Edson Fachin assumiu nesta última terça-feira (22) o comando do TSE. O ministro fez um duro discurso contra os ataques ao sistema eleitoral protagonizados por Jair Bolsonaro e apoiadores do governo e mandou recado para Lula também. Leia a íntegra do pronunciamento do novo chefe da Justiça Eleitoral:
Agradeço, genuinamente honrado, as ilustres presenças nesta sessão.
Assumo a honrosa posição de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. São mais de trinta
anos de Estado de Direito democrático à luz da Constituição de 1988; governos e governantes
sucederam e foram sucedidos; alçamos a maturidade democrática nessas três décadas com
enorme ganho institucional.
Nada obstante, assumo essa função atento, de imediato, aos árduos desafios da hora que
vivemos. Nela, a esperança nos move em direção à cooperação pacífica entre as instituições;
cumpre-nos, assim, preservar o patamar civilizatório a que acedemos e evitar desgastes
institucionais. Esse patamar a que acedemos é, dentro do marco constitucional, um direito
inalienável do povo. Dele retroceder é violar a Constituição.
Cumpre, assim, agregar a sociedade pelo bom exemplo. A tolerância, a disposição para o
diálogo e o compromisso inarredável com a verdade dos fatos afloram no povo quando,
primeiramente, constituem faróis para o labor diário das autoridades de todas as esferas. Aos
líderes e às instituições, portanto, toca repelir a cegueira moral e incentivar a elevação do
espírito cívico e as condutas de boa-fé que abrem portas ao necessário comportamento
respeitoso e dialógico.
Há muitos desafios a serem enfrentados. Menciono alguns deles.
O primeiro desafio é proteger e prestigiar a verdade sobre a integridade das eleições
brasileiras.
O Tribunal Superior Eleitoral tem indisputado histórico de excelência de organização e
realização de eleições seguras, corpo técnico multitudinário e capacitado, legitimidade
constitucional em suas atribuições, e desenvolve Programa de Enfrentamento à
Desinformação estruturado e em pleno funcionamento.
Este Tribunal comunga os seus afazeres com tribunais regionais, juízas e juízes eleitorais,
servidores, funcionários e colaboradores que atuam na Justiça Eleitoral que completa 90 anos
de existência e 25 anos de urnas eletrônicas, com eleições íntegras e confiáveis.
O segundo desafio é o de fortificar as próprias eleições, as quais, como se sabe, constituem a
ferramenta fundamental não apenas a garantir a escolha dos líderes pelo povo soberano, mas
ainda para assegurar que as diferenças políticas sejam solvidas em paz pela escolha popular. A
democracia é, e sempre foi, inegociável.
A democracia, casa acolhedora do plural, tem espaço suficiente para todas as cosmovisões.
Estende liberdades a todas e todos: o conservador democrata, o liberal democrata, o
progressista democrata e o centrista democrata, independentemente das diferentes
convicções que levam no coração, preservarão, juntos, a prerrogativa constante à correção de
rumos, que a rigor corresponde a não desistir de melhorar o país.
A estabilidade democrática, nesse contexto, só é possível à vista de um comprometimento
integral, a unir a sociedade e seus inúmeros atores em uma aliança forjada sobre o solo firme
da reciprocidade.
O terceiro desafio, e que transcende a Justiça Eleitoral, é o respeito ao escore das urnas; mais
do que reconhecer a dignidade do outro, é também proteger o avanço civilizatório.
E é assim que, em nosso país, por meio das seguras urnas eletrônicas, as eleitoras e os
eleitores decidem, em conjunto, a pilotagem do futuro e a escolha dos líderes e da orientação
geral das políticas públicas.
A transparência das atividades governamentais, a probidade, a responsabilidade dos governos,
na gestão pública, o respeito aos direitos sociais e a liberdade de expressão e de imprensa são,
não por acaso, componentes fundamentais do exercício da democracia (Carta Democrática
Interamericana, art. 4º).
Nos ambientes democráticos, é forte a imbricação existente não apenas entre liberdade de
expressão e democracia, mas, também, entre liberdade de imprensa e formação da vontade
popular.
Paz e segurança nas eleições em 2022, eis o que almejamos.
Quem é da paz diz não à violência de gênero e de todas as suas formas, não à misoginia, não à
homofobia, e clama: sim à dignidade, à liberdade, aos direitos fundamentais, aos deveres
essenciais de cada pessoa, da família e da própria sociedade constitucional: livre, justa e
solidária.
Quem almeja a paz, portanto, também reconhece o papel da imprensa livre e efetivamente
respeitada em todas as suas prerrogativas, na garantia do pluralismo democrático.
Nosso quarto desafio é o combate à perniciosa desconstrução do legado da Justiça Eleitoral.
Seremos implacáveis na defesa da história da Justiça Eleitoral. Calar é consentir.
Dentro de seu campo de atuação, a Justiça Eleitoral, ao longo de seus 90 anos, tem
assegurado, com reconhecida excelência, a higidez de mecânicas elementares para o
processamento pacífico dos dissensos coletivos, na escolha de representantes do povo e,
assim, para a manutenção da estabilidade político-social.
Há que se respeitar, desse modo, a dimensão de sua grandeza histórica, extraída do seu
longevo papel de agente da paz e garante fiel do poder e da voz das cidadãs e dos cidadãos,
dos tempos das urnas de lona à era do voto eletrônico, referendado por especialistas
independentes e por diversas instituições públicas como um paradigma de integridade para
todo o mundo. Há que se levar a história a sério.
A Justiça Eleitoral é, para todos os efeitos, ao lado das instituições constitucionais, incansável
fiadora da democracia e limite às alternativas opressoras do passado. Dentro desse contexto,
as investidas maliciosas contra as eleições constituem, em si, ataques indiretos à própria
democracia, tendo em consideração que o circuito desinformativo impulsiona o extremismo.
O Brasil merece mais. A Justiça Eleitoral brada por respeito. E alerta: não se renderá.
Cumprir a Constituição da República se impõe a todos: o Brasil é uma “sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna
e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”.
Diante desses desafios, há, por isso mesmo, urgências inadiáveis.
É urgente e imprescindível: a união de atores comprometidos com o sistema democrático, a
fim de preservar, mediante suas vozes, o protagonismo da verdade no sistema informativo.
Impende preservar a união e a concórdia, recusando, a todo o custo e por todos os meios
legítimos, as armadilhas da pirataria informativa.
A desinformação não tem a ver, apenas e tão somente, com a distorção sistemática da
verdade, isto é, com a normalização da mentira. A desinformação vai além e diz também com
o uso de robôs e contas falsas, com disparos em massa, enfim, com todas as formas de
comportamentos inautênticos no mundo digital. Diz, mais, com a insistência calculada em
dúvidas fictícias, bem ainda com as enchentes narrativas produzidas com o fim de saturar o
mercado de ideias, elevando os custos de acesso a informações adequadas.
Por isso mesmo, parece-nos igualmente urgente e imprescindível cessar o esgarçamento dos
laços sociais. Uma sociedade quista em comunhão não pode – simplesmente não pode! –
flertar com o rompimento.
Atenta às suas responsabilidades constitucionais e democráticas, a Justiça Eleitoral, como
instituição responsável pelo processamento pacífico das diferenças políticas, tem um papel
específico a desempenhar: cabe-lhe acudir a verdade escrutinada e, com ela, promover a
tolerância.
A tolerância, isto é, o exercício de reconhecer a dignidade alheia é, como se sabe, um
elemento indispensável para a harmonia social. Invoca, nesse sentido, a ideia de que pessoas
são iguais em dignidade e que, por isso, não se podem anular.
Estamos sempre abertos ao diálogo e aos aprimoramentos. As portas estão abertas desde há
muito à sociedade civil, aos partidos políticos, às entidades de classe, às Universidades, à
ciência, às pesquisadoras e aos pesquisadores e acadêmicos, às lideranças empresariais e de
trabalhadores, às pessoas e às instituições em geral, ao Ministério Público, à advocacia, às
defensorias públicas, à Polícia Federal, às Forças Armadas, e a todas e a todos que tenham fé
na democracia.
Refiro-me agora, em síntese, às principais diretrizes.
Anuncio, nesta oportunidade, uma síntese daquilo que a gestão irá primar: pela transparência
e pela defesa da integridade do processo eleitoral; pela primazia do diálogo nas relações
interinstitucionais, inclusive perante a comunidade eleitoral internacional; pela formação de
alianças estratégicas, com entidades genuinamente interessadas na perpetuidade do
patrimônio democrático; pela prevalência do clima de paz e tolerância na esfera pública; pela
prevenção do conflito e de todas as formas de violência política; pelo respeito à dignidade e às
potencialidades das autoridades técnicas e profissionais do honroso corpo de servidores da
Justiça Eleitoral; pelo aperfeiçoamento constante dos serviços prestados, mediante a revisão
de processos de auditoria e mapeamento de vulnerabilidades; pela inclusão e pela diversidade,
em ordem a universalizar o acesso à democracia; pelo combate a formas violentas de
expressão política; e pela eficiente administração dos recursos humanos, tecnológicos,
patrimoniais e financeiros do Tribunal Superior Eleitoral.
A partir de hoje, entra em curso o Programa de Fortalecimento Institucional da Justiça
Eleitoral. Estamos instituindo a Comissão de Combate ao Racismo; igualmente, amanhã
instalaremos o Núcleo de Inclusão e Diversidade. Teremos a honra de continuar com o
programa “TSE Mulheres”. Também manteremos e apoiaremos os setores, os grupos e as
comissões de acessibilidade e de saúde laboral.
Manteremos e ampliaremos a importante Comissão de Transparência Eleitoral e do
imprescindível Observatório de Transparência, ambos com a missão de observar e dialogar
com a Justiça Eleitoral.
Especial preocupação teremos com o direito fundamental de dados pessoais e sua proteção,
sopesado sempre com o dever de transparência inerente a todo e qualquer serviço público. A
transparência como primazia será nossa diretriz. Desenvolveremos intenso programa de
governança e de avaliação de riscos.
Iremos nos integrar de pronto ao esforço da comunidade eleitoral internacional pela defesa da
democracia e em articulação com instituições e entidades encarregadas dos processos
eleitorais no contexto global.
Durante o mês de março nos reuniremos com cada uma das presidências de todos os partidos
políticos para dialogar construtivamente sobre ideias e práticas de cooperação institucional,
inclusive no combate à desinformação. Impende aqui realçar a relevância e o papel central
destinado aos partidos políticos. Para eleger seus representantes, os titulares dos direitos
políticos materializam, nos termos do artigo 14 da Constituição, a soberania popular que “será
exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”. É a
manifestação da garantia do voto igual a livre expressão da vontade dos eleitores, como indica
o Pacto de São José da Costa Rica.
Essa postura colaborativa também já tem as portas abertas pela Presidência do Senado
Federal e da Câmara dos Deputados, e aqui reitero meu agradecimento aos Presidentes
Senador Rodrigo Pacheco e Deputado Arthur Lira, para ações coordenadas de combate à
desinformação eleitoral.
No tocante aos recursos financeiros necessários ao desenvolvimento das atividades eleitorais,
após planejamento meticuloso elaborado pelos tribunais eleitorais, contamos com o apoio da
área econômica do Governo e do Congresso Nacional, que aprovou em lei a dotação adequada
aos gastos para a realização das eleições gerais e demais atividades da Justiça Eleitoral.
Destaco também a continuidade da implantação da Identificação Civil Nacional, projeto que
contribuirá para a modernização do Estado Brasileiro.
A Secretaria de Tecnologia da Informação do TSE – que tanto contribuiu para o processo de
informatização das eleições – terá todo o apoio de minha gestão, notadamente nas ações de
defesa cibernética da Justiça Eleitoral. Como sabem, vivemos em um mundo novo, em que o
espaço das redes digitais precisa ser defendido dos contra-ataques de criminosos que tentam
vilipendiar as instituições.
As pautas ora anunciadas serão levadas em um contexto de presença unida e de operar
sinérgico, a congregar os vinte e sete tribunais regionais e mais de 22.588 (vinte e dois mil
quinhentos e oitenta e oito) colaboradoras e colaboradores, assim como as magistradas e os
magistrados eleitorais que servem à sociedade, bem assim o Ministério Púbico Eleitoral, os
dedicados mesários – essas testemunhas oculares da lisura, da confiabilidade e da
autenticidade dos pleitos movidos pela vocação de servir ao País.
A eleição não é um feito do TSE. É uma realização de muitos parceiros. Dos servidores da
Justiça Eleitoral, dos mesários, aos barqueiros, motoristas, de quem prepara o lanche e de
quem prepara os locais de votação, dos integrantes das juntas eleitorais, aos administradores
de prédios ou locais de votação, passando pelo papel importante e imprescindível das Forças
Armadas, especialmente nos trabalhos cívicos e patrióticos de levar as urnas nas mais
distantes regiões e rincões do país, fazendo ali chegar, com zelo, segurança e eficiência, todo o
conjunto de instrumentos para operar as urnas, e ainda das forças policiais que auxiliam
sobremaneira a segurança das eleições. Somos muitos (mais de 22 mil todos os dias,
cotidianamente, e mais de dois milhões no dia das eleições) e chegamos a todas as seções
eleitorais, incluindo as comunidades indígenas e ribeirinhas.
Eis aí, dentre tantos zelosos e abnegados, os embaixadores da democracia brasileira.
Por fim, não poderia terminar a presente solenidade sem antes dirigir algumas palavras aos
Excelentíssimos Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, a quem,
respectivamente, sucedo e precedo.
Ao amigo Presidente Barroso, meu sincero reconhecimento pela patriótica dedicação, pelo
zelo, pela empatia e pela sinergia com que se houve nos exemplares afazeres na chefia
máxima da Justiça Eleitoral. Dirigiu o Presidente Barroso eleições no ambiente da pandemia;
soube colher a orientação científica adequada, em situação inaudita, sem precedentes, e o fez
com cautela, serenidade e eficiência. Merece, sem favor algum, nosso reconhecimento e nosso
aplauso.
Ao Ministro Alexandre de Moraes, expresso aqui minha honra e alegria em compartilhar esse
momento histórico. A experiência e o conhecimento de Vossa Excelência pavimentam o
percurso a ser percorrido.
Concluo.
Aos meus colegas de Tribunal, ministros oriundos do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça, e aos ministros juristas: juntos iremos preparar, organizar e realizar as
eleições, administrando, julgando, regulamentando e dando as diretrizes consultivas
necessárias. Prestamos aqui um serviço público e prestamos contas à sociedade brasileira.
Conclamo todas e todos, a partir da ciência das responsabilidades que temos, a encontrarmos
o extrato líquido das metas comuns e que os comportamentos públicos sejam testemunha da
autenticidade e da firmeza de nossos compromissos democráticos.
Por derradeiro, seguiremos com o estrito respeito às orientações das autoridades sanitárias e
científicas, utilizando as ferramentas disponíveis e propícias ao maior cuidado com a saúde e o
ambiente de trabalho.
Sigamos em paz. O importante é ter em mente a vasta extensão das agendas que nos unem.
Queremos uma vida próspera, rica em harmonia, plena de trocas francas, generosas,
colaborativas, dentro do Estado de Direito democrático. O coração do presente ainda sabe à
esperança. O futuro esse sonho não deve nos negar.
Muito obrigado pela vossa atenção.
Ministro Edson Fachin.