Nesta terça-feira, líderes de países árabes se reuniram no Egito com o objetivo de discutir um plano de reconstrução da Faixa de Gaza, que se propõe a ser uma alternativa às propostas controversas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Entre as sugestões de Trump, destaca-se a ideia de um deslocamento permanente da população palestina e a construção de uma “Riviera de Gaza”, o que gerou forte resistência entre os países árabes. A cúpula extraordinária da Liga Árabe, que reúne representantes de diversos estados da região, tem como meta debater essa nova proposta antes de apresentá-la ao mandatário americano nas próximas semanas, conforme informações de autoridades jordanianas.
Uma ideia preliminar, elaborada pelo Cairo, sugere a exclusão do Hamas da governança do enclave após o conflito, propondo a formação de um comitê palestino independente e tecnocrático para administrar o território por um período de seis meses, sob a supervisão da Autoridade Palestina (AP), que tem sua sede na Cisjordânia ocupada. Este comitê, segundo um documento acessado pela CNN, seria composto por membros sem vínculos com facções palestinas, o que levanta questões sobre a viabilidade e a aceitação dessa proposta entre os diferentes grupos palestinos. Além disso, o plano sugere que Egito e Jordânia assumiriam a responsabilidade de treinar as forças policiais palestinas, visando garantir a segurança na Faixa de Gaza.
Entre os líderes presentes na cúpula, destacam-se figuras como o rei do Bahrein, Hamad Isa al-Khalifa, o presidente da Síria, Ahmed al-Sharaa, o ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, príncipe Faisal Bin-Farhan, e o secretário-geral da ONU, António Guterres. Na abertura do evento, o presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, enfatizou que seu plano para Gaza assegura que os palestinos permaneçam em suas terras, um ponto que parece ser um consenso entre os países da região. No entanto, a proposta enfrenta divergências significativas sobre a governança palestina em Gaza e a questão da segurança do enclave, além do futuro do Hamas, que permanece uma incógnita.
Um documento de 90 páginas, acessado pela Bloomberg e datado de março de 2025, delineia um plano que se desdobra em várias fases, com um cronograma que se estende de seis meses a cinco anos, e um custo estimado em US$ 53,2 bilhões. Inicialmente, a proposta prevê a acomodação de 1,5 milhões de palestinos em unidades habitacionais temporárias, distribuídas em sete locais no território devastado pela guerra. Paralelamente, a tarefa monumental de remover cerca de 50 milhões de toneladas de escombros deve ser iniciada. O documento também menciona a possibilidade de estabelecer uma “força internacional de defesa/manutenção da paz com um mandato claro”, que seria aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU. A eliminação da multiplicidade de facções armadas palestinas seria condicionada a um cronograma que vise o estabelecimento de um Estado palestino e o fortalecimento das suas capacidades, embora o Hamas não seja mencionado diretamente.
A cúpula ocorre em um contexto delicado, com o risco de uma nova escalada de combates entre Israel e o Hamas, especialmente após o término do cessar-fogo de seis semanas no último domingo. Israel, aparentemente apoiado pelos Estados Unidos, busca estender a fase inicial do acordo de trégua, enquanto o Hamas pressiona por um avanço para a segunda fase das negociações, que incluiria um plano para encerrar definitivamente a guerra, que teve início em outubro de 2023. A suspensão da ajuda humanitária a Gaza por parte de Israel, em decorrência do impasse, gerou críticas de mediadores árabes e da Arábia Saudita, que tem buscado apoio regional para uma alternativa aos planos de Trump para a reconstrução de Gaza. Após essa decisão, países árabes condenaram a ação israelense, acusando o Estado judeu de utilizar a fome como uma arma contra o povo palestino, o que configura uma violação do acordo de cessar-fogo e da lei humanitária internacional.
O ministro das Relações Exteriores do Egito, Badr Abdelatty, reiterou que “não há alternativa à implementação fiel e completa do acordo de cessar-fogo de janeiro por ambas as partes”, alertando que a retomada dos combates anularia os esforços de planejamento para o futuro do enclave. Em uma coletiva ao lado da comissária da União Europeia para o Mediterrâneo, Dubravka Šuica, ele destacou que a manutenção do cessar-fogo é crucial. Desde o início da guerra, mais de 48 mil palestinos perderam a vida, conforme dados das autoridades de saúde de Gaza, e os custos de reconstrução são estimados em US$ 50 bilhões. A campanha militar israelense foi desencadeada após um ataque sem precedentes do Hamas, que resultou na morte de 1,2 mil pessoas e no sequestro de 250.
O plano de reconstrução “egípcio-árabe-islâmico” será apresentado aos líderes árabes no Cairo para obter apoio geral antes de uma reunião ministerial na Arábia Saudita, onde os detalhes serão refinados. Essa reunião contará com a participação de representantes de países de maioria muçulmana, como Indonésia, Irã, Malásia, Turquia, entre outros. O ministro egípcio também mencionou que haverá consultas amplas com os principais países doadores. Contudo, um dos principais desafios será convencer muitos países ocidentais a apoiar o plano, especialmente porque ele não aborda explicitamente como o Hamas pode ser removido e desarmado, um ponto que representa resistência significativa para Israel e, provavelmente, para os EUA e a União Europeia. O Estado judeu tem insistido na eliminação total do grupo como um objetivo inegociável nesta guerra, embora altos oficiais do Exército israelense já tenham alertado sobre a impossibilidade dessa tarefa.
A Arábia Saudita, por sua vez, apoia a remoção da liderança política e militar do Hamas de Gaza, mas defende que é necessário lidar com elementos mais moderados do grupo. Os Emirados Árabes Unidos adotaram uma postura mais rígida, exigindo uma reformulação completa da Autoridade Palestina antes de se comprometerem a financiar qualquer reconstrução. As autoridades egípcias, sauditas e emiradenses não comentaram sobre a situação. Outro potencial obstáculo ao plano é a repetida declaração dos estados do Golfo Pérsico de que não financiarão a reconstrução de Gaza sem um compromisso claro e um caminho para o estabelecimento de um Estado palestino, algo que Israel rejeita. A posição de Trump sobre essa questão permanece incerta. Ibrahim Saif, ex-ministro da Jordânia com conhecimento das discussões prévias à cúpula, afirmou que o plano terá chances de sucesso se abordar as preocupações de segurança de Israel e for defendido pelos principais aliados dos Estados Unidos envolvidos, como Egito, Jordânia, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Ele concluiu que, se esses cinco países se unirem e mantiverem sua posição, Trump não poderá simplesmente rejeitar a proposta.