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quarta-feira 3 de julho de 2024 às 10:13h

Levantamento inédito mostra as cidades no Brasil com melhores/piores qualidades de vida

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Brasília foi a capital com a melhor nota, seguida de outras que também foram planejadas, como Goiânia; desigualdade pesou na avaliação do Rio

Pela primeira vez, um estudo aplicou o Índice de Progresso Social (IPS), uma metodologia internacional que calcula o bem estar da população a partir de dados oficiais, em todas as cidades brasileiras. Com isso, foi elaborado um ranking sobre a qualidade de vida dos 5.700 municípios do país. O resultado mostra uma predominância do interior de São Paulo nas melhores colocações, enquanto a Amazônia tem os piores índices.

Esse levantamento, chamado IPS Brasil, filtrou mais de 300 indicadores até chegar a 52, entre órgãos oficiais e de institutos de pesquisa, como o DataSUS, Conselho Nacional de Justiça, Mapbiomas, Anatel e CadÚnico. Os únicos dados inéditos foram os dois produzidos pelo Mapbiomas, sobre áreas verdes e disponibilidades de praças.

A cidade com melhor resultado foi Gavião Peixoto, perto de Araraquara e São Carlos, com população de apenas 4.700 pessoas, mas que tem um polo aeroespacial importante da Embraer. Já a pior nota foi Uiramatã, no extremo norte de Roraima. Essa cidade é a que tem a maior proporção de população indígena no Brasil, o que explica o resultado, pois o IPS não mede indicadores indígenas. Assim, a nota refletiu os serviços precários do seu pequeno núcleo urbano. Entre as 20 melhores notas, 13 ficam no interior paulista, conhecido pela pujança econômica e centros tecnológicos, muito associados a universidades. Já as 20 piores notas estão na Amazônia, em especial em cidades baseadas com economia predatória, e muitas vezes ilegais, de recursos naturais.

O IPS é dividido em três dimensões principais: Necessidades Humanas Básicas; Fundamentos para o Bem-estar; e Oportunidades. Cada uma delas tem quatro componentes, e formam a média final. Mas cada componente é formado por alguns (normalmente de três a cinco) indicadores, com pesos entre eles. Por exemplo, no componente de segurança, o dado de taxa de homicídio tem peso maior que o de morte de jovens.

A seleção dos indicadores priorizou os mais recentes, de boa qualidade e produzidos anualmente, já que o IPS será atualizado a cada ano, o que afastou o uso de números do Censo. Os pesquisadores também evitaram dados com padronizações diferentes entre estados e de alta subnotificação, o que é comum em números de segurança e explica a falta de estatísticas de roubos e furtos. A intenção, explica Beto Veríssimo, coordenador do IPS Brasil, não é ranquear os maiores PIBs ou mensurar ofertas de serviços, mas sim qualificar os resultados, como maiores expectativas de vida, menores taxas de homicídio e de poluição, e população com melhor acesso a educação superior.

— Para o IPS não interessa quanto o município investe. Queremos saber o resultado, saber se no final do dia as pessoas estão vivendo melhor. Nem sempre a cidade com maior renda tem melhor qualidade de vida – explica Veríssimo, que diz que os resultados finais não surpreenderam muito. — Em geral, cidades com população de mais de 250 mil habitantes pontuam melhor. Gavião Peixoto é uma exceção, mas ele está inserido num “cluster” com Araraquara e São Carlos.

PIB alto nem sempre acompanha bons indicadores sociais

Se as pontas, positivas e negativas, não mostraram surpresa, nos blocos intermediários houve resultados menos esperados. Campina Grande (PB), por exemplo, é apenas o 2.766º maior PIB per capita do Brasil, enquanto teve o 276º melhor IPS. Já Vitória do Xingu (PA), que tem o 21º maior PIB per capita do país, teve um dos piores IPS: 5.430º. Outros municípios que quebram essa lógica são Altamira (PIB intermediário e baixíssimo IPS) e Maringá (PIB intermediário e altíssimo IPS). Isso mostra que, apesar da renda per capita normalmente se associar a melhor qualidade de vida, isso nem sempre é o padrão, explica Veríssimo.

— Enquanto Campina Grande vai bem em educação superior, saneamento e acesso à informação, Vitória do Xingu tem dinheiro por causa dos royalties de Belo Monte, mas geriu mal os recursos — diz o coordenador, que complementa que é possível encontrar “ilhas de excelência” em alguns setores, como o caso da boa educação no Ceará.

Interior de São Paulo forte: razões históricas e contemporâneas

O bom resultado do interior paulista tem razões históricas e contemporâneas, explica Fabio Betioli Contel, professor do departamento de Geografia da USP. No século passado, a crise do café gerou a falência de grandes proprietários e o surgimento de pequenos produtores, o que dinamizou e diversificou a produção agrícola. Assim, a industrialização em São Paulo largou na frente em relação aos outros estados, levando a mais consequências positivas.

Com a difusão de infraestruturas de transporte modernas, as cidades paulistas se interligaram de forma mais eficientes, e, a partir da década de 80, a rede de universidades públicas qualificou a mão de obra e muitas cidades se transformaram em polos tecnológicos ou clusters de inovação.

Mais recentemente, muitas indústrias de desenvolveram fortemente nessas cidades, como a agroindústria, e outros setores migraram da capital para o interior.

— Com a disponibilidade de mão de obra bem treinada e os custos locais menores, muitas indústrias saíram da região metropolitana. Além disso, a concentração de pobreza não é como na capital e é mais viável para as autoridades locais investirem em políticas eficientes, principalmente na saúde na educação. A distribuição de renda e o gerenciamento das políticas públicas são melhores — explicou Contel.

Sobre Gavião Peixoto, o especialista lembra que a cidade recebe, desde 2001, um investimento relevante da Embraer, que construiu uma unidade de produção no município. Além dessa atividade economicamente relevante, a pequena cidade se insere num cluster entre Araraquara e São Carlos, cidades maiores e com muita oferta de serviços. Assim, muitos moradores escolhem Gavião Peixoto para morar por ter as vantagens de uma cidade pequena — menos poluição e menos trânsito, por exemplo — enquanto estão próximos de bons empregos, boa educação e bons serviços.

— Com essa interligação, a população se beneficia. Tem uma atividade principal que atrai diversas outras, passa a ter varejo, restaurante, prestação de serviços, empregos. Muitos profissionais de São Carlos vão morar em Gavião Peixoto, onde ainda tem uma atividade que remunera bem e com poucos profissionais disponíveis. No “cluster” de Campinas é semelhante. Lá é o centro econômico, mas pessoas que vivem em Jaguariúna, Vinhedo e Indaiatuba se beneficiam — afirma José Carlos de Lima Júnior, professor da pós em Administração da Harven Agribusiness School, em Ribeirão Preto.

Crimes ambientais e precariedade social na Amazônia

As cidades com piores resultados do Brasil ilustram situações emblemáticas na Amazônia. Anapu (PA), por exemplo, o 11º pior, é a cidade da tragédia da Irmã Dorothy, em uma região de muito desmatamento. Jacareacanga (PA) sofre com o intenso garimpo e Trairão (PA) com a extração ilegal de madeira.

— A Amazônia tem problemas sociais mais críticos primeiro porque é imensa e com logística difícil, então o orçamento não é suficiente para prover serviços no interior. Em segundo porque sofrem com a ilegalidade nas suas atividades, baseadas em economia predatória que gera alguns benefícios concentrados, mas inibe a chegada de investimentos. Então ficam numa armadilha permanente de pobreza. Para piorar, a situação de segurança pública se agravou na Amazonia. Há 15 anos já existiam essas características sociais, mas agora chegou o crime organizado — resume Beto Veríssimo.

Brasília é a melhor capital

Entre as capitais, as melhores notas foram para cidades planejadas, explicam especialistas. Assim, Brasília (DF) foi a vencedora, seguida por Goiânia (GO), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Curitiba (PR).

— Brasília tem rede de serviços e infraestrutura muito boa, além da renda per capita diferenciada. Já Goiânia, mesmo com alguns problemas, tem boa organização e é bem planejada. As que tem melhor organização espacial tem uma vantagem — diz José Carlos de Lima.

Na ponta de baixo, na mesma lógica dos demais municípios, as capitais do Norte tiveram piores resultados. Além disso, o Rio e algumas capitais do Nordeste pontuaram mal.

— O IPS não tem indicador de renda, mas de certa forma consegue medir desigualdade social. Então cidades mais desiguais são afetadas. Teresina, João Pessoa e Aracaju, por exemplo, são cidades com serviços públicos bem distribuídos, mesmo entre as áreas mais pobres. Já Maceió e Rio são muito desiguais, e pontuaram pior. Quem conhece as praias do Rio e de Maceió não vê de perto os problemas sociais — explica Beto Veríssimo.

No Rio, Niterói se destaca

As notas dos estados são uma média de todos os seus municípios. São Paulo teve o melhor resultado. Já o estado do Rio (7º) teve colocação nacional melhor que a capital (14º). Entre os municípios fluminenses, o destaque vai para Niterói.

— Niterói tem alta renda per capita. A presença da UFF também contribui para a qualidade educacional e de infraestrutura e a população envelhecida demonstra bom investimento na saúde — explica Marcelo Neri, diretor da FGV Social, que também comenta o resultado da pior cidade do estado, São Francisco de Itabapoana, no norte. — Ela não experimentou os mesmos benefícios de acesso à educação e saúde e até mesmo aos royalties de petróleo, resultando em uma região com serviços públicos deficientes e pobreza relativamente persistente.

A primeira edição do IPS Brasil é uma colaboração entre o Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Fundação Avina, Anattá – Pesquisa e Desenvolvimento, Centro de Empreendedorismo da Amazônia, e o Social Progress Imperative.

Nova lima tem melhor nota de Minas

Cidade com melhor nota de qualidade de vida de Minas, Nova Lima fica na Região Metropolitana de Belo Horizonte e vem, nos últimos anos, passando por forte expansão imobiliária, inclusive do setor de alto luxo. Por ficar próxima a capital, a cidade se beneficia dos serviços, da oferta de emprego e de universidades. Além disso, o setor da mineração elevou o PIB do município.

— Nova Lima é um eixo de expansão imobiliária importante, que nos últimos anos recebeu muitos escritórios de empresas, como da Fiat. Há muitos condomínios de alto luxo, é relativamente rica, apesar de certo contraste pois o centro é mais pobre do que a franja do município, mais próxima de Belo Horizonte. E cresceu mantendo certa organização — explica Bernardo Campolina, professor do Centro Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG, que complementa que uma parte do BH shopping já fica dentro de Nova Lima.

Depois de Nova Lima, as melhores notas são de Caxambu, que tem estrutura turística importante, Belo Horizonte, Uberlândia, um polo industrial relevante e de IDH elevado e Montes Claros, polo universitário e da indústria têxtil, além do importante entroncamento rodoviário na ligação com o Nordeste.

Campolina explica que a geografia e a distribuição econômica e social de Minas reflete, em grande parte, a realidade brasileira. Na parte do Norte e do Nordeste ficam as regiões menos desenvolvidas e com piores índices de pobreza, em contraste com o Sul mais rico. Essa lógica acaba se refletindo nas cinco melhores e cinco piores notas de qualidade de vida do estado. A exceção é Montes Claros.

— Por isso que Minas é tida como o retrato do Brasil — afirma Campolina.

As cinco piores notas ficam em regiões mais pobres, em especial próximas aos vales do Mucuri (Ladainha e Catuji) e do Jequitinhonha (Novo Cruzeiro e São João das Missões). A pior nota é de Senhora do Porto, um pouco mais ao centro, mas já na direção do Norte, na boca do Cale do Mucuri.

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