Quase seis meses após tomar posse, o presidente Lula (PT) assistiu nos últimos dias à demonstração mais contundente de insatisfação da Câmara dos Deputados com o governo e correu o risco de ver boa parte do desenho que fez para os seus ministérios ser apagada.
A medida provisória que reestrutura o governo federal foi aprovada na noite de quarta-feira (31), após ameaça dos deputados de derrotarem a MP diante da insatisfação generalizada com a articulação política do Planalto.
Na avaliação de parlamentares ouvidos pela reportagem, esse momento pode ter representado um divisor de águas na relação do governo com a Câmara.
Os próximos passos, segundo deputados e integrantes do governo, definirão a relação que Lula terá com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
O Palácio do Planalto sabe que hoje não tem votos suficientes para aprovar medidas de interesse sem a influência do presidente da Câmara.
Segundo Lira e o próprio Lula, o Planalto tem asseguradas cerca de 130 de 513 cadeiras no plenário —embora a base com partidos que integram o governo seja maior.
De agora em diante, avaliam deputados, Lula terá de agir para reparar as arestas em sua articulação política e dar celeridade à liberação de emendas e nomeações de cargos regionais —as duas principais demandas dos congressistas— sob pena de sofrer mais derrotas na Casa.
Para além disso, um pedido recorrente de parlamentares é por prestígio e para que Lira seja mais empoderado.
Isso significa também abrir espaço na máquina federal para outras legendas, como PP, Republicanos e até o PL, que apoiaram a reeleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2022 —alguns no primeiro, outros no segundo escalão.
A hipótese foi aventada pelo próprio Lira. Em entrevista à GloboNews na quinta-feira (1º), o parlamentar afirmou que o governo federal se predispôs a montar a sua base parlamentar dando ministérios para partidos que o apoiaram na campanha, além de MDB, PSD e União Brasil —e defendeu ser lógico que essa alternativa possa ser usada a outras legendas no intuito de aumentar a base.
Deputados do centrão e aliados do petista afirmam ainda considerar serem inevitáveis mudanças no ministério, mesmo pontuais, depois do recesso parlamentar, em julho.
A avaliação é que partidos que comandam pastas não estão entregando votos —e os que se declaram independentes e até mesmo da oposição, por outro lado, estão votando junto com o governo em algumas matérias.
A situação da União Brasil, que tem três ministérios, é considerada a mais frágil. Isso porque Daniela Ribeiro (Turismo) pediu à Justiça para deixar a legenda, e Juscelino Filho (Comunicações) não tem o apoio de boa parte da bancada.
Já Waldez Goés (Integração Nacional), licenciado do PDT, foi indicado por Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e tem sua situação avaliada como mais confortável pelo governo porque garante voto no Senado.
Membros do Executivo ponderam, no entanto, que nenhuma troca deverá ocorrer num primeiro momento. A ideia é dar celeridade na resolução das críticas dos parlamentares que dizem respeito à execução orçamentária e às nomeações.
Na última semana, de um lado, Lira mostrou força ao governo ao ameaçar com uma derrota retumbante e afirmar que, a partir de agora, ele terá que “andar com suas pernas”.
De outro lado, Lula teve de entrar pessoalmente na articulação política, telefonou para o presidente da Câmara, recebeu o líder da União Brasil, Elmar Nascimento (BA), e começou a preparar um diagnóstico sobre os problemas das pastas, fazendo um pente-fino e tratando diretamente com cada ministro.
Segundo relatos, também ocorreu nos últimos dias uma ofensiva dos ministros Alexandre Padilha (Secretaria de Relações Institucionais) e Rui Costa (Casa Civil), dialogando com os demais chefes das pastas para insistir que é preciso dar celeridade às demandas dos parlamentares.
Como a Folha mostrou, Lira avisou a integrantes do Planalto que não irá pautar projetos de interesse do presidente até que os deputados avaliem que o governo ajustou a articulação política e a relação com a Casa.
A avaliação de deputados é que Padilha não tem os instrumentos nem o respaldo necessário para fazer cumprir os acordos que sela com parlamentares.
Por exemplo, não teria autoridade para convencer outros ministros a executarem aquilo que foi acordado.
O Planalto estava recebendo recados, havia ao menos duas semanas, de que havia bancadas dispostas a derrubarem a MP da Esplanada pela insatisfação com a articulação política do governo.
Ainda assim, o diagnóstico era o de que ela seria aprovada. No dia em que foi marcada a análise da MP, porém, que seria na última terça-feira (30), o cenário mudou, e bancadas que estavam antes a favor, como PP (49 deputados), União Brasil (59) e Republicanos (41), mudaram de posição.
Juntos, esses partidos têm 149 deputados. O PL, partido de Bolsonaro, tem outros 99 deputados, dos quais boa parte era contrária à medida provisória.
Lira, que antes também estava disposto a ajudar a aprovar a MP, ficou arredio. Pesou o fato de o ministro Flávio Dino (Justiça) ter viajado a Alagoas na semana anterior e não ter chamado o presidente da Câmara para o anúncio da segunda edição do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania), assim como críticas que o senador Renan Calheiros (MDB-AL) fez a ele.
Ao final, a MP acabou aprovada na Câmara, por 337 a 125, e no dia seguinte, no Senado, por 51 a 19, evitando a perda de validade.
As queixas dos parlamentares também incluem dificuldades para emplacar indicados políticos para cargos do governo e o tratamento dispensado por ministros aos congressistas, com dificuldade para conseguir reuniões.
Embora aliados de Lira tenham agido em consonância com ele, deputados da base avaliam que o governo errou ao não ter enfrentado de forma mais veemente o presidente da Câmara, apostando que a Casa jamais derrubaria a MP. Havia a avaliação de que isso impactaria negativamente a imagem do Parlamento.
O receio de aliados do petista é que, dependendo do que o governo ceder, isso irá significar o fortalecimento excessivo de Lira, o que pode deixar o governo sempre em suas mãos.