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segunda-feira 7 de setembro de 2020 às 07:12h

Justiça Eleitoral age por mais diversidade após ser pressionada; entenda

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Por que demandas consideradas históricas por movimentos de mulheres e negros quando se fala de participação política vêm recebendo atenção tão grande da Justiça Eleitoral?

A conclusão de ativistas, políticos, pesquisadores e dirigentes partidários ouvidos pela Folha é que o inédito contexto global favorável à pauta da diversidade está levando à apresentação de respostas, embora elas nem sempre virem realidade com a rapidez pretendida.

Para entusiastas da bandeira da pluralidade, a força que o debate ganhou no âmbito eleitoral é fruto da onda de campanhas e manifestações contra a desigualdade de gênero, o machismo, a chamada “LGBTfobia” e a discriminação racial, com exemplos tanto no Brasil quanto no exterior.

Diante de provocações que se avolumaram, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) discutiu medidas consideradas importantes para resolver problemas que a Folha mostrou nos últimos dias, como a instabilidade no avanço da eleição de mulheres e os obstáculos enfrentados por candidatos não brancos.

Na última semana de agosto, por exemplo, o TSE decidiu que os partidos são obrigados a destinar recursos do fundo eleitoral e tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio de maneira proporcional a candidatos negros e brancos —mas isso só a partir da eleição de 2022.

“Foi uma vitória. Temos que comemorar”, diz Douglas Belchior, cofundador da Uneafro e da Coalizão Negra por Direitos. “É uma instituição da República brasileira reagindo a uma pauta que a sociedade impõe. Mas não é suficiente”, completa o articulador do manifesto “Enquanto houver racismo não haverá democracia”.

Uma de suas queixas é que, embora o financiamento seja pilar fundamental no combate às discrepâncias entre postulantes negros e brancos, falta ainda uma regra objetiva que amplie o número de vagas para pardos e pretos entre os candidatos. Na prática, essa peneira continuará na mão de cada partido.

A outra reclamação dele é sobre o fato de que a distribuição dos recursos não valerá para a eleição municipal deste ano. “É uma incoerência. Se dar esse passo na luta por reparação histórica é tão importante e urgente, como os ministros destacaram, por que postergar para 2022?”, indaga Belchior.

Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, reconheceu a gravidade do racismo estrutural no Brasil, com consequências diretas para a representação política da população negra.

“Mais do que um problema individual, o racismo está inserido nas estruturas políticas, sociais e econômicas, e no funcionamento das instituições, o que permite a reprodução e perpetuação da desigualdade de oportunidades para a população negra”, afirmou.

O ministro lembrou que 47,6% dos candidatos que concorreram em 2018 se declararam negros, mas representam apenas 27,9% do total de eleitos. Disse ainda que, mesmo respondendo por 12,9% das candidaturas, mulheres negras receberam apenas 6,7% dos recursos, o que expõe subfinanciamento.

Belchior, que é filiado ao PSOL (foi candidato a deputado federal em 2018 por São Paulo), diz considerar “uma vergonha para os partidos de esquerda” que eles dependam de uma determinação da Justiça Eleitoral para começarem a fazer a divisão equilibrada da verba entre brancos e negros.

Legendas do chamado campo progressista, como o próprio PSOL, além de PT, PDT e PC do B, anunciaram nos últimos tempos políticas internas para abrir espaço a candidaturas negras e garantir dinheiro e estrutura de campanha.

Na quinta-feira (3), o PSOL e organizações como a Educafro entraram com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo que a regra aprovada pelo TSE seja aplicada neste ano. Os autores discordam da tese de que, para valer já, a mudança deveria ter sido aprovada até um ano antes do pleito, como é praxe.

Defensores da causa apontam ainda o risco de que o intervalo até 2022 contribua para uma desidratação do mecanismo, tanto por vias judiciais quanto por vias legislativas, com projetos de lei no Congresso Nacional que venham a propor um afrouxamento da regra.

Como mostrou a Folha, parcelas como LGBTs, pessoas com deficiência e cidadãos de baixa renda também demandam condições mais equilibradas para disputar cargos eletivos. Elas reconhecem, contudo, que sua participação vem crescendo, mesmo sem contar com benefícios específicos ou cotas.

O único grupo que dispõe de uma política de inclusão efetiva é o das mulheres. Elas devem ocupar no mínimo 30% das vagas nas candidaturas para eleições proporcionais dentro de cada partido e têm direito a 30% dos recursos do fundo eleitoral.

O lançamento de candidaturas laranjas —como o esquema de 2018 no PSL, antiga sigla do presidente Jair Bolsonaro—, considerado um “efeito colateral” da cota, terá um empecilho extra nestas eleições.

Na tentativa de coibir as fraudes, o tribunal aprovou uma resolução que obriga os partidos a apresentar autorização por escrito de todas as candidatas. Além disso, o juiz eleitoral poderá derrubar a lista inteira de postulantes a vereador de uma sigla se encontrar irregularidades no cumprimento da lei.

Cabe ao juiz requisitar diligências para apurar se a registrada está de fato concorrendo. No fim, uma legenda pode ter todas as candidaturas anuladas, antes mesmo do pleito, caso a Justiça encontre evidências de que uma mulher foi incluída só para ajudar a agremiação a atingir a cota.

“Precisamos ficar atentos, monitorar e cobrar de órgãos como o Ministério Público que as fraudes sejam combatidas. É preciso fiscalização e punição”, diz Tainah Pereira, que milita no Rio de Janeiro no Mulheres Negras Decidem, movimento nacional de combate à subrepresentação dessa fatia da população.

Apesar dos problemas na implementação da reserva de vagas para representantes femininas, a ativista diz que o sistema, em vigor desde 2009, é positivo. “E foi também um estímulo na nossa luta para que o critério racial recebesse também atenção, o que começa a acontecer agora”, completa.

“A Justiça Eleitoral vem reconhecendo que há interesse de mulheres e de negros em participar da disputa. São respostas muito importantes, ainda que não na velocidade em que a gente deseja”, diz Tainah, também ligada à campanha Enegrecer a Política, para promover candidatos negros.

Ainda em benefício da participação feminina, o TSE adotou outras iniciativas: criou um comitê sobre o tema e lançou uma série de propagandas para despertar mulheres para a política.

Em outra frente, o plenário do TSE decidiu em maio que órgãos de direção de partidos podem aplicar, na sua composição, a regra do preenchimento de 30% dos assentos por mulheres, como acontece nas candidaturas. A corte adotou o entendimento como recomendação às legendas, e não obrigação.

Autora da consulta que resultou na decisão, a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) apresentou um projeto de lei em junho para que a ideia seja convertida em determinação, criando a reserva de cadeiras nos diretórios nacionais, estaduais e municipais e prevendo sanções em caso de desobediência.

Tradicionalmente, entretanto, propostas que interferem no funcionamento das agremiações encontram forte resistência no Congresso, já que líderes partidários tentam barrar mudanças que tirem poder deles. O argumento recorrente é o de que a Constituição garante a autonomia dos partidos.

“A autonomia deve ser respeitada, mas há limites a ela colocados pela própria Constituição, como a ideia de que os partidos precisam ser democráticos internamente”, diz Marcelo Issa, diretor do Transparência Partidária, movimento que acompanha prestações de contas e cobra boas práticas das legendas.

“A segunda baliza, também de ordem constitucional, é a questão do respeito aos direitos fundamentais. Deve haver compromisso com igualdade de gênero, oportunidades iguais independentemente da cor da pele, transparência com dinheiro público. As leis precisam ser revistas para dar cumprimento a isso.”

Para o especialista, os acenos no TSE em prol de mulheres e negros estão conectados com o que se passa na sociedade. “Questões como as denúncias das laranjas [no PSL] e os protestos com a bandeira Vidas Negras Importam, sobretudo após a morte de George Floyd, ajudaram a criar um caldo favorável.”

O que falta agora, na opinião de Issa, é assegurar que os incentivos não sejam burlados.

“Os mecanismos precisam dar conta de identificar e punir eventuais desvios. Mas a vigilância estará maior neste ano, tanto do lado da Justiça Eleitoral, que tem uma preocupação no sentido de aprimorar as regras, quanto do lado de grupos de monitoramento da sociedade e da imprensa.”

Medidas da Justiça Eleitoral em 2020 em prol da inclusção

Para mulheres

  • Para combater laranjas, resolução permite que juiz eleitoral derrube até a lista inteira de postulantes a vereador de uma sigla se encontrar irregularidades no cumprimento da cota de 30% de mulheres
  • TSE recomendou que órgãos de direção de partidos apliquem, na sua composição, a regra da cota de 30% para mulheres, a exemplo do que acontece nas candidaturas
  • Tribunal também criou a campanha #ParticipaMulher, veiculou anúncios para despertar mulheres para a política e criou um comitê sobre o tema

Para negros

  • TSE decidiu que, a partir da eleição de 2022, a distribuição dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita na TV e no rádio deve ser proporcional ao total de candidatos negros e brancos na sigla

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