Temos convivido com limites de gastos que ou prejudicam as campanhas eleitorais ou são artificiais. O Projeto de Lei do Senado nº 3.813/2019 segue a tendência de limites restritivos.
Há uma crença generalizada no sentido de que é preciso reduzir na marra os custos das campanhas eleitorais no Brasil. Assim, a propaganda eleitoral e o tempo de campanha sofreram inúmeras modificações nos últimos anos. Foram reduzidos os meios e o tempo previstos para a divulgação das candidaturas.
E, no campo do financiamento eleitoral, tivemos a proibição de doações por pessoas jurídicas, decorrente do julgamento da ADI 4650 pelo Supremo Tribunal Federal, bem como a imposição de limites de gastos por leis que regeram as eleições de 2016 e 2018. Será que não estamos exagerando na dose e prejudicando o debate democrático?
Até a eleição de 2014, os limites de gastos eram estabelecidos pelos próprios partidos ou coligações, que informavam à Justiça Eleitoral quanto pretendiam gastar por cargo em disputa.
A Lei 13.165/2015 inovou e dispôs que os tetos de despesas deveriam ser calculados proporcionalmente ao maior gasto registrado em cada localidade no pleito anterior à sua edição. Previu ainda que em municípios com até dez mil eleitores os limites corresponderiam à média calculada de acordo com os critérios legais ou a R$ 10.000,00 e a R$ 100.000,00 para candidatos a vereador e a prefeito, respectivamente, considerando-se o que fosse maior.
Os montantes deveriam ser atualizados até 20 de julho do ano do pleito, de modo que, em 2016, os limites de gastos das campanhas eleitorais foram de R$ 10.803,91, para vereador, e R$ 108.039,06, para prefeito, na maior parte dos Municípios brasileiros. O objetivo da inovação era a redução dos gastos de campanha.
Ocorre que tais limites podem ter sido artificiais. Com efeito, apenas para citar um aspecto, considerada a judicialização da política e os valores mínimos previstos como honorários nas tabelas da Ordem dos Advogados do Brasil, a Resolução TSE nº 23.470/2016 dispôs que apenas gastos com consultoria advocatícia seriam despesas de campanha. Previu ainda que a atuação judicial de advogados em favor de candidaturas não poderia ser paga com recursos de campanha e não seria considerada nos limites de gastos. O objetivo foi evitar que os candidatos eventualmente excedessem o teto apenas com o pagamento de honorários.
Em 2018, repetiu-se a regra. E foram estabelecidos limites de despesas ainda mais baixos! Cito um exemplo: na eleição de 2018, os candidatos a deputado estadual podiam gastar menos de um terço do que puderam gastar os candidatos a vereador do Município de São Paulo em 2016.
O Projeto de Lei do Senado nº 3.813/2019, de uma maneira geral, pretende estabelecer tetos de gastos mais restritivos do que os previstos para o pleito de 2016. Prevê o valor de R$ 100.000,00 como limite de despesas para os candidatos a prefeito em municípios com até vinte mil eleitores. Esse montante é inferior ao teto mais baixo de 2016 (cerca de R$ 108.000,00) e, ainda, desconsidera toda a inflação do período.
Outro exemplo importante: de acordo com o PL, o limite de gastos paras os candidatos a Prefeito de São Paulo seria de R$ 10.000.000,00. Ocorre que o montante é inferior à média utilizada pelos quatro candidatos mais bem votados e que obtiveram cerca de 94% dos votos válidos na última eleição. Mesmo sem considerar os efeitos da inflação.
Se, por um lado, o estabelecimento de limites de gastos é importante na tentativa de evitar que o peso desmedido do dinheiro possa desequilibrar as campanhas eleitorais, por outro, restrições excessivas podem prejudicar a realização das campanhas eleitorais.
Em regra, menos dinheiro importa em redução da propaganda e do debate democrático. Sem falar nos riscos de que limites muito restritivos estimulem práticas ilícitas como o caixa dois, prejudicando a transparência das campanhas eleitorais.
Essa tem sido a tônica das últimas mudanças na legislação: busca-se reduzir os custos de campanha com ataques à propaganda e restrição ao financiamento eleitoral. E que ignoram, muitas vezes, o tamanho dos colégios eleitorais existentes no país e questões como o sistema proporcional com lista aberta de votação. Será que não estamos exagerando na dose de medidas que só atacam questões pontuais e prejudicam o debate?
*Michel Bertoni Soares é advogado. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Comissão de Direito Eleitoral e Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas, ambas da OAB/SP. Sócio do escritório Tomelin Sociedade de Advogados. E-mail: michel@gtomelin.com