O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu pagar R$ 9 bilhões em emendas do orçamento secreto negociadas pelo antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que estão segundo Daniel Weterman, do Estadão, “penduradas” e foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O Palácio do Planalto, porém, não colocou em prática nenhum procedimento para dar transparência à negociação. As verbas serão liberadas pelos ministérios das Cidades e da Integração Nacional e Desenvolvimento Regional – R$ 333,6 milhões já foram quitados.
A decisão é mais um movimento de Lula na tentativa de acalmar o Congresso e conseguir algum conforto nas votações, após as primeiras derrotas sofridas com o Projeto de Lei das Fake News e o Marco Legal do Saneamento Básico. As verbas poderão ser pagas a conta-gotas, conforme o resultado das votações e a fidelidade dos parlamentares. Conforme o Estadão revelou, o presidente mandou pagar R$ 10 bilhões em emendas do Orçamento de 2023, mas ele é pressionado também pela liberação do saldo deixado por Bolsonaro.
Líderes do Centrão agem para manter o controle do caixa federal, pressionando o governo a preservar o esquema criado por Bolsonaro em 2019. As ameaças do bloco que dominou o Orçamento nos últimos três anos incluem não aprovar nenhuma medida provisória de Lula e tirar o sossego do presidente nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Enquanto um lado pede dinheiro para votar e outro espera os votos para pagar, a crise aumentou.
Em março, o Estadão revelou que o governo Lula decidiu usar um modelo sem transparência para repassar os recursos negociados com o Congresso. A articulação ficou concentrada na Secretaria de Relações Institucionais, sob comando do ministro Alexandre Padilha. O chefe da pasta começou a sofrer uma “fritura” no Legislativo, até receber uma ordem do presidente para começar a abrir o cofre.
Na campanha eleitoral, o orçamento secreto de Bolsonaro foi duramente criticado por Lula. O então candidato petista à Presidência chegou a dizer que o mecanismo era “a excrescência da política brasileira” e o “maior esquema de corrupção da história”. Em dezembro do ano passado, mais de um ano após o Estadão revelar o esquema, o Supremo declarou o orçamento secreto inconstitucional e determinou a devolução dos recursos para o controle total do governo.
Agora, pressionado pelos parlamentares, o governo Lula decidiu liberar o saldo do orçamento secreto de Bolsonaro. São verbas para asfalto, compra de tratores e outros projetos que bancaram obras superfaturadas e desviadas para prefeituras e empresas de parentes e aliados dos políticos. Os ministérios vão pagar os recursos atendendo as mesmas indicações dos parlamentares, mesmo que informalmente e de forma secreta, o que na prática descumpre a decisão do STF.
Outro favorecido é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que negociou o rateio interno das verbas apadrinhadas pelos parlamentares e é pressionado por colegas a exigir do governo o pagamento do dinheiro. Lira cobrou pessoalmente o presidente Lula pelo pagamento das verbas “penduradas”. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também tem emendas secretas que indicou e que agora poderão ser destravadas. Ele pretende enviar R$ 960 mil para pavimentação em Papagaios (MG).
Portarias
No dia 19 de abril, o Ministério da Integração Nacional e do Desenvolvimento Regional editou uma portaria para liberar os recursos do orçamento secreto negociados em 2020, 2021 e 2022 que ainda não foram pagos. A pasta possui R$ 9 bilhões em emendas dessa modalidade do período de Bolsonaro que ainda não foram quitadas. No dia 3 de maio, a pasta das Cidades assinou uma portaria com o mesmo conteúdo, destravando R$ R$ 53,5 milhões que estão sob guarda-chuva do órgão.
O Ministério da Integração, comandado pelo ministro Waldez Góes, confirmou à reportagem que vai liberar os recursos para as mesmas obras e municípios que os parlamentares indicaram no passado e que já tiveram dinheiro liberado (empenhado, no jargão técnico). A pasta defendeu o pagamento como forma de “cumprir os compromissos firmados pela União, especialmente em relação às obras em andamento e retomada das paralisadas”.
Waldez Góes é apadrinhado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), um interessado na liberação dos recursos. Só com uma emenda, Alcolumbre destinou R$ 95,8 milhões do orçamento secreto para pavimentação no município de Santana (AP), seu reduto eleitoral, em 2020.
Questionado pelo Estadão, o ministério enviou dois links que supostamente dariam transparência para a execução dos recursos. Nenhuma das páginas da internet, porém, oferece informações com o nome dos parlamentares beneficiados. O Ministério das Cidades, por sua vez, não respondeu às perguntas da reportagem.
Bolsonarista e opositor ferrenho do PT, o senador Márcio Bittar (União Brasil-AC) é o autor da emenda do orçamento secreto de maior valor que ainda não foi paga. São R$ 126,4 milhões para pavimentação de rodovias no Acre. “Se fosse só eu, ele passava por cima, mas é o Congresso inteiro, é deputado e senador de tudo quanto é partido”, disse o parlamentar. “Ele tinha de fazer isso. Primeiro, porque é legal. Segundo, porque não tinha mais o que fazer.”
Se fosse só eu, ele passava por cima, mas é o Congresso inteiro, é deputado e senador de tudo quanto é partido. Ele tinha que fazer isso. Primeiro, porque é legal. Segundo, porque não tinha mais o que fazer
Márcio Bittar (União Brasil-AC), relator do Orçamento de 2021
A Secretaria de Relações Institucionais, de Alexandre Padilha, afirmou que o STF autorizou, ao declarar o orçamento secreto inconstitucional, a execução das verbas “conforme orientação dos ministros de Estado titulares das pastas contempladas pelos recursos, desde que de acordo com os critérios estabelecidos para as políticas públicas de cada órgão”. O ministério, no entanto, não divulgou nenhum instrumento para dar publicidade às negociações políticas, mesmo após ter prometido dar publicidade.