Se a Alemanha não fosse uma democracia, o grupo de Angela Merkel não teria sido derrotado nas eleições, após 16 anos no poder. Também não teria ocorrido o recente encontro entre Lula e o futuro chanceler alemão, de um partido adversário.
Se a Nicarágua fosse uma democracia, Lula não teria dito, há poucos meses, que as coisas “não andam nada bem por lá”. Além disso, o ex-presidente não teria aconselhado Daniel Ortega a defender a liberdade no país, e o PT não teria apagado uma nota que celebrava a vitória governista numa eleição marcada pela prisão de opositores do regime.
Lula conhece essas diferenças, mas encaixou uma comparação descabida numa entrevista ao jornal espanhol El País: “Por que Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder, e Daniel Ortega, não?”, questionou.
O petista se referia à permanência de políticos no poder por longos períodos, não ao processo de escolha desses líderes. Uma das entrevistadoras, no entanto, precisou lembrar que, ao contrário da alemã, Ortega havia encarcerado seus potenciais adversários. Lula fez uma emenda e disse que, se isso ocorreu, o nicaraguense “está totalmente errado”.
A hesitação contínua do ex-presidente em condenar avanços autoritários pelo mundo não revela nenhuma tentação ditatorial. Mas o episódio mostra que, em nome de seus laços internacionais, Lula e o PT estão dispostos a contratar um problema desnecessário para 2022.
Os petistas sabem que rivais vão explorar as declarações generosas de Lula sobre os regimes de Cuba, Venezuela e Nicarágua para pintar uma falsa imagem de descompromisso com a democracia. O partido diz que os críticos desvirtuam as opiniões do ex-presidente, mas também se recusa a produzir uma mensagem consistente sobre os abusos cometidos nesses países.
Aliados de Lula acreditam que a eleição será definida por questões econômicas, não por um debate sobre a saúde da democracia em outros países. Para não frustrar seus militantes, o PT prefere insistir no erro.