Créditos de carbono são um mecanismo criado pelo Protocolo de Kyoto, em 1997, pelo qual países que emitem menos gás carbônico na atmosfera do que suas metas recebem créditos que podem vender a outros países com dificuldade em reduzir sua própria poluição. Na prática, é como se a China comprasse do Brasil uma espécie de licença para poluir um dado limite adicional à sua própria meta original de emissões.
A negociação entre Brasil e China se dá em um contexto no qual a pauta ambiental tornou-se uma prioridade na agenda internacional do novo governo Lula. Nos últimos anos, o Brasil viu sua taxa de emissões ultrapassar mais de 30% a meta estabelecida no Acordo de Paris e se tornou o quinto maior poluidor do mundo, atrás apenas de China (1o), EUA (2o), Índia (3o) e Rússia (4o). Mas diferentemente dos demais países na lista – cujas emissões são geradas por uso de combustível fóssil para energia, no Brasil, o desmatamento é responsável por cerca de metade do carbono liberado na atmosfera.
Ao mesmo tempo em que promete zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 – o que derrubaria os índices de carbono brasileiros, Lula já demonstrou frustração por não ver os instrumentos criados nos fóruns multilaterais, como um mercado internacional de carbono, serem implementados.
“Uma das agendas do presidente Lula é o comércio de carbono entre os dois países. Essa relação de ‘parceria estratégica’ com a China deve gerar oportunidades como um acordo de enfrentamento da crise climática em que a China, que tem as maiores emissões, possa se juntar com o Brasil, país que tem a maior biodiversidade e nesta junção criarem o maior mercado de carbono do mundo, fundamental para esta transição para um modelo de produção e consumo descarbonizado”, afirmou, em Xangai, Jorge Viana, ex-senador e atual presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil).
“O Brasil tem hoje a oportunidade de trazer US$ 10 bilhões anualmente com a criação de um mercado regulado internacional de carbono. O Brasil presta serviços biossistêmicos para o mundo”, afirmou Pablo Machado, diretor-executivo da Suzano na China. Com o plantio de 1,2 milhão de mudas de árvores por dia, a empresa brasileira de celulose é superavitária em carbono e poderia se beneficiar da criação de um mercado internacional de créditos. Machado, no entanto, se recusou a estimar o tamanho dos ganhos da Suzano porque a empresa é listada em bolsa.
A companhia acaba de inaugurar um laboratório de inovação em Xangai. A China compra atualmente 45% de toda a produção de celulose de eucalipto da Suzano.
Novo eixo da relação
Embora seja atualmente a maior emissora de carbono do mundo, a China tem investido em soluções para adequar sua economia a um desenvolvimento mais sustentável. O país é líder mundial na produção de placas fotovoltaicas para geração de energia solar e na fabricação de automóveis elétricos. Em 2021, os chineses regulamentaram seu mercado nacional de créditos de carbonos (com 4 bilhões de toneladas de CO2), que já é o maior do mundo. Mas ainda não contam com um arcabouço internacional do gênero, algo que seria relevante para o país já que, apesar do esforço interno, a China segue dependente de uma matriz energética extremamente poluente, baseada em carvão e petróleo.
Em um seminário promovido pela Apex com empresários chineses, em Pequim, o embaixador do Brasil na China, Marcos Galvão, fez questão de anunciar, genericamente, o lançamento “de um novo eixo das relações Brasil-China”.
“A construção de uma parceria cada vez mais forte para o desenvolvimento sustentável de ambos os nossos países, (com) parceria na transição energética, descarbonização, no mercado de créditos de carbono, combate à mudança do clima, desenho e compartilhamento de novas tecnologias, preservação da biodiversidade e estabelecimento de atividades econômicas que ofereçam alternativas de prosperidade em áreas ameaçadas por práticas danosas ao meio ambiente”, afirmou Galvão.
Empresários brasileiros ouvidos pela BBC News Brasil disseram reservadamente que, embora os chineses ainda não exerçam pressão semelhante a dos compradores europeus por uma produção limpa, essa já é uma preocupação do país, que compra matéria-prima brasileira para manufaturar e exportar para a Europa e por isso também está sujeita às regulamentações ambientais da União Européia.
“A China está adotando medidas muito fortes pra descarbonizar”, diz Viana, que defendeu na China que o Brasil não pode esconder seu recente passado de desmatamento, em uma declaração que desagradou representantes do agronegócio brasileiro, frequentemente relacionado a práticas de desmatamento.
Viana se desculpou por “qualquer mal entendido” provocado por suas declarações e afirmou que suas ponderações se referiam ao governo de Jair Bolsonaro, que “estimulou desmatamento no país”.
China dá as boas-vindas à Dilma
Nesta sexta (31/3), Viana teve uma reunião com a ex-presidente Dilma Rousseff, que recém assumiu a liderança do banco dos BRICS (bloco composto por Brasil, Rússia, índia, China e África do Sul) para propor que o total de financiamentos destinado para a produção agropecuária salte de US$ 200 milhões para US$ 500 milhões. A linha de financiamento, com juros de 7%, seria exclusiva para exportadores.
“Eu estou aqui para valorizar essas empresas (do agronegócio). Conversei com a presidente Dilma para que a gente busque ampliar ou trazer de volta uma carteira que o agronegócio tinha para o governo brasileiro. O Banco dos BRICS é uma oportunidade”, disse Viana.
Dilma assumiu o posto de presidente rotativa da instituição bancária que cabe ao Brasil até 2025 em substituição a Marcos Troyjo.
“Como país anfitrião, a China dá as boas-vindas a Rousseff para assumir seu novo cargo, continuará a aprofundar a cooperação geral com o NDB e a apoiará totalmente em seu bom desempenho de funções na China”, disse nesta quinta, 30/3, o porta-voz do governo Mao Ning.