A manutenção dos juros elevados nos últimos meses prejudica o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, e, com isso, desacelera o apetite das empresas por captar dinheiro na bolsa e afugenta investidores da renda variável.
Na contramão, aportes em renda fixa — que rendem mais com a Selic em alta e apresentam menos riscos — tendem a se beneficiar com o aperto monetário.
Desde agosto do ano passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) segura os juros em 13,75% ao ano. A alta da taxa, porém, começou em março de 2021, quando passou de 2% para 2,75%.
Segundo especialistas ouvidos pela CNN, o mercado de capitais sente a influência macroeconômica, dado que a manutenção dos juros em um patamar alto faz com que a economia do país como um todo seja afetada, influenciando negativamente o poder de compra da população.
“Juros altos significam aperto econômico quando uma economia está com as taxas de inflação além da meta. O poder de compra fica comprimido, pois o governo quer desacelerar essa economia que pode estar com algum desequilíbrio. Esses juros no alto tendem a frear o consumo, então o PIB projetado tende a ser menor”, disse Enrico Cozzolino, sócio e head de análise da Levante Investimentos.
Segundo Calil Filippelli, gestor de fundos da Ouro Preto Investimentos, o movimento, portanto, é que a Selic alta faz com investidores migrem para investimentos com menor risco, enquanto as empresas ficam mais cautelosas.
“A Selic alta, na verdade, fomenta a demanda por títulos de renda fixa e torna o mercado de renda variável menos atrativo para os investidores. Pela ótica dos emissores de títulos de renda fixa, a captação fica mais cara, o que exige certa cautela na escolha do vencimento, rentabilidade e quantidade emitida”, disse.
Apesar da pressão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta colocar sobre o BC para uma possível redução, especialistas acreditam que a Selic vai permanecer no patamar atual, aos 13,75% ao ano. Nesta terça-feira (20), começa a reunião do colegiado do BC, com a decisão publicada na quarta-feira (21).
A expectativa é de que a trajetória de cortes dos juros só comece na reunião seguinte, marcada para os dias 1º e 2 de agosto.
Número de investidores desacelera
Um levantamento da TC Economática feito a pedido da CNN mostra que a valorização do Ibovespa, o principal índice acionário brasileiro, é prejudicado com a alta da Selic, afugentando investidores.
No último ciclo de baixa da Selic, que vai de 27 de julho de 2015 até 5 de agosto de 2020, quando a Selic saiu de 14,75% e foi a 2% ao ano, o Ibovespa acumulou alta de 104%.
Já na manutenção da taxa em 13,75% ao ano, que começou em 5 de agosto do ano passado, até a última sexta-feira (16), o Ibovespa subiu 15%.
Com a rentabilidade do principal índice acionário comprometida, os investidores passaram a buscar outras formas de investimento, para além do mercado de capitais — como os títulos do Tesouro Direto ou produtos bancários, como os CDBs (Certificado de Depósito Bancário), por exemplo.
“O fator determinante para este fenômeno é que a relação entre risco e retorno de ativos atrelados à Selic fica bem mais atrativa do que as ações negociadas em bolsa. Com isso, cria-se uma tendência para investidores com menor apetite de risco de migrarem para a renda fixa, deixando o mercado de ações mais vendedor”, afirmou Filippelli.
O movimento também pode ser visto pelo número de investidores na B3. Enquanto o país teve um ciclo de baixa da Selic, o número de pessoas que investiam na bolsa por aqui passou de 700 mil, em 2018, para 5,3 milhões atualmente.
Neste ano, porém, com a Selic no alto, o número de investidores pessoa física vem se mantendo basicamente estável, segundo dados da B3.
O mesmo ocorre pelo lado das empresas, que utilizam a Bolsa para captar dinheiro mais barato do que em um empréstimo, por exemplo, e reinvestir na atividade econômica na qual atuam.
Em 2021, com juros mais baixos, 41 empresas optaram por buscar abrir capital – IPO, na sigla em inglês – e conseguir arrecadar dinheiro para investir pela bolsa. Já no ano passado, não houve IPOs, no país.
“É assim que a taxa de juros alta prejudica o mercado. As empresas precisam de mais recursos muitas vezes, mas o apetite ao risco adicional pelo mercado diminui”, afirma Cozzolino, da Levante.
Lula critica, mas Copom deve manter Selic
Em busca de uma queda dos juros, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar os juros altos do país e disse, na segunda-feira (19), que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, deve explicações referentes às altas taxas.
“Juros precisam baixar, porque não tem explicação. O presidente do BC tem que explicar ao povo brasileiro e ao Senado que o elegeu porque ele mantém essas taxas de juros de 13,75% em um país que está com inflação anual de 5%”, afirmou o presidente em sua live semanal.
A despeito dos apelos de Lula, o Copom não deverá alterar a Selic na reunião desta semana, de acordo com Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
“Apesar da recente queda da inflação, de modo mais acelerado que o esperado, o Copom deve seguir sua comunicação anterior e manter a Selic inalterada. No entanto, a análise de cenário e o balanço de riscos para a inflação teve mudanças importantes e esperamos que o Copom sinalize que o processo de afrouxamento da política monetária pode se iniciar a partir de agosto”, disse, em relatório.
Segundo a economista-chefe do Inter, o início do corte da Selic deve ocorrer mesmo na reunião do Copom de agosto. Vitória projeta que a taxa básica de juros termine em 12% ao ano em 2022 e em 9,5% em 2024, com a possibilidade de reduções até mais agressivas.
“Esse cenário, no entanto, depende do cumprimento das regras fiscais aprovadas com a desaceleração do crescimento dos gastos públicos e redução do déficit primário”, afirmou.