Conforme o BNews, o juiz substituto da 6ª Vara do Trabalho de Salvador, Danilo Gonçalves Gaspar reconheceu o vínculo de emprego entre um motofretista de aplicativo e a Uber do Brasil em um processo que tramita na Justiça do Trabalho da Bahia. Como consequência desse reconhecimento, a empresa foi condenada a pagar todas as verbas inerentes aos direitos trabalhistas, além de indenização por danos morais.
Na ação, o empregado alegou que “aderiu aos termos e condições da reclamada iniciando as atividades em 16/06/2020 na função de motofretista” e que “ realizava jornadas diárias de trabalho, de acordo com a demanda ofertada pela reclamada, em horários variáveis, conforme previsão do § 3º do art. 443 da CLT”.
Ele afirmou ainda que trabalhava com entrega de mercadorias, em sua maioria gêneros alimentícios, para os clientes indicados pela empresa, recebendo pagamento pelo trabalho semanal no exercício da função de motofretista, sendo sua média salarial por semana em torno de R$ 300 e que foi bloqueado em 17/01/2021 no sistema da Uber e até o momento não teve nenhum direito trabalhista reconhecido.
Em sua defesa, a Uber pontuou que não explora atividade de transporte e nem de entrega de mercadorias, mas sim a economia de compartilhamento, da espécie “on-demand economy” e que “como empresa de tecnologia que é, responsabiliza-se apenas por proporcionar a operabilidade da plataforma digital em que ocorre a interação dos sujeitos mencionados anteriormente, sendo certo que a relação existente entre esta e os Parceiros, assim como com os restaurantes, possui eminente natureza de parceria comercial”.
A empresa assinalou também que a relação entre ela e o motofretista é meramente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao parceiro e que não se vislumbra subordinação, já que o autor podia escolher onde, quando e como utilizaria o aplicativo disponibilizado pela Ré, não havendo qualquer ingerência desta na atividade que era desempenhada por ele.
Entretanto, o magistrado Danilo Gaspar entendeu que “resta evidente, portanto, que o modelo de negócio da Uber não é um modelo de negócio que oferece aos cidadãos serviços/produtos de tecnologia, afinal, conforme já destacado, a tecnologia, no modelo de negócio em questão, não é “fim”, mas “meio”, instrumento para que o verdadeiro objeto da uber (transporte/entrega de passageiros ou coisas) seja realizado”.
Em outro trecho da decisão, ele destacou que “Da mesma maneira que o motorista (prestador) não busca junto à Uber serviços de tecnologia, mas sim uma oportunidade de trabalho para garantia de sua subsistência e de sua família, o usuário (consumidor) não busca junto ao motorista a prestação de serviços de transporte/entrega, mas sim busca isso junto à Uber, afinal, quando o consumidor contrata uma corrida no aplicativo, ele não escolhe previamente o motorista, mas sim contrata o serviço (de transporte/entrega) junto à Uber que, por meio de seus motoristas cadastrados, presta o serviço contratado pelo consumidor”.
O juiz salientou ainda que “a relação é clara, simples, chegando a ser óbvia: da mesma maneira que um consumidor contrata, junto a uma operadora de telefonia, um serviço de internet e a operadora de telefonia, por meio de seus profissionais, entrega ao consumidor o serviço contratado, o consumidor contrata, junto à Uber, um serviço de entrega/transporte (de pessoas ou coisas) e a Uber, por meio de seus profissionais, entrega ao consumidor o serviço contratado”.
Concluindo que a relação existente entre a Uber e os motoristas cadastrados é uma relação de trabalho (em sentido amplo), na qual a Uber figura como tomadora de serviços e o motorista como prestador de serviços, Danilo Gaspar condenou a empresa a reconhecer o vínculo de emprego, anotando na carteira de trabalho a função de motofretista, com salário médio de R$ 1.131,65 por mês e a pagar as verbas referentes a aviso prévio, FGTS, 13º salário, férias + 1/3 durante o período trabalhado, adicional de periculosidade, no percentual de 30% sobre o salário base.
Ainda, a Uber deverá pagar indenização por aluguel do veículo no valor de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês, indenização pelos gastos com manutenção e depreciação do veículo no valor de R$ 100,00 (cem reais) por mês, indenização pelos gastos com combustíveis no valor de R$ 100,00 (cem reais) por mês e indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). A Uber não se manifestou até a publicação da reportagem.
Posicionamento
Em nota enviada ao #Acesse Política, a Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 6ª Vara do Trabalho de Salvador, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados pelo próprio Tribunal Regional e pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho) – o mais recente deles no mês de maio.
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça do Trabalho vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício. Em todo o país, já são mais de 1.130 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho neste sentido, sendo que não há nenhuma decisão consolidada que determine o registro de motorista ou entregador parceiro como empregado da Uber.
Os parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas e entregadores escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em quatro julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. No mais recente, a 5ª Turma considerou que o motorista “poderia ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”.
Em março, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.
Entendimento semelhante já foi adotado em outros dois julgamentos do TST em 2020, em fevereiro e em setembro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.