financiamento. Auxiliares do presidente eleito defendem que, junto ao Orçamento, o Congresso aprove uma medida apelidada pelo mercado de “waiver”, que seria uma autorização excepcional para gastos acima do teto.
Na tarde desta segunda-feira (31), a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann (PR), afirmou que irá buscar os presidentes do MDB, Baleia Rossi, e do PSD, Gilberto Kassab, para conversar.
“Vamos procurar a partir de hoje o presidente Baleia, o presidente Kassab, presidentes de outros partidos também”, disse.
Parlamentares com bom trânsito no Congresso estão sendo escalados para conversar com deputados e senadores em fim de mandato. A equipe de Lula enxerga neles risco de aprovação de pautas bomba —uma vez que eles não estarão de volta na próxima legislatura.
Segundo Gleisi, nesta terça (1º) será realizada uma reunião com os presidentes das legendas que apoiam Lula e líderes do Congresso desses partidos “para começar a organizar” a transição, “que se dá também do ponto de vista do Legislativo”.
“Tem várias pautas tramitando no Congresso Nacional que são importantes para o Brasil e que nós precisamos discutir, conversar com esse Congresso ainda. Não apenas o que foi eleito a partir de 2023”, afirmou.
O Congresso que emergiu da eleição deu força a alguns partidos que hoje apoiam Jair Bolsonaro. O PL, por exemplo, terá 99 representantes na Câmara, entre aliados fieis do atual presidente e outros mais ligados a Valdemar Costa Neto, dirigente da sigla.
No Senado, a bancada bolsonarista também cresceu e terá nomes como Sergio Moro (União Brasil-PR) e Damares Alves (Republicanos).
Além disso, há ameaças de que apoiadores de Bolsonaro, contrariados com o resultado das eleições, possam causar tumultos. Como a Folha mostrou, manifestações de caminhoneiros que ocorrem pelo país após a eleição de Lula acenderam um sinal de alerta na equipe do petista.
A avaliação de aliados é a de que se trata de um movimento político contrário a Lula.
Nesta segunda (31), o nome mais cotado para coordenar a transição era o do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). Gleisi e o ex-ministro Aloizio Mercadante também eram apontados como candidatos à função.
O coordenador ganha status de ministro extraordinário, segundo a lei que regulamenta as trocas de governo.
Caso Alckmin seja recrutado, Mercadante, que coordenou o programa de governo, poderia ser uma espécie de ministro-adjunto. O governo eleito tem o direito a 50 cargos, incluindo o coordenador.
A ideia é que os nomes comecem a ser indicados pelo eleito à gestão Bolsonaro ainda nesta semana.
No fim da tarde de segunda, Gleisi ligou para Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil de Bolsonaro. Na conversa, descrita como respeitosa, ele se colocou à disposição para ajudar na transição.
Ciro Nogueira disse ainda que está esperando orientação do presidente para indicar a equipe. Cabe ao próprio presidente eleito indicar o coordenador, para que a Casa Civil o nomeie.
Além disso, Alckmin e o atual vice-presidente, general Hamilton Mourão (Republicanos), eleito senador pelo Rio Grande do Sul, também se falaram por telefone.
A transição é regulamentada por uma lei aprovada em 2002 e um decreto editado em 2010. Ela tem início com a proclamação do resultado da eleição e se encerra com a posse do novo presidente. O orçamento para a transição é de R$ 3,2 milhões.
Do lado do governo Bolsonaro, o decreto atribui a coordenação da transição à Casa Civil, que fica responsável pela articulação entre a equipe de transição e a atual administração.
Confiantes na reeleição do atual presidente, que acabou não se concretizando, a atual administração não adotou, de forma coordenada, preparativos prévios para um cenário de mudança de governo, segundo interlocutores ouvidos pela Folha.
É na transição que a equipe do presidente eleito obtém informações detalhadas sobre a situação das contas públicas, dos programas e projetos do governo federal, bem como do funcionamento dos órgãos.
Essa etapa é crucial para que o futuro chefe do Executivo possa traçar um plano de ação e tomar decisões sobre os primeiros passos ao assumir o cargo.
Há temor no PT de que o governo Bolsonaro dificulte a transição, mas a equipe jurídica já prepara meios de garantir o compartilhamento de dados, caso exista algum contratempo.
As medidas estudadas são recorrer à Justiça ou buscar intermediação com o Congresso, para que parlamentares peçam esclarecimentos à gestão Bolsonaro.
A parlamentar disse também que o fato de Bolsonaro demorar para reconhecer o resultado das eleições “é ruim para o Brasil”. “Nós temos uma legislação que diz respeito à transição, temos instituições sólidas no país e isso vai garantir que a gente faça a transição de governo, independentemente do presidente Bolsonaro.”
Ainda durante a campanha, Lula pediu à coordenação de governo que elaborasse uma série de propostas que pudessem ser postas em prática nos seis primeiros meses do governo.
A avaliação de Lula é que pegará um governo em situação econômica muito ruim e uma população passando necessidades. Por isso, precisa de medidas que tenham impacto direto na ponta.
Por isso, a previsão é que haja já nos primeiros 100 dias iniciativas de combate à fome e a reformulação do Auxílio Brasil, com a recuperação do Bolsa Família.
Há ainda uma ideia de derrubar o preço do botijão de gás ao patamar de R$ 70 nos seis primeiros meses do ano que vem, iniciando uma mudança na política de preços da Petrobras.
O petista dedicou a segunda-feira (31) para conversar com lideranças internacionais. As agendas são vistas como forma de o presidente eleito ocupar um espaço vazio e marcar posição sobre sua eleição enquanto Bolsonaro não o reconhece.
Lula conversou por telefone com o presidente americano Joe Biden e se reuniu em um hotel em São Paulo com o presidente argentino, Alberto Fernández —e ficou acertado que a primeira viagem internacional do presidente eleito será à Argentina.
O petista falou com 20 chefes de Estado nesta segunda-feira, entre eles Biden. Fizeram telefonemas os europeus Emmanuel Macron, Olaf Scholz e Pedro Sánchez, entre outros.
Lula deverá tirar alguns dias para descansar ainda nesta semana. A expectativa é que ele vá para a Bahia.