O presidente Jair Bolsonaro (PL), que tem afirmado que o Pix é uma ação do próprio governo, deverá explorar a ferramenta de transferências e pagamentos instantâneos durante a campanha de reeleição ao Palácio do Planalto. A ideia é apoiada por aliados políticos: “O presidente tem muita coisa para mostrar no período eleitoral. Ninguém sabe que o Pix foi projeto do governo dele”, disse ao portal UOL o ministro das Comunicações, Fábio Faria (PP-RN).
Mas será que Bolsonaro é mesmo o “pai” do Pix? Documentos analisados mostram que o BC (Banco Central) iniciou o processo de criação da plataforma em 2018, quando o órgão era chefiado pelo economista Ilan Goldfajn —durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
O lançamento bem-sucedido da ferramenta ocorreu em novembro de 2020. Reservadamente, integrantes da equipe responsável pelo Pix no BC dizem que, “em conceito, a ferramenta já existia desde 2016”, três anos antes de o economista Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro em 2019, assumir a presidência do órgão.
Ideia do Pix no BC surgiu em 2016
Em dezembro de 2016, Goldfajn sinalizava que o BC se preparava para lançar uma ferramenta inspirada no Zelle, plataforma similar ao Pix que a fintech Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos.
“As inovações tecnológicas têm mudado o mundo em várias áreas. Nós estamos acompanhando essas inovações no sistema financeiro. Temos inovações nas formas pagamento”, afirmou à imprensa à época.
Ainda em 2016, a equipe de servidores do BC produziu um relatório no âmbito do BIS (Banco de Compensações Internacionais) sobre os benefícios e possíveis desenhos de sistemas de pagamentos instantâneos. As discussões se ampliaram em 2017, por meio de estudos realizados em parceria com agentes do mercado financeiro e integrantes de outros bancos centrais.
BC é blindado de interferências políticas. Independente dos presidentes da República e do BC, o Pix seria aprovado por sua qualidade técnicaIntegrante de equipe responsável pelo Pix no BC
“Quando o conhecimento estava bastante maduro, a área técnica do BC chegou à conclusão de que a implantação de um sistema de pagamentos instantâneos no Brasil seria uma excelente política para aumentar a competição, eficiência, segurança e inclusão no sistema de pagamentos brasileiro”, disse ao UOL um dos funcionários do BC que participaram da primeira fase do projeto.
A proposta foi, então, submetida à análise da diretoria colegiada do BC e eventualmente aprovada pela presidência do órgão.
Em maio de 2018, quase seis meses antes de Bolsonaro ser eleito, o BC instituiu um grupo de trabalho denominado “Pagamentos Instantâneos”, que se encarregou de produzir as especificações básicas do sistema que eventualmente viria a se tornar o Pix.
Ainda durante a gestão de Goldfajn, em dezembro de 2018, o órgão publicou um relatório em que estabelecia uma série de “requisitos fundamentais” para a eventual implementação do sistema de pagamentos no país. No texto, o então diretor de política monetária, Reinaldo Le Grazie, descrevia o Pix como um método de transação bancária “eficiente, competitivo, seguro e inclusivo”.
O BC aprovou requisitos fundamentais e atuará na liderança do desenvolvimento dos pagamentos instantâneos no Brasil, com o objetivo de criar as condições necessárias para o desenvolvimento de um ecossistema que seja eficiente, competitivo, seguro, inclusivo e que acomode todos os casos de usosAnúncio do Banco Central sobre o Pix, em dezembro de 2018
“O fato de Ilan e sua equipe estarem ali naquele momento foi mera coincidência”, afirmou ao UOL uma analista do BC envolvida no processo de estruturação do Pix. “Independentemente de quem fosse o presidente da República, o ministro da Fazenda e o presidente do BC, o projeto certamente seria aprovado, por causa de sua qualidade técnica. O BC é muito blindado de interferências políticas”, diz ela.
Questionada sobre o papel desempenhado pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no processo de criação e implementação do PIX, a Presidência da República afirmou que o BC é o órgão competente pela prestação de informações sobre a ferramenta.
O BC emitiu a seguinte nota:
“Como outros projetos de grande porte, o Pix foi desenvolvido pelo BC ao longo de um processo evolutivo que envolveu várias áreas técnicas e diversos servidores. As especificações, o desenvolvimento do sistema e a construção da marca se deram entre 2019 e 2020, culminando com seu lançamento em novembro de 2020. A agenda evolutiva do Pix é permanente e prevê o lançamento de diversas novas funcionalidades, a serem entregues nos vários anos à frente”.
BC na gestão Bolsonaro manteve Pix como prioridade
Roberto Campos Neto manteve como prioridade de sua gestão a agenda de modernização do sistema financeiro criada por servidores do BC e aprovada pela equipe liderada por Ilan Goldfajn um ano antes.
O órgão divulgou, em agosto de 2019, comunicado em que os diretores João Manoel Pinho de Mello e Bruno Serra Fernandes detalharam por quais aprimoramentos o projeto do Pix deveria passar antes de ser lançado.
Pretende-se que o ecossistema proporcione o desenvolvimento de produtos e de soluções que ofereçam uma melhor jornada do usuário na realização de pagamentos, com eficiência e baixo custo.Banco Central anuncia aprimoramento no projeto do Pix, em 2019
Foi nessa etapa que o BC definiu quais seriam as chaves do Pix para identificar as contas dos usuários: telefone celular, CPF, CNPJ e e-mail. O modelo final do Pix foi divulgado em abril de 2020, quando o BC lançou consulta pública para receber contribuições da sociedade e aprimorar as regras da ferramenta.