Em menos de três meses, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pavimentou um caminho que o moveu de aliado próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para o entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), consolidando a reeleição para mais dois anos no cargo.
A votação, que é secreta, ocorre nesta quarta-feira (1) e Lira tem um amplo arco de apoio, indo do PL de Bolsonaro ao PT de Lula.
Dois fatores principais explicam a rápida metamorfose.
Primeiro, a fragilidade da esquerda, que controla apenas cerca de um quarto das 513 cadeiras na Câmara, o que tornou a perspectiva do lançamento de uma candidatura contra o líder do centrão uma aventura de altíssimo risco.
Segundo, as três ações de Lira que pavimentaram a aproximação com os petistas: o imediato reconhecimento público da vitória de Lula, a condução da aprovação da PEC que deu fôlego orçamentário ao novo governo e, por fim, a reação contra os vândalos golpistas do dia 8 de janeiro.
“O PT fez uma escolha pragmática. Aprendeu na eleição do Eduardo Cunha. Achou que não compensava correr o risco de tentar eleger uma pessoa do partido deles e dar errado. Foi uma decisão correta do ponto de vista estratégico”, afirma o deputado Ricardo Barros (PP-PR), que foi líder do governo Bolsonaro na Câmara.
A referência feita pelo parlamentar é à eleição de 2015, quando a então presidente Dilma Rousseff bancou a postulação de Arlindo Chinaglia (PT-SP) contra Eduardo Cunha (então no MDB-RJ), mas viu seu candidato ser derrotado no primeiro turno pelo emedebista.
Menos de um ano depois e após uma série de atritos, Cunha deflagraria o processo que levaria ao impeachment da petista.
A avaliação de Barros é compartilhada por outros parlamentares ouvidos pela Folha.
“Não acho que o pragmatismo seja do presidente Arthur Lira. O pragmatismo foi do governo. Você tem a competência do Arthur Lira de ter sido um articulador que contemplou todos os interesses convergindo para a candidatura dele neste momento. Aí foi muito pragmático para o governo embarcar numa candidatura que já tinha todos os sinais de vitoriosa, numa composição que é benéfica para todos”, diz Marco Bertaiolli (PSD-SP).
Para Danilo Forte (União-CE), há a necessidade de uma relação mais madura do Executivo com Lira, “porque o presidente da Casa está mais forte”.
O líder da bancada do Republicanos, Vinicius Carvalho (SP), afirma que a aproximação Lula-Lira é salutar. “Tem que haver sim, essa sinergia e esse entrosamento.”
O primeiro ato de Lira rumo ao barco petista se deu ainda na noite do segundo turno, em 30 de outubro.
Apesar de ter sido um aliado fiel e de ter comandado no Congresso a aprovação do pacote eleitoreiro que buscava vitaminar as chances de reeleição de Bolsonaro, Lira foi a público naquela noite parabenizar Lula, fazer a defesa do resultado das urnas e dizer que era hora de “construir pontes”.
A mensagem pública de que não engrossaria nenhum movimento de contestação do resultado, dada momentos depois de o Tribunal Superior Eleitoral declarar Lula matematicamente eleito, representou um esvaziamento da tática bolsonarista de tentar minar a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Nesse mesmo domingo, Lira conversou amistosamente pela primeira vez com Lula, por telefone, para parabenizá-lo. Segundo quem testemunhou a conversa, o petista chegou a perguntar, como forma de quebrar o gelo, sobre a saúde do pai do deputado, o ex-senador Benedito de Lira (PP), 80, hoje prefeito em Alagoas.
A Folha mostrou que logo após a eleição integrantes do centrão já sinalizavam que Lula poderia contar com uma base parlamentar bem mais sólida caso apoiasse ou, pelo menos, não criasse obstáculos à tentativa de Lira se reeleger.
O primeiro encontro pessoal entre os dois ocorreu dez dias depois do segundo turno, na casa de Lira, em Brasília.
Na reunião de cerca de duas horas, Lula disse que não iria interferir na eleição para o comando da Casa, segundo relatos. Ou seja, deu a senha que o líder do centrão esperava para continuar “construindo pontes” visando a sua reeleição.
Feito esse pré-acordo, Lira foi um dos principais condutores da aprovação ainda em dezembro da Proposta de Emenda à Constituição que abriu espaço no Orçamento para gastos e promessas do então presidente eleito.
O resultado folgado de 331 votos a favor não seria possível sem o apoio de Lira. O PP, por exemplo, entregou quase 40 votos a favor do texto.
O terceiro movimento considerado crucial por petistas foi a reação de Lira aos ataques golpistas de 8 de janeiro.
O presidente da Câmara não só se manifestou condenando a depredação e cobrando punição, como foi ao procurador-geral, Augusto Aras, entregar uma notícia-crime contra suspeitos de vandalizar as dependências da Casa.
Mais importante, relatam aliados de Lula, assegurou a aprovação relâmpago na Câmara da intervenção federal na Segurança Pública do Distrito Federal, além de trabalhar nos bastidores para que governadores da oposição comparecessem ao encontro promovido por Lula com os chefes dos três Poderes, no dia seguinte ao vandalismo, como forma de demonstrar unidade das autoridades contra os golpistas.
Lira foi eleito presidente da Câmara em fevereiro de 2021, com o apoio de Bolsonaro. Em seus dois anos no cargo, atuou alinhado ao ex-presidente da República, assegurando sua sustentação política em troca da gerência de bilhões do Orçamento federal, o que usou para manter coeso o seu arco de alianças.
Ao mesmo tempo em que barrou pedidos de impeachment, Lira também foi importante peça na campanha de Bolsonaro à reeleição ao conduzir a aprovação do pacote eleitoreiro que reduziu o valor dos combustíveis e elevou o Auxílio Brasil a R$ 600.
Ele e Lula chegaram a trocar acusações na campanha principalmente por causa da alta concentração de poder nas mãos do deputado, decorrente da distribuição das emendas de relator.
Agora, isso são águas passadas, na visão dos dois grupos políticos.
Integrantes do PT dizem, porém, que, passada a eleição da Câmara, Lira pode readequar o seu caminho político, o que pode representar dor de cabeça ao Palácio do Planalto.
Apesar disso, governistas afirmam não ver outra opção a Lula neste início de mandato.
O atual presidente da República distribuiu nove ministérios a PSD, MDB e União Brasil, mas, mesmo com o apoio fechado dessas três legendas —o que dificilmente ocorrerá—, precisará do centrão de Lira para ter uma maioria sólida na Câmara.
É considerada uma base segura um contingente fidelizado de cerca de 350 dos 513 parlamentares. Para haver emendas à Constituição, por exemplo, é preciso do voto de ao menos 308 deputados.