O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai levar à China de acordo com Eliane Oliveira, na viagem que fará ao país no fim do mês, os detalhes finais de uma negociação que já está avançada: a retomada da antiga fábrica da Ford, em Camaçari, na Bahia, pela montadora chinesa BYD, uma das maiores fabricantes de carros elétricos do mundo. Lula deve defender que fornecedores de peças, baterias e pneus acompanhem a indústria automobilística e se instalem no polo da região.
A Ford fechou as portas há pouco mais de um ano e é uma das grandes preocupações do governo, que tenta promover a reindustrialização da economia brasileira, preservar empregos e tentar reverter o efeito dominó que a medida causou sobre a rede de fornecedores que foi para a região seguindo a indústria automobilística. Ao mesmo tempo, Lula afaga a Bahia, estado que lhe rendeu 72% dos votos na disputa com Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição.
As discussões vêm de algum tempo e resultaram na assinatura de um protocolo de intenções, no fim do ano passado, entre o governo da Bahia — Lula entrou em campo só este ano — e a montadora chinesa. A BYD se comprometeu a investir R$ 3 bilhões na planta, se as conversas levarem de fato à reativação da fábrica da Ford. Ao GLOBO, a montadora chinesa disse que ainda não há decisão final.
Uma fonte afirmou que a empresa poderá assumir o polo automotivo de Camaçari no mês que vem, com produção estimada para começar em 2024. Dirigentes da montadora chinesa estariam a caminho do Brasil nos próximos dias para reforçar a negociação.
Preço alto
Segundo um interlocutor do setor privado, a avaliação no mercado é que, das fábricas que foram fechadas da Ford nos últimos anos, a de Camaçari é a que oferece potencial e pode ser aproveitada. A montadora anunciou, em janeiro de 2021, o fechamento de três plantas no Brasil, após mais de cem anos no país. A decisão afetou Camaçari, Taubaté (SP) e Horizonte (CE).
O motivo alegado foi o registro de prejuízos, permeados pela pandemia de Covid-19.
Júlio Bonfim Costa Filho, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Camaçari, aposta no aproveitamento da fábrica e acredita na formalização do negócio este mês.
— O governo Bolsonaro não tinha qualquer responsabilidade com a reindustrialização no país — disse o sindicalista, que estima uma perda de 50 mil postos de trabalho, diretos e indiretos, com o fechamento da fábrica de Camaçari.
De acordo com um interlocutor, o assunto chegou a ser discutido, na última quinta-feira, em reunião, em Brasília, entre o ministro da Casa Civil, Rui Costa — que assinou o protocolo com a BYD como governador da Bahia —, o atual governador do estado, Jerônimo Rodrigues, e o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao.
Antonio Jorge Martins, coordenador dos cursos da área automotiva da Fundação Getulio Vargas (FGV), não vê um mercado de veículos elétricos a curto prazo no país. A principal razão é o preço: um carro híbrido (movido a combustível e a eletricidade) vale, no mínimo, entre R$ 160 mil e R$ 170 mil, um elétrico não custa menos de R$ 250 mil:
— Os veículos elétricos têm valor unitário muito elevado, e a sociedade brasileira como um todo não teve um aumento de salários da mesma ordem da elevação de custos para as indústrias automobilísticas.
Ele explicou que os carros elétricos, que têm tecnologia nova e baterias em desenvolvimento, são caros no mundo inteiro. Porém, há países em que poder de compra é maior:
— No Brasil, uma camada da sociedade muito pequena teria acesso e esses veículos.
O especialista em indústria automotiva Cassio Pagliarini, da Bright Consulting, ressaltou que as instalações em Camaçari são imensas. Eram fabricados mais de 250 mil veículos por ano.
Ele destacou que essa fábrica está inserida na legislação de incentivos para empresas do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste, aprovados pela Medida Provisória 987/2020. Os benefícios da MP foram prorrogados até o fim de 2025:
— A BYD deve estar fazendo suas contas e verificando se vale a pena ficar com essa imensa instalação, tendo como contrapartida os incentivos oferecidos e talvez pensando numa eventual extensão do prazo para os incentivos. Se a negociação prosseguir, certamente a produção de veículos da BYD será bem inferior à capacidade física dessa fábrica.