Levantamento realizado pela Folha identificou 52 casos no Judiciário e no Legislativo de pessoas que receberam no ano passado mais de R$ 100 mil dos cofres públicos a título de reembolso por gastos com saúde.
Foram 18 na Câmara, 4 na Justiça Federal, 10 no TCU (Tribunal de Contas da União) e 20 no Senado. As informações estão disponíveis no Siga Brasil, portal que fornece dados da execução orçamentária da União. No caso do TCU, os dados são do próprio tribunal.
Em vários desses casos, os gastos foram justificados pela pandemia da Covid-19. Em alguns deles, houve internação em UTIs, o que aumenta os custos de tratamento.
No Senado, por exemplo, foi registrada uma explosão de pagamentos, somando R$ 10,3 milhões em 2021. Em 2020, foram R$ 6,9 milhões e, no ano anterior, R$ 5 milhões.
Diferentes categorias do serviço público têm direito a ressarcimento por procedimentos não cobertos por seus seguros de saúde. O benefício se estende a aposentados e seus dependentes.
Recentemente, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) limitou a cobertura de planos de saúde ao rol de procedimentos listados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mas a decisão não atinge todos os beneficiários da mesma forma.
Entre os casos identificados pela Folha, o de maior valor foi o deputado federal Damião Feliciano (PDT-PB), que recebeu R$ 1,088 milhão em ressarcimento no ano passado.
O parlamentar teve Covid-19 no início de 2021 e chegou a passar 30 dias intubado. Depois de se recuperar da doença, voltou a ser internado por complicações causadas pela infecção. Ele não respondeu aos questionamentos da reportagem.
A Câmara dos Deputados oferece atendimento médico nas suas próprias instalações, que se estende inclusive a dependentes e ex-parlamentares.
“Se utilizarem a rede privada, os parlamentares podem solicitar o reembolso de despesas médico-hospitalares e odontológicas”, informou a Casa. Nesse caso, o benefício não se aplica a dependentes.
Além de gastos médicos, o benefício também cobre “psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais”.
No TCU, o primeiro lugar foi do ex-ministro Valmir Campelo, que deixou a corte em 2014. Ele recebeu R$ 441 mil em ressarcimentos. Procurado por meio da assessoria de imprensa do TCU, ele não respondeu.
As regras do órgão dizem que “têm direito ao ressarcimento de saúde as autoridades, os servidores ativos e inativos e seus dependentes, bem como os pensionistas civis do TCU”.
A cobertura oferecida pelo tribunal engloba “assistência médica, odontológica, psicológica, farmacêutica, nutricional e de enfermagem.”
Além disso, ele reembolsa gastos com remédios de uso contínuo e despesas com plano ou seguro de saúde.
Já o Senado oferece um plano de saúde para parlamentares e servidores e reembolsa tanto procedimentos que constam na lista obrigatória da ANS como num rol complementar “aprovado pelo Conselho de Supervisão do SIS [Sistema Integrado de Saúde, o plano de Saúde do Senado], e desde que sejam realizados com prestadores não conveniados ou não credenciados ao SIS”.
Ex-senadores e seus cônjuges fazem jus ao plano se o parlamentar tiver exercido o mandato por pelo menos 180 dias. É necessário que, no período, o parlamentar tenha participado de pelo menos uma sessão deliberativa no plenário ou em alguma comissão e ainda não esteja exercendo outro cargo público.
Na Casa, o maior beneficiário de ressarcimentos no ano passado foi o ex-senador Lavoisier Maia Sobrinho, que recebeu R$ 804 mil. Ele teve um mandato parlamentar no Senado entre 1987 e 1995.
Sobrinho morreu depois de uma infecção generalizada em outubro de 2021.
No Judiciário, a maior beneficiária com ressarcimentos de saúde foi a chefe de gabinete de Augusto Aras na PGR (Procuradoria-Geral da República), Eunice Carvalhido.
Ela recebeu do STJ (Superior Tribunal de Justiça) R$ 673,4 mil de ressarcimento referentes a gastos com o tratamento do seu marido, o ex-ministro do tribunal Hamilton Carvalhido, que morreu em janeiro de 2021 por causa da Covid-19. Carvalhido foi ministro entre 1999 e 2011.
Procurada, Eunice disse que as despesas foram custeadas pelo plano de saúde Pro Ser, do STJ, e que portanto as informações deveriam ser solicitadas à corte.
O STJ informou que “os reembolsos médicos seguem o disposto em regulamento interno do Programa de Assistência aos Servidores, sendo possível aos beneficiários solicitá-los, mediante comprovação de gastos, que não são ressarcidos na totalidade, mas parcialmente, conforme a situação e o tipo de atendimento, sem distinção entre ministros e servidores”.
Dos quatro reembolsos acima de R$ 100 mil no Judiciário identificados pela Folha, dois foram de servidores no TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas). Fabio Prestes de Oliveira recebeu R$ 202 mil e Saulo Grana de Menezes teve R$ 128 mil ressarcidos. Procurado para comentar o caso dos servidores, o tribunal não respondeu.
O professor de finanças públicas da UnB (Universidade de Brasília) Roberto Piscitelli critica o que chama de privilégio de determinadas autoridades e servidores públicos. Ele classifica o ressarcimento de gastos com saúde como um deles.
“Algumas categorias são beneficiadas e os custos são bancados pelo Orçamento público, fica nítido esse privilégio”, apontou.
Para ele, “o tratamento deveria ser similar ao determinado para os planos de saúde”.
“Já que a agência reguladora estabeleceu limitações, isso deveria servir de modelo para os demais casos, principalmente quando são recursos do orçamento para custear despesas”, afirmou.