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Paulo Gonet, indicado de Lula para a PGR. — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo / Arquivo
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segunda-feira 11 de dezembro de 2023 às 06:37h

Leitura conservadora da lei marcou atuação de Gonet em comissão sobre mortos da ditadura

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


A atuação do procurador Paulo Gonet na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), criada no final de 1995 para reconhecer e indenizar vítimas da ditadura, foi marcada segundo a Folha de São Paulo, por votos ora alinhados com um general representante das Forças Armadas, ora com a porção mais progressista do colegiado.

Agora indicado pelo presidente Lula (PT) para ser procurador-geral da República, Gonet sempre defendeu que seus votos na comissão não foram ideológicos, mas estritamente apegados ao texto da lei, sancionada no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Já na visão de militantes dos direitos humanos, algumas das opções do procurador expressam uma posição conservadora –já se manifestou contra as cotas raciais e a descriminalização do aborto, por exemplo– e leniente com o passivo da ditadura militar, o que motivou críticas a Lula pela indicação.

Gonet –que representou o Ministério Público Federal na CEMDP de dezembro de 1995 a 2002– foi contra, por exemplo, o reconhecimento dos guerrilheiros Carlos Lamarca e Carlos Marighella, ambos mortos pelo regime militar (que os definia como terroristas). Os dois pedidos foram julgados em 11 de setembro de 1996, e o resultado foi o mesmo: 5 a 2 pelo reconhecimento. Os únicos votos contrários foram de Gonet e do general Oswaldo Pereira Gomes, representante das Forças Armadas na comissão.

O procurador também rejeitou reconhecer a estilista Zuzu Angel, cuja morte, num acidente de automóvel em 1976, a comissão trouxe evidências de ter sido de responsabilidade da repressão. Neste caso, deu 5 a 3 (Gonet e o general foram acompanhados pelo ex-reitor da USP João Grandino Rodas).

Os outros integrantes da CEMDP na época eram Miguel Reale Júnior (advogado e presidente do colegiado da criação ao final de 2002), Nilmário Miranda (então deputado federal pelo PT-MG), Luís Francisco Carvalho Filho (advogado) e Suzana Keniger Lisbôa (representante de familiares das vítimas).

No caso de Zuzu, um primeiro julgamento da comissão não reconheceu o pedido da família, mas investigação posterior, com novos laudos e testemunhas, mudou o resultado, afirmando que o acidente foi na verdade um atentado.

Rodas compunha a CEMDP na condição de consultor jurídico do Itamaraty. Em várias outras situações, o trio Gonet/Gomes/Rodas esteve afinado e foi voto vencido, como nos casos de Edson Luiz Lima Souto (o estudante assassinado pela polícia no restaurante carioca Calabouço), Edson Neves Quaresma, Jeová Assis Gomes, Marcos Antônio da Silva Lima, Ornalino Cândido e Otávio e Augusto Soares da Cunha (pai e filho).

Houve outros processos –para além dos de Lamarca e Marighella– em que só Gonet e o general Gomes rejeitaram o reconhecimento, casos das vítimas Antônio Ferreira Pinto, Eremias Delizoicov, Otoniel Campos Barreto e Ronaldo Mouth Queiroz.

Por outro lado, Gonet reconheceu os pedidos das famílias de outras figuras célebres da ditadura, como Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho, bem como dos seis mortos no Massacre da Chácara São Bento, em 1973, no Grande Recife, no qual militantes da VPR delatados pelo Cabo Anselmo foram assassinados depois de sessões de tortura. Também votou favoravelmente ao reconhecimento das três vítimas do Massacre da Lapa, em 1976, quando militantes do PC do B foram mortos no bairro paulistano (Ângelo Arroyo e Pedro Pomar na própria ação e João Batista Franco Drummond sob tortura em dependências do Exército).

Nos casos de Arroyo e Pomar, o procurador votou com a maioria, destoando do general Gomes e de Miguel Reale (Pomar) e destes e mais Eunice Paiva, que integrou a comissão por poucos meses (Arroyo). Também com a maioria, Gonet discordou de Rodas e do general Gomes nos casos de Alceri Maria Gomes da Silva e Antônio dos Três Reis de Oliveira. No processo de Neide Alves dos Santos, do qual foi relator, primeiro Gonet votou contra, mas depois de um pedido de vistas e investigação de Carvalho Filho, reconsiderou e foi favorável.

A falta de clareza do texto legal –cuja atribuição central era reconhecer pessoas desaparecidas “que, por terem participado, ou por terem sido acusadas de participação, em atividades políticas, tenham falecido por causas não naturais, em dependências policiais ou assemelhadas”– dava margem a ambiguidades e discrepâncias.

A parte final da redação, ou seja, o local das mortes dos militantes políticos, é crucial para se analisar os votos da comissão. Gonet alegou que não reconheceu os casos de Zuzu, Lamarca e Marighella, por exemplo, porque as mortes não aconteceram “em dependências policiais ou assemelhadas” e, nas ocasiões em que isso ocorreu, votou favoravelmente.

Quando foi relator do processo do estudante e comerciante Jarbas Pereira Marques –que saiu para trabalhar e cujo corpo depois apareceu no IML com marcas de tortura–, aprovado por unanimidade, Gonet expandiu a interpretação de “dependência assemelhada”, afirmando em seu voto que a lei “está a indicar qualquer recinto sob o controle das forças da ordem pública, onde exercem poderes de autoridade”.

É essa compreensão que justificaria seus votos favoráveis aos mortos nos massacres da Lapa e da chácara São Bento.
Procurado, o indicado para comandar a PGR não quis dar entrevista. Em ocasiões anteriores, afirmou que sua atuação foi legalista, com interpretação inflexível do texto legal, pois, por representar o Ministério Público, tinha de atuar como fiscal da lei.

“Ele tinha uma visão conservadora da lei, e a maioria da comissão tinha uma visão mais liberal”, disse Carvalho Filho, que integrou o colegiado por oito anos e o presidiu de 2002 a 2004 –e é colunista da Folha.

“Gonet era muito aplicado e estudioso ao votar. Não era um ‘partisan’, interpretava segundo sua consciência os pressupostos da lei –e não cabia ao intérprete da lei alargá-los”, afirmou Rodas.

Para Nilmário Miranda, integrante da CEMDP por sete anos e secretário especial dos Direitos Humanos no primeiro governo Lula, a lei era propositalmente vaga porque, quando foi criada (1995), refletia pressões das Forças Armadas para impedir esclarecimentos e reparações sobre violações cometidas na ditadura.

“O texto foi feito com ambiguidade para que pessoas mais conservadoras votassem sem ferir a lei”, diz Nilmário, hoje assessor especial do Ministério dos Direitos Humanos. “Gonet votava na letra da lei, que atendia à opção conservadora dele, mas –não posso mentir nem manipular– não era um voto político-ideológico.”

Em 2004, quando Nilmário era secretário de Direitos Humanos, foi sancionada uma lei que passou a reconhecer casos de mortes por “repressão policial sofrida em manifestações públicas ou em conflitos armados com agentes do poder público” e suicídios cometidos por pessoas “na iminência de serem presas ou em decorrência de sequelas psicológicas resultantes de atos de tortura praticados por agentes do poder público”.

Após a indicação de Gonet, em sintonia com manifestações do PT e da esquerda de modo geral, a jornalista Hildegard Angel, filha de Zuzu Angel, criticou o governo numa rede social. “O país entrou no modo ‘descompromisso total’ com a memória, justiça e verdade.”

Em 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) avaliava nomes para chefiar a PGR, Gonet foi ao Palácio do Planalto, levado pela deputada aliada Bia Kicis (PL-DF). Na época, via rede social, ela exaltou as credenciais do procurador.

Gonet será sabatinado –junto com Flávio Dino, indicado ao Supremo– na próxima quarta (13) pela Comissão de Constituição de Justiça do Senado. Os relatores das indicações já apresentaram pareceres favoráveis, e a tendência é que o nome de ambos seja aprovado sem maiores sobressaltos.

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