Apesar disso, conforme reportagem de Leandro Prazeres, da BBC News Brasil, existe um ponto no qual os dois países vêm divergindo e que poderá ser abordado durante a passagem de Lula pelo país: a ampliação do Brics, o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Há alguns anos, a China vem tentando ampliar o grupo para agregar mais países, mas os outros membros veem esse movimento com ressalvas, incluindo o Brasil.
O funcionamento do Brics é um dos temas discutidos durante o encontro entre Lula e o presidente chinês, Xi Jinping, e a possível expansão do grupo deverá ser abordada na próxima reunião de cúpula do Brics, prevista para agosto deste ano, em Durban, na África do Sul.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil e diplomatas com quem a reportagem conversou em caráter reservado explicaram o que vem levando a China a buscar a ampliação do Brics e o que vem fazendo com que o Brasil e outros países resistam a essa ideia.
O que é o Brics?
O termo “Brics” surgiu em 2001 e foi cunhado pelo economista inglês Jim O’Neil para designar um grupo de países inicialmente formado pelo Brasil, Rússia, Índia e China em função das perspectivas de crescimento acentuado de suas economias.
Em 2006, os quatro países começaram a se reunir de forma conjunta e, em 2011, a África do Sul passou a fazer parte formalmente do grupo.
Atualmente, o países do Brics têm uma população somada de quase 3,7 bilhões, o equivalente a 46% do total global.
Estimativas indicam que, juntas, as economias dos países do grupo chegam a praticamente um terço do produto interno bruto do planeta.
Desde então, os cinco países realizam diversas reuniões multilaterais para debater temas econômicos e políticos.
O grupo passou, então, a ser visto como um fórum multilateral alternativo àqueles considerados mais tradicionais como o G7 (grupo dos sete países mais desenvolvidos do mundo) e o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).
Em 2014, o grupo criou o Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como o “Banco do Brics”. Atualmente, a instituição é presidida pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff. O banco é considerado a principal estrutura executiva do grupo.
Nos últimos anos, a ideia de ampliação do Brics passou a ser defendida abertamente por lideranças chinesas.
“A China propõe iniciar o processo de expansão do Brics, explorar um critério e procedimentos para a expansão e, gradualmente, formar um consenso”, disse o ministro de Relações Exteriores da China, Wang Yi, em maio de 2022.
Apesar de a proposta ainda não ter sido implementada no âmbito político do grupo, a China conseguiu liderar um processo de expansão do número de integrantes do NDB.
Além dos membros iniciais do grupo, agora fazem parte do banco os Emirados Árabes Unidos, o Egito e Bangladesh. A adesão do Uruguai ainda está em análise.
Especialistas avaliam que a China quer ampliar a composição do Brics para aumentar sua esfera de influência sobre países e regiões onde Estados Unidos e União Europeia estão menos presentes.
“A expansão do Brics aumenta a possibilidade de influência da China e coordenação de países e isso interessa muito ao país. A China está preocupada em ampliar o Brics para manter um espaço onde ela consegue ter voz. Quanto mais países houver no grupo, maior a zona de influência da China”, disse a diretora do think-tank BRICS Policy Center, Ana Garcia Saggioro.
O movimento chinês coincide com o momento em que as relações entre a China e os Estados Unidos estão estremecidas. Nos últimos anos, as autoridades norte-americanas vêm tratando a China como um adversário no cenário global e os dois países vêm trocando acusações mútuas.
Pablo Ibanez, professor de Geopolítica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e pesquisador visitante da Universidade Fudan, na China, o país liderado por Xi Jinping vem pressionando os demais membros para aumentar o grupo.
“A China está centralizando essa ação e os outros países estão sendo menos consultados e isso vem gerando alguns ruídos no grupo”, disse o professor.
Entre os países que vêm sendo cogitados para integrar uma versão ampliada do grupo estão países como a Argentina, Irã e Arábia Saudita.
Em 2022, o governo argentinou chegou a anunciar que tinha o apoio formal da China para ingressar no grupo.
Por que o Brasil vê a proposta com ressalvas?
Diplomatas ouvidos pela BBC News Brasil em caráter reservado dizem ver com ressalvas as propostas de ampliação do Brics.
Um diplomata afirmou à reportagem que o aumento no número de países poderia resultar em uma diluição da influência do Brasil sobre o grupo que ele mesmo ajudou a fundar.
Segundo ele, não faria sentido o Brasil se empenhar em criar um fórum alternativo à hegemonia americana no mundo para, posteriormente, ficar sujeito à hegemonia chinesa. Apesar da pressão de Pequim, o governo chinês, segundo ele, não teria dado algum tipo de ultimato ao grupo.
Em entrevista concedida ao portal Metrópoles fevereiro deste ano, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, disse não se opor diretamente ao processo. Ele afirmou que caso os países do bloco formem um consenso, o Brasil teria, inclusive, um candidato: a Argentina.
“Já foi dito, em mais de uma ocasião, que a Argentina seria a candidata defendida pelo Brasil numa eventual expansão do Brics”, disse Vieira à época.
As ressalvas em relação ao projeto de expansão do Brics não são apenas brasileiras.
Analistas avaliam que a Índia também oferece resistência à ideia. Segundo eles, o governo indiano defende que a ampliação do grupo não aconteça por meio de convites ou apenas com base no apoio político de integrantes do bloco.
A Índia defende que os países que queiram ingressar no grupo precisam atender critérios ainda a serem definidos.
A posição é semelhante à de autoridades da África do Sul, que também defende o estabelecimento de critérios a serem analisados para incluir novos países no grupo.
A ideia de estabelecer critérios para admissão de novos parceiros constou do comunicado conjunto divulgado na última reunião de cúpula do Brics, em 2022.
“Continuaremos a definir prioridades claras em nossa ampla cooperação, com base no consenso, e tornar nossa parceria estratégica mais eficiente, prática e orientada para resultados”, diz um trecho do documento.
Um ex-diplomata brasileiro ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado disse que a tendência é de que o movimento chinês de expansão do bloco se consolide ao longo dos anos.
Segundo ele, seria difícil impedir o desejo chinês de ampliação do grupo por muito tempo dado o tamanho do seu peso econômico e político.
Ele diz, no entanto, que, ao menos por enquanto, o Brasil não precisará se opor diretamente à China uma vez que a Índia, outro “peso-pesado” do grupo, tenderia a bloquear a expansão.
Esse ex-diplomata afirmou que uma das soluções possíveis para esse impasse seria a adoção de um modelo híbrido em que novos atores sejam admitidos, mas com status de convidado, a exemplo do que, geralmente faz o G7.