Representante permanente do Brasil na ONU, Sérgio França Danese, relata intensidade das negociações no órgão e frustração com veto da proposta apresentada pelo país; ele destacou o papel da diplomacia brasileira na mediação de conflitos e na pauta climática.
O mês de outubro representou um momento “intenso” para a diplomacia brasileira, que assumiu a presidência rotativa do Conselho de Segurança durante a escalada da violência no conflito Israel-Palestina.
O embaixador do Brasil nas Nações Unidas, Sérgio França Danese, disse que a palavra “intensa” é suave para designar as negociações que aconteceram nos bastidores, que avançaram “noite adentro” e durante fins de semana.
Encarando o risco de veto
Em entrevista exclusiva para o Podcast ONU News, o diplomata comentou a motivação do Brasil ao apresentar uma proposta de resolução para possibilitar a entrega de ajuda humanitária em Gaza, mesmo diante de uma alta probabilidade de veto.
“Isso não nos intimidou. Eu acho que isso é que é importante que a gente ressalte o Brasil, como presidência do Conselho e como posição nacional, que era importante tentar obter um resultado. Se não obtivesse esse resultado, aquele que é responsável pela não obtenção do resultado devia assumir a responsabilidade e não nós deixarmos de fazer alguma coisa por temor a que aquilo fosse vetado ou que não tivéssemos o número de votos suficientes.”
O texto obteve 12 votos favoráveis, duas abstenções e um veto, dos Estados Unidos. Foi a proposta com o maior número de aprovações dentre as apresentadas no órgão sobre a crise no Oriente Médio até o momento. Para o embaixador, foi um exemplo da capacidade do Brasil de “fazer pontes e de intermediar negociações”.
Danese ressaltou que antes da votação havia uma possibilidade de, no último momento, “não haver um veto e sim uma simples abstenção”.
Imobilidade do Conselho é “lamentável”
“Bom, a nossa reação, obviamente, no momento do veto, foi de frustração, mas não de surpresa, porque havia uma grande chance de que aquilo ocorresse. Nós tentamos por todas as formas convencer todos os países de que, na pior das hipóteses, eles deveriam apenas se abster e deixar que a resolução passasse, porque nós sabíamos que a resolução tinha um grande apoio”.
Para o embaixador brasileiro é “lamentável” que o Conselho até agora não tenha conseguido se pronunciar. Ele mencionou que a resolução aprovada na Assembleia Geral em 27 de outubro sobre o tema coloca “uma pressão adicional” sobre o órgão responsável por deliberar sobre questões de paz e segurança.
“Acho que os desenvolvimentos provaram que nós tínhamos razão, porque hoje em dia, eu acho que há um grande arrependimento de muitos pelo fato de que nós não aprovamos aquela resolução naquele momento, a situação piorou sensivelmente depois daquilo e o Conselho continua imobilizado e é difícil, pois aquela resolução já perdeu o momento, porque ela teria que ser atualizada. E as condições mudaram. A questão da Assembleia-Geral, mudou a presidência etc.”.
Convocação de reunião no saguão do aeroporto
Danese comentou que no dia 7 de outubro, data dos ataques do Hamas contra Israel, os 15 representantes dos países-membros do Conselho de Segurança estavam embarcando de volta para Nova Iorque após uma reunião com o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, na Etiópia.
“Os eventos começaram nesse momento que nós estávamos embarcando e eu convoquei a reunião de emergência que ocorreria no dia seguinte, no dia 8, no saguão do aeroporto, na sala de autoridades do aeroporto. Eu tive que bater na mesa e pedir às pessoas que dessem atenção e dizer que eu estava convocando uma reunião de emergência para o dia seguinte”.
Sobre a capacidade diplomática do Brasil, Danese destacou a ampla abertura de diálogo com todas as partes.
Prioridades da diplomacia brasileira
“O Brasil fala com todo mundo, fala abertamente com todo mundo, tem uma grande capacidade de articulação por conta de ser um país que não tem conflito com ninguém, não tem litígio, não tem diferença, não tem disputa, não tem, não compete, não cria caso. Isso facilita muito a nossa atuação aqui”.
Segundo o embaixador, nos próximos dois meses em que o Brasil ainda ocupa um assento rotativo no Conselho Segurança, o país vai tentar garantir que o órgão desempenhe um papel na resolução do conflito Israel-Palestina e no contexto pós-conflito.
Mesmo após o fim do mandato brasileiro, Danese acredita que o Brasil pode ter um papel importante na mediação de conflitos e que tem a intenção de assumir a presidência da Comissão de Construção da Paz, que é um órgão vinculado à Assembleia Geral.
Ao comentar sobre outras prioridades da política externa brasileira, o embaixador afirmou que o clima e meio ambiente é “uma das grandes marcas que o Brasil pode levar para sua atuação internacional”.
Segundo ele, o país tem “peso” nesta agenda por possuir uma quantidade enorme de ecossistemas, uma matriz “relativamente renovável” e um patrimônio enorme a ser preservado.