O fretamento de uma aeronave similar à usada pelo empresário José Seripieri Filho para transportar o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva do Brasil ao Egito pode custar conforme a coluna de Malu Gaspar, do O Globo, no mínimo R$ 1 milhão e no máximo R$ 2,8 milhões, conforme o modelo e a forma de aluguel utilizados.
Essas são as estimativas colhidas pela equipe da coluna junto a um especialista da área de aviação que atua no mercado (ouvido em caráter reservado) e em sites de fretamento de aeronaves.
O cálculo diz respeito a uma aeronave com autonomia para fazer voos diretos de Guarulhos, em São Paulo, até o aeroporto de Sharm El Sheik e engloba todos os gastos envolvidos no fretamento – combustível, taxas aeroportuárias e de sobrevoo de países, e despesas com o plano de seguro das turbinas.
No caso de contratos feitos diretamente entre pessoas jurídicas – por exemplo, entre o PT e uma grande empresa de fretamento – o custo pode ficar em torno do R$ 1 milhão, com desconto. Já para particulares que precisem do avião de um dia para o outro, o valor quase triplica.
Segundo o site Flapper.com, de fretamento de aeronaves, o valor de uma viagem de ida e volta ao Egito para um grupo de seis pessoas em um avião como o Gulfstream 600 usado por Seripieri seria R$ 2,8 milhões.
O valor, porém, não será cobrado de Lula. De acordo com o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), Lula viajou de “carona” para Sharm el-Sheikh, balneário egípico onde participa da conferência climática COP27.
“Hoje, o Lula é uma pessoa física. Ele, por conta disso, não tem qualquer regra que o impeça de pegar carona, seja de São Paulo para Teresina, seja de São Paulo para o Egito”, disse Dias no programa Roda Viva, na última segunda-feira (14).
“O PT não tinha dinheiro para fretar uma aeronave para ir ao Egito. Alguém dá uma carona, qual é o problema?”, completou Dias.
Na verdade, o PT já recebeu R$ 78 milhões via Fundo Partidário só neste ano, dinheiro público destinado ao custeio de atividades de interesse do partido. A legenda teve direito, ainda, a cerca de R$ 500 milhões do Fundo Eleitoral, para financiar exclusivamente gastos relacionados à campanha.
Nos últimos dias, nós consultamos cinco advogados especializados em direito eleitoral e três ex-ministros do TSE sobre a possibilidade de o PT fretar um voo privado para transportar Lula usando o dinheiro do Fundo Partidário.
Três advogados e dois ex-ministros, que pediram para não ser identificados, alegam que não há impedimento legal para o fretamento. Já outros dois advogados e um ex-ministro do TSE avaliam que a viagem de Lula ao Egito não poderia ser considerada uma despesa de caráter partidário.
Fundador da rede Qualicorp e dono da Qsaúde, o empresário Seripieri Filho doou R$ 660 mil para o PT e outros R$ 500 mil para a campanha de Lula à reeleição. O empresário e o presidente eleito são amigos há mais de dez anos.
Conforme revelou a coluna, a doação do empresário para o PT entrou na mira de técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Num relatório preliminar, a equipe de auditoria apontou que a legenda só informou à Corte o repasse do empresário após o primeiro turno, não respeitando o prazo de 72 horas fixado em resolução interna. Assim, a doação do empresário só veio a público após o primeiro turno.
A “carona” de Seripieri também levantou questões éticas sobre as motivações do empresário com o favor – e as relações entre Lula e expoentes da iniciativa privada, que se tornaram alvos de investigações.
É uma postura diferente de sua sucessora, Dilma Rousseff, que em 2010 pegou um voo comercial para ir à Coreia do Sul, em sua primeira viagem internacional após as eleições. Na ocasião, Dilma participou de uma reunião do G20 em Seul.
A equipe da coluna conversou com cinco integrantes do Ministério Público Federal, de diferentes alas, que já ocuparam ou ainda ocupam cargos na cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Embora concordem que a “carona” em si não configura crime, eles também apontam que a situação deveria ser evitada, já que futuramente o presidente eleito pode tomar decisões que atinjam os interesses do empresário.
“Lula deveria evitar a carona, mas crime não tem. Amanhã é melhor não dar nenhum benefício para esse empresário”, disse um subprocurador.
“Como ele ainda não ocupa o cargo de presidente da República, creio que não há nenhuma regra legal que o impeça de pegar a carona. De qualquer forma, o melhor, para o país, seria sempre uma maior separação para evitar qualquer desconfiança de conflito de interesses”, concorda um ex-integrante da cúpula da PGR.
Para um atual integrante da cúpula da PGR, a conduta de Lula pode ser alvo de críticas no universo político, mas não na esfera jurídica. “Deixa a política criticar, mas não dá para criminalizar. Pecado não é crime”, opina.