Em meio aos sinais de recuperação do PIB, as atenções do Palácio do Planalto e da equipe econômica se voltam para um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a autonomia do Banco Central. Nesta próxima sexta-feira (18) segundo a revista Veja, os ministros vão iniciar no plenário virtual da Corte a análise sobre a validade de uma lei que estabelece mandatos fixos para o presidente e os oito diretores do BC. O julgamento silencioso, numa plataforma digital onde os magistrados apenas depositam votos ao longo de uma semana, sem maiores debates, pode provocar barulho no mercado financeiro — e causa apreensão dentro do governo.
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em fevereiro deste ano, a legislação é contestada por dois partidos da oposição – o PT e o PSOL -, que acionaram o STF para derrubar a autonomia da autoridade monetária. Para as legendas, a medida esvazia o poder do governo federal na formulação de diretrizes econômicas, provocando a “descoordenação das políticas monetária e fiscal”. As siglas também apontam “vício de iniciativa”, alegando que a norma deveria ter surgido de um projeto de autoria do Executivo, e não do Senado, como ocorreu.
A lei complementar 179, que instituiu a autonomia do Banco Central, estabelece que os mandatos do presidente e dos diretores do BC não vão mais coincidir com o do chefe do Executivo. Agora, o dirigente da instituição monetária iniciará os trabalhos apenas no terceiro ano de mandato do presidente da República — o substituto do atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, por exemplo, só vai assumir o cargo em janeiro de 2025. O comando do Banco Central será renovado a cada quatro anos. Antes, o presidente do BC poderia ser demitido a qualquer momento por qualquer motivo. Agora, a exoneração fica limitada a situações objetivas como uma condenação por improbidade administrativa ou mais subjetivas como “desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos” da instituição.
O sinal de alerta com o julgamento do STF já havia sido aceso no governo depois que o relator da ação, Ricardo Lewandowski, negou em março um pedido do próprio Banco Central para acompanhar o caso na condição de “amigo da Corte”, uma espécie de assistente que pode se manifestar nos autos do processo — e no próprio julgamento. Indicado ao STF pelo então presidente Lula, Lewandowski é considerado um ministro com viés esquerdista e costuma decidir a favor dos contribuintes em questões de impacto social.
A preocupação aumentou depois que o procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou um parecer ao Supremo em rota de colisão com os interesses do Palácio do Planalto, ou seja, concordando com os argumentos levantados pelas legendas de oposição. Mesmo sendo um aliado de Bolsonaro, Aras defendeu a derrubada da lei por não ter sido de iniciativa do Executivo.
Para afastar os riscos de uma derrota na Corte, Campos Neto tem feito uma maratona de conversas reservadas com os ministros para sensibilizá-los sobre a importância da lei, que, segundo ele, abriu caminho para um aperfeiçoamento institucional e técnico do BC e permitiu que o ciclo econômico fique descolado do político, facilitando a coordenação da política monetária. Uma das linhas de defesa do governo é que a legislação elimina interferências políticas que poderiam ser prejudiciais para a sustentabilidade da economia brasileira.
Pelo menos oito ministros do STF já conversaram com o presidente do BC. Segundo relatos obtidos por VEJA, os argumentos trazidos por Campos Neto têm ressoado entre integrantes da Corte de alas divergentes, como o presidente do STF, Luiz Fux, e o ministro Gilmar Mendes. Os dois discordam frontalmente em julgamentos espinhosos da Operação Lava Jato, mas, como neste caso, costumam concordar com as consequências práticas de processos que repercutem no mercado financeiro.
“Eventual declaração de inconstitucionalidade da lei, neste momento de crise econômica, é extremamente prejudicial para o país, pois retirará do órgão responsável pela estabilidade dos preços eficiência do sistema financeiro e até mesmo a promoção de empregos, que deveria passar ao largo de ingerência política e decisões populistas atrás de votos”, avalia a advogada Isabela Pompilio, especialista em direito empresarial. “O fato da ação ter sido proposta pelo PSOL e pelo PT só demonstra o viés político existente por trás dessa ação, ajuizada em momento tão inoportuno”, acrescenta.
Para Camilo Onoda Caldas, especialista em direito político e econômico, uma reação negativa do mercado é “praticamente garantida” se o STF derrubar a autonomia do BC. “Existem muitas dúvidas a respeito da capacidade política do governo em gerir a recuperação econômica e transformar isso numa agenda e em ações concretas acertadas por meio do Banco Central. O presidente Jair Bolsonaro já deu mostras de que é capaz de intervir nas mais diversas instituições se estas não estiverem agindo conforme seus interesses eleitorais”, diz.
Procurado, o BC não se manifestou.